Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ciência com arte

Há alguns dias, dois professores da USP deram aos jornalistas que pretendem divulgar a ciência, e aos outros também, dicas superinteressantes. Um mês antes de morrer, o sociólogo Octavio Ianni mostrou aos alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas como é importante o estudo da literatura e das artes, primeiro como fatores de entrelaçamento do ensino das ciências, cada vez mais fragmentado em especialidades; depois, como a poesia, a arte e a técnica de bem escrever e se expressar torna os secos conhecimentos das áreas exatas mais palatáveis ao público em geral.

Dias depois, no programa Provocações, da TV Cultura de São Paulo, o biólogo Paulo Vanzolini, que não sem razão é também um dos melhores compositores de sambas do Brasil, chorou de derramar lágrimas pelo rosto ao citar alguns versos de Olavo Bilac, que, ao lado de Machado de Assis, é o seu autor nacional preferido. Onde está a lição de ambos? A meu ver, está em que ao divulgador da ciência não basta entender o assunto sobre o qual escreve, muitas vezes teorias, cálculos e conceitos muito especializados; é necessário que ponha no seu texto aquele grão de sal que tempera a notícia e dá ao leitor a sensação de estar sendo servido em restaurante de quatro estrelas, não em boteco de esquina.

Os próprios cientistas sabem disso e alguns se destacam também como divulgadores do saber próprio e alheio, conseguindo conquistar a atenção do leitor ao misturar ciência, literatura e arte. Eis um trecho da aula do professor Ianni: ‘São notáveis os textos científicos nos quais está presente a elaboração literária, compreendendo figuras de linguagem, entonação, ritmo, revelações inesperadas, promessas de novos descobrimentos, compreendendo inclusive a dramatização do que se diz e do modo de dizer, de tal forma que o leitor pode maravilhar-se do que lê. Algo que é freqüente e indispensável na obra literária, romance, drama ou poesia, pode estar presente na obra científica ou filosófica’.

Aprender a ouvir

Se isso vale para a obra maior, para o livro, vale mais ainda para a reportagem de jornal ou revista, para a linguagem concisa do rádio, da TV ou de agência de notícias.

A meu ver, é disparate um jornalista pretender se especializar em todas as Áreas da ciência para bem cobri-las, mesmo porque as especialidades se multiplicam dentro das especialidades, cada qual com jargões próprios, que precisam ser interpretados em linguagem dos simples mortais.

E como fazer isso? Certamente conversando muito com os cientistas, até ter a certeza de que se entendeu o mistério nascido em laboratórios ou no cérebro dos pesquisadores. Entendido o assunto, entra a tarefa mais difícil, a de transpor a notícia científica para o falar comum. Em vez pretender dominar o mundo multifacetado da ciência, melhor faria o divulgador se aprendesse a ouvir os cientistas e a sentir a emoção e a beleza da poesia que pulsam eles e nas suas descobertas. Por isso emocionou-se Octavio Ianni à véspera da morte, e chorou em público Paulo Vanzolini.

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Da redação do Jornal da USP