Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Veja

RÁDIO CULTURA
Veja São Paulo

Terremoto na Cultura FM

‘Apesar da pequena audiência – ela é a 27ª colocada no ranking das 37 FMs da região metropolitana, segundo o Ibope -, a rádio Cultura (103,3 MHz) sempre ocupou uma posição de prestígio no dial dos paulistanos. A excelência de sua programação, que até o fim do mês passado mesclava atrações dedicadas à música erudita com outras de apelo mais popular, reúne um séquito de ouvintes qualificados e fiéis. Na última semana, os bastidores da emissora foram abalados por uma decisão do jornalista Paulo Markun, que há um mês assumiu a direção da Fundação Padre Anchieta, mantenedora da Rádio e TV Cultura. Markun cancelou todos os programas que não eram dedicados exclusivamente à música clássica. Dezessete das 59 atrações não se enquadravam nessa proposta, entre elas o Jazz Concert, apresentado por Carlos Conde, o Todos os Cantos, com a cantora Fortuna, e A Canção Americana, de Vicente Adorno. Na TV Cultura, por enquanto, não houve maiores mudanças.

O impacto mais forte ficou por conta da extinção do Diário da Manhã, ancorado desde 1999 pelo jornalista Salomão Schvartzman. ‘Meu programa era líder de audiência e dono do maior faturamento da Cultura. Foi uma decisão ideológica’, afirma Schvartzman, que como todos os atingidos só soube da decisão com 24 horas de antecedência. ‘O Jorge da Cunha Lima certa vez havia me alertado de que os russos da fundação queriam a minha cabeça’, diz ele, referindo-se ao ex-presidente da Fundação Padre Anchieta, substituído em 2004 por Marcos Mendonça, a quem Markun sucedeu. Os tais russos, de acordo com Schvartzman, seriam ex-membros do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que trabalhariam na fundação. Cunha Lima, que atualmente é presidente do conselho curador, não confirma a história. ‘Nunca falei de russo nenhum para o Salomão’, diz. ‘Ele fazia comentários políticos e muitas pessoas entendiam que isso ia contra a missão da rádio. Mas não era contestado ideologicamente.’

Segundo Markun, a reformulação da grade deve-se a um retorno às origens da emissora. ‘Não vou alimentar polêmica’, diz ele. ‘A decisão é irreversível, envolve dezessete programas, não é personalizada e foi tomada para cumprir o estatuto da rádio, que nos manda tocar apenas música erudita.’ Schvartzman conta que recebeu uma série de telefonemas e e-mails de pessoas conhecidas em solidariedade pelo fim do Diário da Manhã, que ia ao ar das 8 às 9 horas, de segunda a sexta. Entre os que ligaram para ele estão o secretário estadual da Cultura, João Sayad, e a ministra do Turismo, Marta Suplicy. ‘Sayad me falou que nada tinha a ver com a decisão e Marta me deu sua solidariedade e disse que a retirada do programa do ar é um insulto à inteligência do ouvinte’, relata Schvartzman. Marta confirma o teor do telefonema, mas Sayad não quis fazer comentários. Schvartzman recebia salário de 14.000 reais mensais. Ganhava ainda, segundo fontes da Fundação Padre Anchieta, 50% do faturamento bruto de seu programa, calculado em cerca de 100.000 reais.

Outra decisão controversa foi o fim dos blocos de comerciais. A partir deste mês, a Cultura FM vai contar apenas com apoios institucionais. ‘Muitos ouvintes se queixavam da publicidade excessiva’, afirma a radialista Gioconda Bordon, que assumiu a coordenação do núcleo de rádio e internet da Fundação Padre Anchieta e teve o programa diário de entrevistas também extinto. Abdicar dos anúncios pode significar um aporte maior de recursos por parte do governo do estado. ‘A Cultura FM perde, só em comerciais já vendidos para o segundo semestre, 1 milhão de reais’, diz o ex-diretor da rádio José Roberto Walker. ‘O departamento comercial projetava arrecadar mais 2 milhões de reais com a comercialização de espaços publicitários.’ Para 2007, o orçamento da Cultura FM é de 6,9 milhões de reais. Markun diz que pretende, com essas mudanças, tornar a Cultura FM semelhante à BBC-3 inglesa, cuja programação é voltada basicamente à música clássica.’

