Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A formulação de uma estratégia delicada

A divulgação de resultados de pesquisas que envolvam ameaças à saúde, à segurança e ao meio ambiente é um assunto delicado. Para o gerenciamento da situação, é fundamental que o pesquisador leve as informações ao domínio público, mas a divulgação pode ter um efeito perverso se não contar com uma estratégia profissional de comunicação.

Pouco conhecida no Brasil, a chamada ‘comunicação de risco’ foi o tema da dissertação de mestrado da jornalista Gabriela Di Giulio, defendida em dezembro no Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Gabriela estudou o caso do município de Adrianópolis (PR), que ficou submetido por 50 anos – entre 1945 e 1995 – à presença de uma mineradora cuja atividade, sem controle de impacto ambiental, contaminava com chumbo o solo, a água e os trabalhadores. Caso típico de situação de risco, a contaminação começou a ser divulgada pela mídia em 2001, logo que o problema foi identificado por estudos.

‘Em fevereiro de 2001, o caso foi divulgado pela primeira vez na televisão. A partir daí, o assunto ganhou a mídia nacional, mas, como não houve estratégia para divulgação dos resultados, a população sofreu diversas conseqüências negativas’, disse a pesquisadora à Agência Fapesp.

O estudo feito por Gabriela teve como objetivos compreender os impactos da contaminação por chumbo no cotidiano dos moradores do local e conhecer e avaliar as conseqüências da ausência de estratégia de comunicação de risco.

‘Para isso, fiz uma revisão bibliográfica sobre o assunto, com foco em saúde e meio ambiente. Realizei um levantamento documental, analisando notícias sobre o caso, e entrevistei alguns dos atores sociais’, afirmou a jornalista, que contou para seu trabalho com bolsa da Fapesp.

Plano de mídia

Na análise das reportagens, Gabriela constatou que a população local foi muitas vezes estigmatizada. Havia referências aos habitantes como ‘chumbados’ e às pesquisas como ‘caçada aos chumbosos’.

‘Muita gente, depois das reportagens, teve dificuldade para encontrar emprego porque vinha de Adrianópolis. Os empregadores temiam problemas crônicos de saúde. Os produtos agropecuários locais, principal fonte de renda do município, também começaram a ser recusados’, disse.

A contaminação ocorreu na Vila Mota, localidade da zona rural de Adrianópolis com cerca de cem famílias, mas os noticiários trataram o caso sem detalhar essa informação. O resultado é que as conseqüências e o estigma se estenderam a todos os 7 mil habitantes da cidade.

‘Os habitantes foram informados do caso pela mídia, o que assustou muitos deles. Além disso, eles não participaram dos estudos e da avaliação de riscos. Para os moradores, a cobertura teve tom sensacionalista e, em vez de melhorar, só piorou a situação’, afirmou Gabriela.

Nas entrevistas, alguns moradores demonstraram total perda de confiança nos dados divulgados e passaram a acreditar que todo o caso era uma invenção com intenções políticas. ‘Foram divulgados dados de dois estudos preliminares diferentes, levando a contradições no noticiário’, conta Gabriela.

Os pesquisadores, no entanto, estavam conscientes do problema de comunicação. ‘Eles se preocuparam em emitir boletins informativos e em reunir membros da comunidade e autoridades para explicar os resultados. Mas a cidade tem pouca participação política, a população tinha dificuldade em entender os resultados e nem sempre os resultados chegavam às mãos das pessoas certas’, descreve.

Faltava, segundo Gabriela, uma estratégia de comunicação. ‘Em um plano de comunicação de risco é preciso, necessariamente, envolver a mídia. Se não se pode contar com um jornalista na equipe, seria preciso consultar alguém da área para desenvolver a estratégia.’

Compreensão local

Acidente nuclear, contaminação por resíduos químicos e vazamento de óleo são alguns dos exemplos de situações de risco que podem requerer tais cuidados, de acordo com Gabriela Di Giulio. O conceito de comunicação de risco, segundo conta, é relativamente novo, mas muito utilizado nos Estados Unidos e em países da Europa Ocidental. ‘O termo foi usado pela primeira vez após o acidente na usina nuclear de Chernobyl, em 1986’, disse.

A autora do estudo explica que a comunicação de risco consiste, em primeiro lugar, em um processo que inclui várias estratégias para que a exposição das informações seja feita de forma clara e explicativa, possibilitando que a população local compreenda os dados e participe da tomada de decisão.

Além de envolver a mídia, segundo Gabriela, seria desejável que projetos de pesquisa em meio ambiente e saúde envolvessem sempre representantes da comunidade a ser estudada.

‘Ajuda muito contar com a confiança da comunidade. Por isso, é recomendável o envolvimento de um representante que possa mediar a relação entre habitantes e pesquisadores’, disse.

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Editor da Agência Fapesp