Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Nas garras da paixão

Um jornalista, falando sobre um dos maiores cartunistas brasileiros, protesta contra as charges que fez sobre os condenados do mensalão. Até aí, tudo bem; certo ou errado, é questão de opinião. Mas derrapa feio quando parte para a ameaça: o desenhista, pelo crime de fazer os cartuns que o jornalista não apreciou, pode até ser vítima de esculachos – ou seja, um grupo de cafajestes iria até sua casa, ameaçá-lo e à sua família, pichar as paredes, bloquear as passagens, gritar slogans e, quem sabe?, eventualmente até quebrar lixeiras e botar fogo no lixo.

Outro jornalista, irritado com a arbitragem do jogo do Grêmio contra a Portuguesa, pede que alguém espione eventuais telefonemas do presidente gremista para a Comissão de Arbitragem da CBF. Tem alguma evidência, alguma suspeita? O pedido seria estúpido de qualquer forma, mas pelo menos neste caso poderia ser substituído por uma pauta de reportagem – o que, aliás, seria uma excelente ideia para um repórter. Mas não havia nada: era só esperneio de perdedor inconformado.

Um terceiro jornalista, irritado com o desempenho do técnico Muricy Ramalho na época em que dirigiu o time de seu coração, o Palmeiras, torce contra ele, agora que foi contratado pelo São Paulo. OK, faz parte. Mas vejamos o que escreveu no Twitter (para o público em geral, pois): “Meu sonho é ver o SPFC cair e o Muricy ter um AVC no mesmo dia… E morrer”.

Outro repórter torcedor da Portuguesa insulta os gaúchos em geral, por causa da partida de seu time contra o Grêmio. E põe no Twitter, para ampla difusão, aquele tipo de comentário que é ótimo em mesa de bar, quando alguns poucos amigos se juntam para jogar conversa fora e falar bobagem sem compromisso.

Tem mais? Tem mais. Um colunista, considerando-se pessoalmente vitorioso com a nova posição das Organizações Globo, que disseram ter sido um erro seu apoio ao movimento militar de 1964, passou a exigir a demissão de alguns de seus principais jornalistas.

Esse tipo de atitude é tomado por pessoas violentas, antissociais, imbecis? Não: é gente que parece absolutamente normal, mas que, tomada por paixões clubísticas ou político-partidárias, enlouquece e vira macartista – só para lembrar, na década de 1950 o senador americano Joseph McCarthy encabeçou amplo movimento nos Estados Unidos para identificar, marginalizar e punir comunistas (ou cidadãos que ele considerasse comunistas).

A maior parte do radicalismo político-partidário-ideológico se manifesta por redes sociais; há quem diga que o jornalista, quando opina por esses meios, não o faz como jornalista, mas como cidadão. O argumento é tão idiota quanto as teses que defendem: jornalista é jornalista o tempo todo, e por ser jornalista jamais deixa de ser cidadão.

Enfim, como dizia Pitigrilli, toda pessoa, sem exceção, tem seus cinco minutos diários de imbecilidade. A diferença entre as pessoas brilhantes e as demais é que, em seus minutos de imbecilidade, os brilhantes ficam quietos.

Hoje, há gente que com certeza desfruta de mais de cinco minutos diários de imbecilidade. E nesse período, em vez de ficar quieta, proclama-se imbecil, ruidosamente, utilizando para isso todos os meios tecnológicos disponíveis. Não haveria problema se não prejudicasse ninguém com este jorro contínuo de cretinice; mas prejudica e pode causar problemas (como, por exemplo, a incitação a “esculachar” o desenhista que pensa diferente). E jornalismo, convenhamos, é uma atividade coletiva. Como será possível trabalhar junto de uma pessoa que ele mesmo denunciou, cujo emprego tentou tirar, cuja reputação tentou destruir?