RENANGATE
Carta ao leitor

Não há forra, mas fatos

‘O roteiro seguido pelos políticos brasileiros pegos com a boca na botija é mais reprisado do que os filmes da sessão da tarde na televisão. Em algum momento, acuados por revelações intransponíveis, eles sempre culpam a imprensa. Nessa estratégia de defesa com uso do contra-ataque, chamam as revistas e os jornais sérios, que vivem de levantar e relatar fatos, de ‘fascistas’ ou ‘nazistas’ – epítetos, aliás, que deveriam ser usados com parcimônia, ao menos em respeito aos milhões de vítimas das brutalidades dos regimes de Mussolini e Hitler. Acusar a imprensa é agora, previsivelmente, a estratégia de contenção do senador Renan Calheiros, que usava os serviços do lobista de uma grande empreiteira para pagar pensão à mãe de sua filha. ‘Setores da mídia, que não conseguiram derrubar o presidente Lula, agora querem ir à forra, querem ir ao terceiro turno, derrubando o presidente do Senado Federal’, disse o senador, no desespero de safar-se da condenação por falta de decoro parlamentar.

Tudo isso seria apenas patético se não fosse fruto do cinismo. Dos ‘setores da mídia’ contra os quais Calheiros lança seus vitupérios faz parte, é claro, VEJA. Foi esta revista que revelou o esquema do senador. Também foi VEJA que abriu a caixa de Pandora dos escândalos políticos que abalaram o país em 2005 e 2006. Pela enésima vez, repita-se: ao trazer à tona as malfeitorias cometidas contra a nação, a imprensa não faz mais do que cumprir o seu papel. Nas democracias, é assim que funciona. Os jornalistas e os veículos onde trabalham ajudam a fiscalizar o poder e, quando descobrem que um mandatário cometeu uma infração, relatam o que apuraram. Em seguida, a denúncia deve ser analisada pelas esferas capazes de punir ou inocentar o infrator. A imprensa brasileira tem demonstrado uma sadia capacidade de vigilância e indignação. Sua função se esgota aí. Cabe aos pares de Renan julgá-lo. Mas que o julguem com base nos fatos, e não nas conveniências. Aos cidadãos cabe talvez a mais eficiente das responsabilidades – a de exercer pressão contínua em favor da moralização da desastrada gestão pública.’

André Petry

É político, estúpido

‘Que história é essa de que o senador Renan Calheiros é inocente até que uma sentença diga o contrário?

O presidente Lula escorou-se nesse raciocínio dias atrás, quando discursou numa solenidade no Palácio do Planalto, com Renan Calheiros sentado ao seu lado. ‘O que me inquieta é muitas vezes não termos o cuidado de evitar que pessoas sejam execradas publicamente antes de ser julgadas’, disse ele, deixando escorrer o equívoco de que condenados podem, aí sim, ser alvo da execração pública.

Na estrondosa sessão da semana passada, durante a qual mais de uma dúzia de senadores pediu que Renan desça da cadeira de presidente, Valdir Raupp, estafeta da tropa renazista, disse a mesma coisa. Com uma sintaxe acrobática, ele declarou: ‘Ninguém que não tem processo transitado em julgado pode ser considerado culpado’.

É, claro, mais um embuste. Renan Calheiros não é inocente até que seja prolatada uma sentença em contrário porque Renan Calheiros não está sendo submetido a um processo jurídico. O processo é político. E, em um processo político, as coisas são diferentes.

Tão diferentes que Lula parece ter esquecido que demitiu José Dirceu sem sentença condenatória. Demitiu-o porque Dirceu, como czar do mensalão, estava politicamente condenado. Tão diferentes que Lula demitiu Antonio Palocci sem sentença que o condenasse. Demitiu-o porque Palocci, como algoz de caseiro, estava politicamente morto. Até hoje, nem um nem outro sofreu punição na Justiça.

O processo jurídico é tão diferente do processo político que Renan Calheiros é acusado de pedir favores financeiros a um lobista de empreiteira. E qual é o crime? Nenhum. Pedir favores a lobista não é crime. Para um senador, é apenas antiético. Ferir a ética também não é crime. Para um senador, é falta de decoro parlamentar. Falta de decoro parlamentar, não sendo um crime, não produz nenhuma punição jurídica. Mas, no Parlamento, no processo político, é falta grave, tão grave que dá cassação.

