Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Pesquisa séria acaba em mística

Sou jornalista e publiquei um guia de alimentação infantil – com dicas para crianças especiais – completamente baseado em pesquisas científicas que comprovam as inúmeras qualidades dos alimentos na prevenção e (por que não?) cura de sintomas de algumas doenças.

Minha filha, uma criança especial, é a prova, como diremos, o conteúdo empírico da minha experiência com os alimentos, e comprovação do que foi pesquisado pelos cientistas não só do Brasil como do mundo. Ela nasceu sob os maus augúrios médicos, com chances (segundo eles) de sequer sobreviver ao parto, depois do que viveria um mês, depois um ano, depois desistiram, pois ela está muito bem, agora com 7 anos.

Meu livro é uma tentativa de abrir a consciência da sociedade para questões de saúde pública. Muitos dos problemas de saúde estão ligados ao que ingerimos, claro, e nessa lista inclua-se também poluição, água contaminada, aditivos químicos, transgênicos, conversa fiada etc. Não há nada de místico no meu livro. Me disseram: seu amor a curou… tá. Isso também, mas foi amor com respeito e pesquisa, estudo, confiança na ciência, não apenas a ciência-padrão, mas a ciência mais profunda.

Tenho notado a extrema dificuldade dos editores em tratar do meu guia e o que ocorreu com minha filha. O fato de ela estar viva transformou meu livro numa espécie de manual do curandeiro, porque a falta de especialização dos jornalistas sobre tudo o que se refere à ciência (com saúde, meio ambiente etc.) beira o analfabetismo.

Nas poucas matérias saíram chamadas do tipo ‘curei minha filha com canja de galinha’, ‘mãe cura filha’ etc. Tudo babaquice. Reduziram todo o meu trabalho de anos a porcaria. Deram à vida da minha filha lugar irrisório, ao lado de temas idiotas como suco de clorofila ou dieta da luz. Virei mística sem ser. Não há nada de metafísica no que consegui com a pequena. É pura ciência, desprezada pelos ‘donos da verdade’ que editam jornais e revistas.

Vejo nessa postura extrema falta de respeito com a produção científica de todo vulto, pois se não for sensacionalismo não vende.

Minha idéia ao publicar o livro era, e ainda é, mostrar à sociedade, aos pais, que eles devem ser mais responsáveis por seus filhos, pois, em direção inversa, as indústrias vêm adoecendo crianças e adultos com seus produtos tão bem-embalados. Claro, não sou contra a industrialização, e nem prego o vegetarianismo. Falo de algo mais abrangente. Do alto nível de obesidade nas sociedades contemporâneas, no aumento das alergias respiratórias, no crescente número de crianças que nascem ou são afligidas precocemente por doenças que poderiam ser evitadas de maneiras simples, bastando a consciência de quem as cuida.

Nos EUA, uma jornalista como eu lançou um livro sobre alimentos e saúde. Virou best seller. Não sei como as coisas são por lá, mas deram a ela ao menos respeito por seu trabalho de pesquisa sobre alimentos. Aqui, a ignorância rotula pelo preconceito. Dificulta o progresso e atrasa a evolução de toda uma sociedade.

Um exemplo? Desde a década de setenta que os americanos discutem a alergia ao leite, de que trato no meu livro, e demonstro ser a causa de variados problemas, inclusive pneumonias, asma, refluxos e alergias. Pesquisas mundiais comprovam isso. No Brasil, alguns ‘ouviram falar’, os pediatras poucos sabem a respeito, o que empurra milhões de mães e pais para a ignorância prejudicial à saúde de sua família e a seu bolso. Pois é. Isso também é uma questão de economia e política.

A ignorância (dos jornalistas) leva toda a sociedade a uma bagunça estrutural difícil de ser monitorada. Como romper com um dos maiores investidores na formação de nutricionistas e pediatras, como as indústrias de leite? Eles aprendem na faculdade a ser agenciadores e divulgadores dos produtos das empresas. Dane-se a saúde pública. Dane-se minha filha, uma desconhecida.

Danem-se todos os brasileiros! Temos congressos, seminários, viagens, chances de emprego, ascensão social. Se milhões de crianças transformam refluxo em doenças como pneumonia etc. não importa. A vida continua, e ainda há outros milhões que sobrevivem a tudo isso. Por isso, o preconceito molda o pensamento em várias instâncias, afastando maiores chances de abertura da consciência.

Esse mesmo preconceito que inibe o conhecimento de ser ampliado e revisto. O establishment decretou, na Idade Média, a loucura de Galileu, e hoje decreta a insanidade e a ‘ignorância’ de quem tenta pensar ciência de uma forma mais real, cotidiana e prática. No entanto, ela se move!

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(*) Jornalista