Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Astronomia, jornalismo e Carnaval

Talvez um dia, no futuro, um desfile de Carnaval em Marte venha a evocar como tema o décimo planeta do Sistema Solar. Por enquanto o assunto ainda é tema da mídia, e neste sábado carnavalesco voltou às manchetes.

Astrônomos norte-americanos anunciaram a descoberta de um corpo nas bordas do Sistema Solar, um pouco menor do que Plutão e aparentemente maior do que Caronte, a única lua conhecida desse planeta que, por sua órbita acentuadamente elíptica, temporariamente é o mais externo do sistema planetário. Em determinados períodos, no entanto, a órbita de Plutão cruza e mergulha no interior da órbita de Netuno.

O corpo foi localizado por uma equipe liderada por Mike Brown, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) em colaboração com pesquisadores da Universidade Yale a partir do observatório de Palomar, na Califórnia. Eles utilizaram o telescópio Samuel Oschin de 122 centímetros de diâmetro, e não o Hale de 5 metros que, durante muito tempo, foi o maior telescópio da Terra.

Os primeiros dados sugerem que o corpo batizado como 2004DW é um asteróide com diâmetro entre pouco mais de 800 quilômetros a quase 1.900 quilômetros de diâmetro. A imprecisão em relação ao diâmetro do corpo se explica tanto pela distância como pelo brilho enfraquecido. O asteróide, localizado no Cinturão Kuiper, reflete como um espelho opaco o brilho do Sol enfraquecido pela distância..

Área de entulho

A descoberta do 2004DW abala mais uma vez o prestígio de Plutão como um planeta incontestável. Em meados da década passada, a descoberta de outros objetos no Cinturão Kuiper, como o Quaoar, com quase 1.300 quilômetros de diâmetro, havia levado a uma discussão envolvendo uma possível reclassificação de Plutão, que cairia da categoria de planeta para apenas o maior objeto já localizado no Cinturão de Kuiper. A União Astronômica Internacional (UAI), no entanto, decidiu manter Plutão como planeta.

Se novos achados forem feitos junto ao Cinturão Kuiper, eventualmente alterando de uma vez por todas a condição planetária de Plutão, os astrólogos terão que se virar mais uma vez para ajeitar seus complicados sistemas de referência. Mas eles já fizeram isso muitas vezes ao longo do século passado e, além disso, seus adeptos não são exigentes o bastante para se queixar de alguma improvisação, uma ‘gambiarra’, na terminologia dos profissionais que não primam pela qualidade do que fazem.

Relacionado ao Cinturão Kuiper está uma longa e interessante história ligada ao jornalismo e, por extensão, à compreensão que um leitor médio, um profissional liberal, um estudante ou uma dona de casa mais arejada têm do cantinho em que nos aninhamos num dos braços da Via Láctea, o Sistema Solar.

O Cinturão Kuiper, ou Anel de Kuiper, como também é conhecido, foi proposto pelo astrônomo norte-americano de origem holandesa Gerard Kuiper no início da década de 50. Seria literalmente uma área de entulho, de material que sobrou da construção do Sistema Solar, há 5 bilhões de anos.

Os ‘milhões de planetas’ do JN

Em setembro de 1992 os astrônomos David Jewitt e Jane Luu (Jane uma vietnamita naturalizada norte-americana) encontraram o primeiro objeto nessa região com aproximadamente 500 quilômetros de diâmetro. Em março de 1993 um segundo objeto foi localizado.

Para o astrônomo norte-americano Scott Tremaine, o Cinturão Kuiper seria o berçário de cometas (asteróides recobertos por camadas de água congelada, gases e poeira) de período curto.

Já os cometas de período longo, ou que atravessam uma única vez as proximidades do Sol, teriam origem nas Nuvens Oort, uma segunda faixa de entulho em forma de anel a uma distância em torno de 1,5 ano-luz do Sol, ou seja, a meio caminho entre o sistema triplo de Alfa de Centauro, o grupo estelar mais próximo do Sol, a aproximadamente 4,5 anos-luz.