Quando alguém voltar com a catilinária de que não há sentença contra Renan, diga: ‘O processo é político, estúpido’.

MEUS CAROS LEITORES

Na edição passada, o texto publicado aqui, sob o título ‘Você entregaria seu filho?’, falava do dilema vivido pelo pai de um dos espancadores da doméstica Sirlei Pinto. Dos 98 leitores que escreveram à redação, dezenove concordaram com o texto, outros dezenove disseram que a postura do pai é indefensável e 33 se dividiram em manifestações diversas – em geral, críticas ao texto. O que chamou atenção foram os restantes 27 e-mails, assim divididos: catorze disseram que defendi a impunidade, seis afirmaram que defendi a ação dos espancadores e sete disseram que defendo prisão só para os pobres. Não há, no artigo, uma vírgula em defesa de espancamentos ou dos espancadores, muito menos de prisão só para pobres. Sou forçado a convidar os 27 leitores a reler o texto (http://veja.abril.com.br/040707/andre_petry.shtml, só para assinantes). Discordar vale. Fraudar o argumento, não.’

MAINARDI vs. LULA
Diogo Mainardi

Dois pesos para dois ‘crioulos’

‘Quem tem medo da palavra ‘crioulo’?

O professor Paulo Roberto da Costa Kramer, da Universidade de Brasília, usou o termo ‘crioulada’ numa de suas aulas. Foi suspenso e condenado a pagar uma multa depois que nove alunos – apenas dois dos quais negros – o denunciaram à reitoria. O professor Kramer negou ser racista e definiu seus acusadores como membros de uma ‘Ku Klux Klan negra’. A Universidade de Brasília é como o Planeta Bizarro, do Super-Homem, em que todos os conceitos foram virados pelo avesso e os perseguidos se tornaram perseguidores, incendiando cruzes e linchando os representantes das maiorias.

No mesmo dia em que foi aplicada a multa ao professor Kramer, Lula, num evento no Rio de Janeiro, contou que, aos 14 anos, aproveitava as enchentes em seu bairro para ganhar uma gorjeta dos vizinhos. Ele estendia uma tábua sobre o charco, no meio de fezes, ratos e baratas, e cobrava um pedágio dos passantes. Um de seus clientes era, de acordo com ele, ‘um afrodescendente, que naquele tempo a gente chamava de crioulo, bem forte e alto’. A claque presidencial riu e aplaudiu, sem se incomodar com o deboche da linguagem politicamente correta.

O episódio demonstra que, desde cedo, Lula aprendeu a lucrar com a miséria alheia. Demonstra também que as regras que se aplicam a uns podem ser impunemente violadas por outros. Aquele mesmo ‘crioulo’ que rendeu uma multa ao professor Kramer foi calorosamente aprovado na boca de Lula. A censura de ordem racial é idêntica a todas as outras censuras: protege os amigos e pune os inimigos. Como o lulismo se apropriou da bandeira da igualdade racial, os censores da vez protegem os lulistas e punem todos os demais.

Se a patrulha racial se firmar no Brasil, ela acabará banindo de nossa história tanto as marchinhas de Carnaval da década de 1950 quanto Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. Ela banirá igualmente todos aqueles que se recusarem a se enquadrar: na escola, no trabalho, nas artes, na pesquisa científica, na vida pública. Alguém é otário o bastante para acreditar que, a partir de agora, o professor Kramer terá as mesmas oportunidades que seus colegas mais obedientes?

Crioulo é um bom jeito de chamar os brasileiros de pele escura. Bem melhor do que essa macaquice retrógrada de chamá-los de afrodescendentes. O único resultado da demagogia racial dos lulistas é assegurar alguns privilégios a uma casta de patifes que se empossou da burocracia estatal: patifes brancos, patifes pretos, patifes amarelos, patifes pardos. Ao proibir o uso de uma palavra, o que se quer é proibir o surgimento de qualquer idéia divergente que acabe atrapalhando a patifaria. Na realidade bizarra do lulismo, em que o Planeta é cúbico, o Super-Homem é mau e a criptonita é vermelha, os patifes fazem as leis e as administram como bem entendem.’

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Clique nos links abaixo para acessar os textos do final de semana selecionados para a seção Entre Aspas.

Folha de S. Paulo– 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

Terra Magazine

Veja

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