Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Pauta para o jornalismo científico

Começa em novembro mais uma edição do horário de verão e uma nova busca pela economia de 1% a 3% da energia elétrica utilizada neste período. Novidade? Nenhuma. Principalmente no tratamento dado pela imprensa ao tema nos últimos anos. Se a fórmula for repetida, mais uma vez se verão os comentários de especialistas explicando os motivos desta ação, alguém reclamando, outro criticando a falta de investimentos no setor e o governo federal dando suas antigas justificativas.

Nos próximos meses, basta a situação deixar de ocorrer como esperada para que uma legião de técnicos e políticos apontem os responsáveis: a falta de chuvas, o baixo nível dos reservatórios, a ausência de políticas eficazes para o setor e no uso de fontes alternativas de energia. Já os ambientalistas mais estridentes vão berrar que tudo é provocado pela degradação global e retornarão, então, as propostas de racionamento, de multas e corte no fornecimento.

Mas há como se buscar soluções para isso? É neste contexto que entra a prática do jornalismo científico. Em vez de editores e repórteres ficarem vasculhando as artérias de antigas idéias e conceitos, deveriam compreender que o mundo vai muito além da tão surrada agenda de fontes. E não se pode retratar algo desta complexidade optando por uma abordagem cíclica e sistematizada na ignorância de novos horizontes.

As universidades e os institutos que realmente levam a pesquisa científica a sério são ótimos pontos de partida para uma nova e ampla abordagem do caso. Também cabe a essas instituições que procurem pela imprensa e entrem de vez na discussão. Para isso existem as assessorias de imprensa nesses órgãos, que precisam ter postura mais ativa com seus colegas do jornalismo diário. Pois os assessores têm, neste momento, uma posição estratégica quanto à informação – se o pesquisador relutar em sair de sua concha.

A função é informar

Enquanto os tecnocratas do governo festejam antecipadamente a economia de eletricidade, o céu brasileiro deixou faz muito tempo de ser iluminado apenas pelas estrelas. Outras luzes, agora, fazem parte deste cenário. O Brasil desperdiça diariamente cerca de 40% de toda a energia utilizada na iluminação pública. O que deveria estar apontado para o solo é voltado para o espaço, criando assim a poluição luminosa.

Essa nova forma poluente é detectada facilmente. A maneira mais prática é observar uma cidade a distância. Neste cenário se verá um imenso bolsão de luz pairando acima do horizonte urbano. O problema consiste, basicamente, em erros nos projetos de luminárias e na instalação dos pontos de luz.

O quadro é ainda mais dramático quando se tem a oportunidade de observar esse fenômeno de uma imagem noturna de satélite. Nela, o macro-eixo Rio-São Paulo (a região de maior desenvolvimento técnico-científico do país e de um significativo volume de pautas da grande imprensa) detém a maior poluição luminosa do hemisfério sul do planeta.

Evidentemente que a poluição luminosa está longe de ser algo proposital ou alinhado a alguma teoria da conspiração – apesar da experiência profissional mostrar que nunca se deve descartar a negligência dos órgãos responsáveis pelo setor. Só que cabe à prática de um jornalismo crítico a função de informar, esclarecer e auxiliar na constituição de novas opiniões, principalmente da sociedade, e por conseqüência cobrar das autoridades no sentido de minimizar ou sanar esse problema.

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Jornalista pós-graduado em jornalismo científico