 

Os rejeitados

As coisas estão piorando: antigamente, quem batia nos jornalistas era a turma da repressão – da polícia, das forças armadas, das seguranças particulares. Agora, quem bate nos jornalistas é todo mundo: policiais, manifestantes e até a Mídia Ninja. Nas manifestações do 7 de setembro (fraquinhas, reduzidíssimas), 20 jornalistas foram agredidos, segundo dados da Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Em 18 dos casos, a agressora foi a polícia; em três, manifestantes (a soma é maior do que 20 porque o repórter Júlio Molica, da Globonews, foi agredido pela polícia, que lhe jogou spray de pimenta, e pela turma da Mídia Ninja, que já o vinha ameaçando por querer fazer reportagem sem pedir licença a ela).

Houve casos notáveis: o repórter fotográfico Ricardo Marques, agredido pela polícia no Rio, desmaiou (e manifestantes aproveitaram a oportunidade para furtar-lhe a câmera). Em Manaus, manifestantes agrediram duas mulheres: as repórteres Izinha Toscano, com socos nas costas, e Camila Henriques, violentamente empurrada. Ambas cometeram o mesmo crime de Molica: registrar os fatos.

Que o pessoal uniformizado não gosta de jornalista é fato antigo; o curioso é que os manifestantes, para quem a presença de repórteres deveria ser importante (evita que seus direitos sejam violados sem que ninguém registre o fato) também tenham aderido. Este colunista acredita que dois fatos simultâneos tenham contribuído para isso: primeiro, a campanha de grupos partidários contra a imprensa; segundo, a vontade dos manifestantes de enfrentar a polícia sem testemunhas. O que, a propósito, sempre foi também a vontade do pessoal da repressão: que os deixem agir sem imprensa, sem pessoas neutras que possam registrar eventuais abusos.

O fato é que está ficando difícil trabalhar. Mesmo assim, uma coisa continua sendo clara: a principal fonte de informações (que alimenta a indignação dos manifestantes) é a grande imprensa.

 

Boa notícia – 1

O repórter paranaense Mauri König, da Gazeta do Povo, de Curitiba, acaba de receber o prêmio Maria Moors Cabot, concedido pela Universidade Columbia (EUA). É um prêmio pelo conjunto da obra, em 23 anos de carreira. König já foi sequestrado e espancado no Paraguai, há poucos anos, ao investigar o recrutamento ilegal de adolescentes para o serviço militar; e precisou desaparecer no fim do ano passado, ameaçado de morte, depois da série de reportagens “Polícia Fora da Lei”.

 

Boa notícia – 2

O escritor Alexandru Solomon, assíduo leitor desta coluna, acaba de receber o primeiro prêmio do júri de Poesia, Prova e Arti Figurative da Academia Il Convivio, de Messina, Itália, com seu livro A luta continua. Solomon, romeno de nascimento, brasileiro que só deixa o país a passeio, ganhou o título de melhor autor estrangeiro. O prêmio será entregue no dia 23 de outubro; o livro, devidamente traduzido, será publicado na antologia de melhores da Academia.

 

Como…

Frase do secretário de um conselho de defesa de direitos de pessoas com problemas:

** “Se os gestores trabalharem dentro de uma meta de transversalidade multissetorial, de acordo com a situação e as condições dos locais onde vivem essas pessoas (…)”

A frase deve ter algum sentido, esse colunista imagina.

 

…é…

Do portal informativo de um grande jornal, notícia postada às 19h34 de segunda-feira (9/9):

** “No final da noite desta segunda-feira, o São Paulo emitiu nota oficial (…)”

Eta, bola de cristal! No início da noite previu o que viria no final da noite. Pena que o corretor não esteja tão calibrado quanto o previsor: “(…) o clube exaltou o trabalho do profissional demitido e o agradeceu pelo trabalho (…)”

Deve ser trabalhoso evitar a repetição da palavra “trabalho” a cada instante. E mais trabalhoso ainda lembrar a regência verbal. “O agradeceu” é duro: o “lhe” foi abolido, exceto para uso quando não estiver correto?

 

…mesmo?

