Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ora, vá fazer ciência…

Bons anos atrás, um dos mais brilhantes jornalistas científicos gerados neste país, Ulisses Capozzoli, escutou a frase, uma frase emblemática, numa pequena rusga com outro profissional do jornal em que trabalhávamos. Era noite alta na redação do Estado de S.Paulo quanto lhe mandaram em tom de ofensa um ‘vá fazer ciência!’.

Aqueles eram tempos de Pimenta Neves como diretor de redação, período repleto de inseguranças, desmandos e uma orfandade dilacerante do senso de justiça e de amparo transmitidos pelo dr. Júlio Mesquita. Contudo, vejo hoje que a tentativa de desmerecer a prática jornalística voltada à ciência se tornou, com certeza, num dos melhores conselhos surgidos no então vetusto jornalão.

No meio deste cenário deprimente, Capozzoli seguiu outro rumo profissional e abriu um espetacular caminho para a informação científica desaguar de vez no oceano de notícias que chegam diariamente aos jornais e milhares de leitores. Apesar do título de doutorado, nunca foi um mero teórico. Muito pelo contrário, construiu seu prestígio nas redações e tornou-se uma das grandes referências no meio. De seu currículo excepcional constam diversos cargos, inclusive de primeiro editor-chefe da Scientific American Brasil, a presidência da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, e agora encara um novo desafio para a carreira: capitanear a edição nacional da revista Astronomy, uma das mais importantes publicações do gênero em todo mundo.

Embora tenha narrado aqui um pequeno trecho da trajetória deste colega e amigo, o objetivo é mostrar o salto quantitativo e qualitativo que a divulgação do conhecimento científico obteve na aproximação dos veículos jornalísticos. Algo que há 20 ou 15 anos era impensável, pois havia uma rejeição de ambas as partes. Os cientistas reticentes a falar com um leigo e os jornalistas fugindo dos discursos tecnicistas e maçantes. Mas repórteres como Ulisses e tantos outros mudaram definitivamente esse quadro.

Veículos consagrados

Numa rápida busca na internet, vi que os cursos de pós-graduação em Jornalismo Científico pipocam nas universidades. O material produzido nas grandes instituições acadêmicas, como a USP, a Unicamp, a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) entre outros têm seus boletins jornalísticos de divulgação das atividades. Todos com material de excelente qualidade e compreensão.

Surge aí uma nova safra de publicações eletrônicas, atualmente fontes de consulta de alta fidelidade e independentes, como os sites Ambiente Brasil, Amazônia, Portal do Astrônomo, Biotec AHG, O Eco, entre uma infinidade de sites interessantíssimos que trazem como veículo híbrido a interação harmoniosa entre jornalista e cientista. Não há como reclamar de falta de acesso tanto a informação, noticiário e artigos dos mais variados gêneros e graus de profundidade.

Vale também lembrar de veículos consagrados como o Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o boletim e as videopalestras do Instituto de Estudos Avançados da USP, as revistas Ciência Hoje, Cultura e Ciência, Superinteressante, Horizonte Geográfico, Terra, entre diversos títulos que atualmente introduziram a informação científica em reportagens sobre as mais diversas temáticas.

Fim dos guetos

Evidente que as publicações especializadas foram o grande embrião deste processo, à medida que democratizavam a informação contida nos nichos herméticos de empresas e centros de pesquisa. Principalmente a partir do momento em que o grande público pôde ter acesso a esses títulos e reagiu de maneira positiva ao que encontrava.

Como ignorar a importância de uma National Geographic ou mesmo do canal de TV por assinatura Discovery neste processo de democratização do conhecimento exclusivo a academia? E a importância das rádios, que inseriram debates e programas sobre questões de ordem ambiental e tecnológica? Essa onda pegou em cheio as assessorias de imprensa, atualmente muito mais preocupadas em abastecer a imprensa leiga sobre as ações de suas empresas e entidades voltadas à responsabilidade socioambiental.

Erros sempre existirão e isto é inerente a qualquer processo humano. O jornalismo não é exceção, principalmente o voltado à ciência. As falhas vão continuar, assim como os acertos, as críticas e os aplausos. Mas a imensa contribuição do jornalismo na ruptura da clausura, dos guetos científicos e a popularização deste conhecimento mostra que vale, às vezes, mesmo que de maneira jocosa, escutar o ‘vá fazer ciência’.

******

Jornalista pós-graduado em jornalismo científico