Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Uma vítima que não comoveu o Brasil

A década de 2000 foi e está sendo marcada por uma série de crimes chocantes para a sociedade. O sentimento de impunidade permanece à solta, tanto na esfera política como, sobretudo, na esfera social. Não se vive com a violência existente nas pequenas cidades ou metrópoles. Tenta-se sobreviver.

Como não bastasse a violência praticada entre estranhos, a criminalidade passou a viver dentro dos lares, entre os próprios familiares ou conhecidos. Casos como o de Suzane von Richthofen, ocorrido em 2002, surpreenderam a imprensa e a população. Incansável, a mídia fez a cobertura de todo o crime, desde o dia do fato até a condenação da criminosa e seus comparsas.

O acompanhamento constante dos jornalistas se repetiu em outros momentos, quando da cobertura do assassinato da missionária Dorothy Stang, em 2005, a trágica morte do menino João Hélio em 2007 e o ato covarde praticado pelo próprio pai contra a pequena Isabella Nardoni, em 2008. No mesmo ano, Eloá Pimentel foi morta pelo namorado. E agora, em 2010, a sociedade depara com mais um ato de violência, praticado com ritos de crueldade (pelo que se especula nas investigações) contra a jovem Eliza Samudio.

Um funesto aniversário

Em todos os casos, a imprensa se fez presente, acompanhando as situações de perto e, inclusive, após julgamentos e condenações. A sociedade se punha comovida com o que era apresentado incansavelmente nos telejornais, jornais, revistas e sites. Causar comoção tornou-se uma arte aprendida e difundida por muitos repórteres, apresentadores, âncoras e colunistas. Até em coberturas de colegas da classe jornalística, como no caso Tim Lopes ocorrido em 2002, nenhum profissional de imprensa se fez de rogado. Mas nem sempre foi assim.

Em 20 de agosto de 2010, uma família brasileira revolta-se com a atitude da justiça e sua morosidade. Os Gomide jamais serão os mesmos depois da triste perda de um de seus pares, a jornalista Sandra. Dez anos após o seu assassinato, o seu algoz continua livre, sem qualquer punição. Ainda está na promessa a sua condenação. O crime precisou completar uma década para que poucos jornais dedicassem certa atenção ao caso.

Poucos são os veículos que buscam manter acesa a chama da impunidade do também jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves, assassino de Sandra Gomide. O portal Imprensa, por exemplo, é um dos veículos que dedicou um espaço de seu site para noticiar os sete, oito, nove anos de aniversário ao crime sem punição. Não se sabe se o mesmo vem ocorrendo com jornais, telejornais ou programas jornalísticos de outra ordem. Mas neste funesto aniversário de dez anos todos resolveram pôr luz ao fato.

Contradições difíceis de engolir

Por que a imprensa não se motivou a cobrir com mais afinco o caso, quando ocorrido? Por que Sandra não mereceu o mesmo destaque dado às outras vítimas marcadas ao longo dos primeiros dez anos do século 21? Era necessário a data ser cheia e ter certa relevância para que parentes da vítima fossem ouvidos?

Com tantos critérios de noticiabilidade explanados nas academias de Jornalismo, mais um poderia ser criado: a morte de companheiros da classe jornalística. Não desmerecendo as demais mortes ocorridas ao longo do tempo e em outras esferas da sociedade – até porque a própria morte é um, senão mais importante, critério noticioso mencionado por algumas linhas das teorias de jornalismo. Mas deveria ser natural por parte da imprensa tomar partido de alguém da sua classe trabalhista. Não é o que acontece, contudo.

Em 2012, Pimenta Neves poderá, enfim, encerrar esse tenebroso capítulo de sua vida. Como o vilão que se dá bem no final da novela, o criminoso não terá que dar mais satisfações à justiça, já que com mais dois anos o crime poderá prescrever. Assim não precisará cumprir a pena de reclusão determinada pela justiça em 2006. O crime será arquivado, tal qual o sentimento de perda e impunidade sentido pela família Gomide.

Será que antes disso ocorrer Sandra merecerá a mesma comoção criada pela imprensa em outros ‘casos’, termo comumente utilizado pela mídia para denominar mais uma cobertura policial impactante? Ou será que a sociedade simplesmente seguirá em frente esperando novos capítulos mórbidos e espetaculares ocorrerem para requerer justiça? Será que tiros não foram suficientes para indignar o público? Contradições que alguns não conseguem engolir.

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Jornalista, Florianópolis, SC