Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Extinção do comodismo, e não das araucárias

Dirijo-me a todas e a todos que têm acesso a esse importante espaço de divulgação de idéias. Atualmente, ocupo o cargo de superintendente do Ibama no estado do Paraná. Freqüentemente acesso o Observatório da Imprensa e, nessa manhã do dia 9 de fevereiro de 2005, me deparei com o artigo do jornalista Júlio Ottoboni [‘O preço do comodismo – Araucárias e jornalismo em extinção’ (ver remissão abaixo)]. À medida que eu o lia, sentia um misto de emoção e euforia. Emoção porque penso ser incongruente para a humanidade e, principalmente, para nós, brasileiros e brasileiras que, ao mesmo tempo em que se assiste o homem a dar seus passos no Planeta Marte, também se assiste à anunciada extinção de um ecossistema (o da Floresta com Araucária ou Floresta Ombrófila Mista), pertencente ao bioma Mata Atlântica. Será que a Terra já não é mais viável e, por isso, se aventura pelo universo? Ou será, que mesmo possuindo bons olhos, não conseguimos enxergar o risco que provocamos e que corremos? O pior é que, nessa esteira, se vão as florestas, os animais, os insetos, como também todos os seus sistemas associados, enfim, toda uma biodiversidade de importante ecossistema, que se apresenta como reservatório de conhecimento inexplorado.

No caso da Floresta com Araucária, além da própria Araucaria angustifolia ela abriga outras espécies da flora nativa brasileira, como a imbuia, diversos tipos de canelas, pitangueiras, guabirobas, entre outras. A extinção, como se observa, não é só da araucária, mas também das demais espécies que compõem a Floresta Ombrófila Mista.

Também é uma região de cultura singular referente à colonização do Sul do país. Nela estão a maior parte dos chamados ‘faxinais’, sistemas coletivos de produção trazidos pelos ucranianos no final do século 19, que combinam o cultivo agrícola em lotes individuais com a criação comunitária de animais em ambientes que mantiveram de modo muito peculiar a floresta com araucárias.

Luz vermelha

O Ibama no Paraná fez um levantamento e concluiu que mais de 375 espécies da fauna silvestre brasileira têm na Floresta com Araucária o seu espaço para procriar, alimentar e descansar (são 256 espécies de aves, 61 de mamíferos e 58 de répteis e anfíbios). Disso resulta que, em se extinguindo a floresta, fatalmente serão levados à extinção também os animais que dela necessitam para a sobrevivência. Os animais, inclusive os insetos, na floresta são muito importantes, pois muitos deles são dispersores e plantadores de sementes, bem como controladores das espécies da flora, impedindo que uma domine toda a floresta.

Acho melhor parar por aqui e me dedicar um pouco a esclarecer o porquê da minha euforia, já que tratar da Floresta com Araucária, por si só, traz uma carga emocional muito forte, ante a sua majestade e singularidade.

Esta breve descrição sobre a Floresta com Araucária, principalmente no estado do Paraná, nos mostra claramente que uma luz vermelha foi acionada (não se trata mais da luz amarela, e sim da vermelha!!!). Não há mais espaço para neutralidade quando o assunto é a Floresta com Araucária. Ou se toma firme posição, com novas atitudes, ou se fica esperando o último suspiro desse ecossistema. Estas atitudes não são somente dos órgãos ambientais (federal, no caso o Ibama e estadual, no caso o IAP), são também de toda a sociedade.

Floresta em pé

Neste cenário, uma importante medida e que merece destaque foi a criação de um espaço de discussão em que as forças vivas da sociedade civil pudessem interagir com os órgãos ambientais federal e estadual para, num esforço conjunto, tratarem de assuntos relacionados à Floresta Ombrófila Mista. Destacam-se ações e medidas para sua proteção, conservação e recuperação, incluindo a uniformização de procedimentos, a atuação de Agentes Ambientais Voluntários e promoção de um amplo processo de educação ambiental, no âmbito do estado do Paraná.

Os trabalhos desta Câmara Técnica, que foi criada pela Portaria Conjunta Ibama/IAP, de nº 023/2004, de 23 de setembro de 2004, já são sentidos pelos órgãos e entidades que a compõem. Foram criados grupos de trabalho para uniformização de procedimentos entre o Ibama e o IAP no que se refere à fiscalização, ao controle e às autorizações para reaproveitamento de madeiras da Floresta com Araucária; implementação e capacitação dos Agentes Ambientais Voluntários que auxiliarão os órgãos ambientais no processo de educação ambiental e na tarefa do cuidado com a Floresta. Além disso, está prevista a criação do Centro Avançado de Monitoramento das Araucárias, que contempla um Laboratório de Geoprocessamento, que deverá estar instalado ainda neste primeiro semestre. Com este laboratório, espera-se que as imagens processadas por satélites sejam um forte aliado na missão de fiscalização que se pretende preventiva, e não mais repressiva, ou seja, interessa é a floresta em pé, e não no chão.

Por fim, outra medida de grande alcance foi a deliberação da Câmara Técnica em estabelecer uma meta de recuperação da Floresta com Araucária: até 2015 pretende-se que a floresta tenha 30% de sua cobertura originária, que hoje está abaixo de 1%. Atingir essa meta é plenamente possível e as ações para isso já estão em curso. Por exemplo, o Ibama no Paraná possui três Florestas Nacionais – de Irati, de Açungui e de Piraí do Sul. Estas não serão mais serão exploradas com fins econômicos, mas passarão a servir de bancos de germoplasmas (de sementes), já que possuem remanescentes de araucárias, em algumas delas, em seu estágio natural (nativo). A partir das Florestas Nacionais poderão ser constituídos os corredores ecológicos ou de biodiversidade, ligando outros remanescentes. Também, é consenso o incentivo à criação de Reservas Particulares do Patrimônio Naturais – RPPNs.

Luta de todos e todas

Estancando o desmatamento ilegal com uma eficaz fiscalização preventiva, avançada tecnologia de monitoramento e forte processo de educação ambiental com a participação da sociedade civil organizada e desenvolvendo formas de preservar os atuais remanescentes e ampliar as áreas com a formação de novas unidades de conservação, corredores ecológicos e recuperação de áreas de preservação permanente, é possível salvar esse importante ecossistema. Não é utopia, é realidade.

Até hoje sentia que efetivamente essa luta não estava sendo bem recebida pela imprensa, embora vários fatos tivessem sido gerados. A verdade é que não houve uma boa repercussão na mídia em geral. Até hoje eu me perguntava: será que não se tem a correta noção da importância em se manter um ecossistema, de não permitir que ele se extinga? Será que salvar uma floresta ameaçada ou mesmo as espécies de animais e de outros elementos de sua biodiversidade não tem importância no contexto socioeconômico do país?

Felizmente, o enfático artigo do jornalista Júlio Ottoboni foi capaz de nos encher de esperança (e, talvez, aqui resida a minha euforia), na certeza de que os veículos de comunicação comprometidos com a causa da humanidade haverão de se sensibilizar por esta luta que, volto a frisar, pertence a todos e a todas, e não somente ao poder público.

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Superintendente do Ibama no estado do Paraná; advogado, professor e mestre em Direito Civil com ênfase em Direito Ambiental