Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Certas revistas, certos conselhos

De novo o bombardeio de psicólogos pela imprensa. Há um ano, fiquei estarrecida com a publicação de uma série de artigos bastante negativos a um grupo de profissionais que pouco costuma chamar atenção: os psicólogos. Na ocasião, cheguei a mandar uma carta a este Observatório [remissão abaixo].

Daqueles artigos, chamaram minha atenção os publicados pela Isto É, em outubro de 2003. Matérias aparentemente sérias e preocupadas com a ciência que serviram não apenas para desinformar, mas para dar munição a inúmeros processos movidos por pessoas descontentes com resultados de processos seletivos envolvendo avaliação psicológica. Impossível não observar, dos casos sabidos, a incidência de candidatos a juiz, delegados de polícia e policiais. Será influência cultural, aquele conhecido ‘sabe com quem está falando’ contaminando todo mundo?

Aproveitando-se da exposição pública e desnecessária ao público leigo sobre os critérios de validação e revalidação de um rol de testes psicológicos, muitos dos quais postos na berlinda por uma ‘equipe especializada’ dos referidos conselhos – e com considerável alarde por parte de alguns de seus representantes –, tais descontentes passaram a invalidar todo e qualquer instrumento de avaliação psicológica e a emitir opiniões sobre um assunto que provavelmente pouco entendem. Um verdadeiro show de autoritarismo reforçado pela omissão e estrelismo de representantes dos conselhos profissionais e arrogância da revista IstoÉ, que se coloca como grande perito e juiz por meio de seus repórteres free-lance.

A invalidação do uso de testes psicológicos como um todo é o que está movendo a proponente de uma ação civil pública (uma advogada do Rio de Janeiro) junto à Procuradoria Geral da República no Distrito Federal, contra tudo o que possa representar instrumento de avaliação psicológica em forma padronizada. Esse é o teor do artigo da IstoÉ, que reproduzo abaixo.

Crise ética

Um enxame de processos poderá surgir a partir dessa desinformação (não sabemos se tal requerimento já se transformou em ação civil pública; sequer o número do documento é divulgado, o que poderia facilitar consultas via internet).

Mais danos à imagem profissional de um número significativo de pessoas que, apesar de serem obrigadas a pagar anuidade a tais entidades, pouco ou nada têm a contar em termos de defesa por parte dessas autarquias que se propõem a defender ‘a categoria’. Na realidade, estas parecem estar mais preocupadas em levantar bandeiras políticas, alimentar anseios de carreira política e manifestar apoio a coisas como a implantação do Conselho Federal de Jornalismo. Parecem coisa muito mais importantes do que a defesa contra o sucateamento que está se dando em determinados ramos da psicologia, justamente os menos afeitos à cartilha oficial e ao modelo de militância profissional defendido pelos atuais representantes.

O aparelhamento do Estado também está fazendo escola nessas autarquias. A impressão que fica é que estão se transformando, cada vez mais, em palanque político – ou trampolim. Sobra ,como massa de manobra, uma grande legião de leitores e psicólogos desavisados, à mercê da manipulação de informações. Pena que não exista um Procon para conselhos profissionais. Só prestam contas ao Tribunal de Contas.

Enfim, parece que testes psicológicos são matéria de grande impacto na população, ao menos para publicações como a IstoÉ. A meu ver, são factóides. Nunca imaginei que devessem ser tema tão recorrente na imprensa ou interessante ao público. Refletem outro tipo de ambição, que não a de informar, mas a de reforçar preconceitos. Uma parceria entre crise econômica e crise ética, que tende a ser fortalecida pela ausência de crítica, indiferença, falta de transparência e abuso de poder – incluindo o poder da imprensa.

A propósito: coisa semelhante pode acontecer com um Conselho Federal de Jornalismo. É tudo igual. Muito discurso sobre ‘ética’, pouca prática.

Reproduzo o malfadado artigo da Isto É (3/11/2004):

Procuradoria pede a suspensão da venda e do uso dos testes psicológicos no Brasil

Francisco Alves Filho

Instrumento de avaliação do comportamento de milhões de pessoas em consultórios, concursos públicos, provas de habilitação para motoristas e várias outras circunstâncias, os testes psicológicos usados no Brasil não passam por fiscalização do Ministério da Saúde. A falta de comprovação da sua eficácia, denunciada por ISTOÉ em duas reportagens, motivou a Procuradoria da República, em Brasília, a entrar na quarta-feira 27 com uma ação civil pública na Justiça Federal pedindo a suspensão da comercialização e do uso dos testes no País. A iniciativa do procurador Carlos Henrique Martins Lima teve como ponto de partida o requerimento da advogada Livia Figueiredo, do Rio de Janeiro, que quer a fiscalização do Ministério da Saúde. ‘O pedido de suspensão da comercialização é um expediente que tem o objetivo final de levar o Ministério da Saúde a fazer a avaliação dos testes, como determina a lei’, explica o procurador.

A falta de fiscalização preocupa o Conselho Federal de Psicologia (CFP), que no ano passado instituiu uma comissão para fazer uma avaliação. Dos 103 testes que circulam no mercado, apenas 48 tiveram parecer favorável do CFP. Mas para a advogada Livia Figueiredo, o papel de fiscal não cabe ao conselho. ‘É uma questão de saúde pública’, afirma. Na ação, o procurador cita trechos da primeira reportagem de ISTOÉ, publicada em setembro de 2002, e uma declaração do Ministério da Saúde que comprova a falta de fiscalização dos testes. Segundo o procurador, a resolução federal 196/96 – que dita as diretrizes de pesquisas com seres humanos – estabelece que a fiscalização do Ministério ‘abrange pesquisas na área da psicologia’ e ‘validação de testes psicológicos que ainda não tenham comprovação científica’. A ação também pede que o conselho se abstenha de fazer avaliação e validação dos testes, já que essa tarefa, no entender do procurador, não é de sua competência.

ISTOÉ denunciou a falta de comprovação dos testes psicológicos usados no País em duas reportagens. A primeira foi publicada em setembro de 2002 e a segunda, que revelou o resultado da avaliação feita pelo CFP, saiu em novembro de 2003

******

Psicóloga