Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Urubus do WhatsApp

Estava eu trabalhando na redação da TV em que atuo, quando, ao acessar o WhatsApp pelo computador, entrar em um dos grupos dos quais participo e rolar a barra de rolagem para baixo, tive a péssima surpresa de ver inúmeras fotos de dois corpos esquartejados em um crime ocorrido em uma cidade paraibana. Foi um susto, pois no computador o aplicativo abre as fotos automaticamente.

Dias depois, estava eu seguindo minha rotina normalmente quando, nos diversos grupos de que eu participo, uma postagem se repetia: o vídeo do corpo do cantor Cristiano Araújo, morto em um acidente de carro, sendo aberto e remexido friamente por funcionários de uma clínica em Goiás. Dessa vez tive sorte, pois, no meu celular, os arquivos do WhatsApp não são baixados automaticamente.

Cito esses dois exemplos para abordar esse aspecto mórbido do comportamento humano e a curiosidade perversa do público, que há muito são explorados pela mídia tradicional (principalmente pela televisão) e agora ganham contornos incontroláveis com a popularização de meios tecnológicos que facilitam a comunicação através de aplicativos em celulares, neste caso o WhatsApp.

Muito se discutiu e condenou até hoje a prática de alguns programas televisivos de explorar ao máximo a miséria humana através da banalização da vida e da condição de ser humano, por meio da exposição de cadáveres, principalmente vítimas de homicídios. Diversos programas popularescos em âmbito local e nacional têm elevadas taxas de audiência por se utilizarem desse artifício para atrair a atenção do público.

A carniça produzida pela própria sociedade

O que acontece é que sempre foi colocado (e eu concordava com isso) que as pessoas “pedem” esse tipo de conteúdo porque são induzidas a isso pela própria mídia, tanto na área jornalística – através do famoso sensacionalismo – como no entretenimento (cinema, séries, programas de auditório etc.).

Agora, com essa suposta liberdade de produzir e compartilhar conteúdos pelas diversas plataformas interacionais existentes, as pessoas postam e disseminam o que bem entendem (afinal, não há um controle legal efetivo) e elas mesmas retroalimentam esse círculo vicioso no qual a vida se torna algo sem valor e o corpo do ser humano um reles objeto. Como verdadeiros urubus em busca de carniça, os usuários do WhatsApp parecem estar ávidos por desgraças numa proporção bem mais alarmante do que quando se trata dos meios de comunicação tradicionais.

Precisamos refletir sobre o que estamos fazendo com nossa liberdade de comunicação em ambientes online. É algo de dar medo a quantidade de pornografia, mentiras e morbidez que circula nos meios interacionais. Aonde isso está nos levando e como combater essas mazelas são discussões que têm que ser travadas pela sociedade. Além disso, temos que exigir que haja uma fiscalização efetiva para que pelo menos se puna os que perpetuam de forma criminosa conteúdos desumanos.

É preciso também educar os jovens para que eles utilizem os meios tecnológicos de maneira mais edificante. Caso algo não seja feito estaremos criando mais e mais urubus para consumir a podre carniça, infelizmente, produzida pela própria sociedade.

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Raul Ramalho é jornalista