No fim da década passada, quando novos objetos foram encontrados no Cinturão Kuiper, o Jornal Nacional noticiou solenemente que ‘o Sistema Solar tem milhões de planetas’. Muita gente que se lembrava de ter aprendido na escola que o Sistema Solar abriga nove planetas deve ter se sentido completamente superada.

A ação de Nêmesis

Uma das explicações possíveis para a ‘barriga’ do JN é que asteróides são chamados de ‘planetóides’ em espanhol. Como parte do noticiário das agências internacionais chega nessa língua, a confusão é quase inevitável.

Mas os achados no Cinturão Kuiper também ocultam o chamado Décimo Planeta, Planeta X, ou Planeta Éxis (referente a Planeta X em espanhol e também motivo de enorme confusão na mídia).

Esse mundo tem sido procurado em vão entre as estrelas, e naves enviadas a planetas externos (em direção às bordas do Sistema Solar) foram usadas como sondas gravitacionais para a eventual detecção desse planeta. Ele nunca foi encontrado e, ao que tudo indica, se existir algum mundo mais significativo, do ponto de vista de diâmetro de seu corpo, deve estar camuflado no Cinturão Kuiper.

A existência possível de um décimo planeta no Sistema Solar de alguma forma está relacionada a Nêmesis, a Estrela da Morte, uma possível companheira escura do Sol também não identificada até agora.

A existência de Nêmesis foi proposta pelos astrônomos norte-americanos Marc Davis e Richard Muller, da Universidade da Califórnia, a partir de estudos de um outro astrônomo, J.G. Hills, para quem a passagem de Nêmesis pela Nuvem Oort provocaria um bombardeio de cometas em direção ao interior do Sistema Solar, tendo como alvo possível a Terra. A face perfurada da Lua e crateras formadas por bólidos espaciais na Terra mesmo evidenciam que esse bombardeio já foi mais pesado no passado do Sistema Solar.

De alguma forma deveríamos nossa presença na Terra à ação de Nêmesis. A Estrela da Morte (Nêmesis é uma das filhas de Júpiter e representa a vingança dos deuses pela insolência e desobediência humana) poderia ter despachado o asteróide que se chocou com a Terra no Cretáceo, há 65 milhões de anos, eliminou os dinossauros e assim abriu espaço para nossos antepassados mamíferos se desenvolverem.

Belo espetáculo

Nêmesis, de acordo com Davis-Muller, giraria em torno do Sol numa órbita acentuadamente elíptica afastando-se até 13,5 milhões de quilômetros, ou seja, um terço da distância do sistema Alfa do Centauro, num período de 25 milhões de anos. Na aproximação máxima do Sol, Nêmesis chegaria a 8 trilhões de quilômetros, entre o Cinturão Kuiper e a Nuvem Oort.

Nêmesis pode ser tão real como o Sol, ou tão ilusória quanto o sonho de um Pierrô. A ciência, neste caso a astronomia, mesmo fazendo uso da observação como forma de estabelecer uma correspondência com a teoria, não está livre do erro, ao contrário do que considera uma visão estereotipada.

Na verdade, o ‘erro’ tem um papel imprescindível no mundo. De falhas na divisão celular podem surgir oportunidades novas, de acordo com a seleção natural. O que não significa que erros possam ou devam ser subestimados, o que levaria ao caos sistemas que vão do trânsito urbano às rotas aéreas.

A propósito, em relação ao meu penúltimo texto, envolvendo as luas de Marte, fiz uma afirmação criticada por um leitor (com o pseudônimo sugestivo de Maia Flexor) sobre massa de satélites em torno de um planeta. Minha intenção era dizer que uma lua de grande massa certamente não estaria muito próxima de Marte. Da forma que escrevi, no entanto, dá espaço à dúvida, o que significa que ele tem toda razão em sua observação.

Quanto ao décimo planeta e a Nêmesis, a Estrela da Morte, fica a sugestão de que possam ser tema de uma escola no ano que vem. Nêmesis, particularmente, tem tudo para ser um belo espetáculo. Tanto narrativo como visual.