Na TV, sobre um prédio que desabou em São Paulo e soterrou algumas pessoas:

** “Dos dez internados, todos tiveram alta. Menos dois”.

 

Pois é assim!

De um anúncio (inacreditável, por sinal; trata-se de um conjunto de soldadinhos e armas com símbolos nazistas, para crianças ou colecionadores) de um portal de compras – mantida a grafia original:

** “Cinco bonecos, armas e vários assessórios, como (…) duas pistolas, duas metralhadoras, três granadas, uma maleta e um lança míssel”.

Pois é: um dos “assessórios” é um “lança míssel”.

 

Frases

>> Do jornalista Fred Navarro: “Zé Dirceu recorrerá às ‘cortes internacionais’ após o STF. Depois às do sistema solar e às da Via Láctea. Tem chão pela frente”.

>> Do jornalista Janio de Freitas, comentando a decisão da ministra Marta Suplicy de liberar a captação de recursos, pela Lei Rouanet, para um desfile de modas em Paris: “Agora não é Ministério da Cultura, é Ministério da Costura”.

>> Do blogueiro Gabriel Meissner: “Definitivamente, Ferrari não é transporte de Massa”.

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Aecio virou um Serra de piercing”.

 

As não notícias

Nem tudo o que é suposto está errado. Um brilhante leitor desta coluna, Arnaldo Mandel, mostra certas situações em que matizar a informação com o uso do futuro do pretérito (o velho condicional) ou a indicação de que pode haver outras versões é a opção correta. Cita um exemplo, de uma recente notícia num grande jornal a respeito do software da Abin – Agência Brasileira de Inteligência, que segundo a agência (e a notícia) cria áreas seguras em computador e outras plataformas. O correto, diz com toda a razão, é usar o “áreas supostamente seguras”. Assim, conclui, “a sabujice do jornalismo de press-release seria atenuada”.

Nos computadores repete-se a antiquíssima luta do escudo contra a espada: a cada espada que perfura os escudos existentes, cria-se um escudo que resista a ela (e surge uma nova espada capaz de perfurá-los). Área segura em computador existe durante algum tempo, e olhe lá; mas desenvolvê-la exige, além de gente capacitada (de que a Abin provavelmente dispõe), uma atitude de governo que privilegie conhecimento e competência. Até hoje essa atitude não apareceu.

 

E eu com isso?

Segurança absoluta só mesmo aqui: na área de entretenimento. As informações são tão oficiais que aparecem em todas as publicações concorrentes, frequentemente com textos parecidíssimos. Alguns recursos já batidos são aceitos como se fossem acontecimentos notáveis; a atriz “é surpreendida” sem calcinha, “mostra mais do que devia” em seu vestido transparente, coisas do tipo.

Nada que mude nada na vida de ninguém, enfim. Uma delícia!

** “Sem maquiagem, Anitta aparece diferente antes de dormir”

** “Gwyneth Paltrow fuma um cigarro todo sábado à noite”

** “Patrícia Poeta se exercita na orla de Leblon”

** “Angélica e Vanessa Giacomo comem pastel na feira”

** “A cabeleira de Justin Timberlake mudou ao longo dos anos”

** “Nívea Stellman organiza festinha de aniversário para o filho”

** “Após se tornar pai, Michael Bublé usa cadeado em zíper de calça”

** “Barbudo, Murilo Benício exibe barriguinha em praia no Rio”

** “Jayme Monjardim paparica a filha”

** “Alicia Keys tira fotos com fãs”

** “Drica Moraes aproveita a tarde para fazer compras”

** “Julia Roberts vai a Toronto”

 

Los gringos

Não pense que só nós, brasileiros, caprichamos nas manchetes. Nossa imprensa é inspirada na americana (e, mais recentemente, na espanhola). Nos Estados Unidos há títulos fantásticos:

** “Insetos que fazem sobrevoos com asas são insetos voadores”

** “Agentes federais invadem loja de armas e encontram armas”

** “Cura milagrosa mata o quinto paciente”

 

O grande título

Aqui no Brasil, nós também nos esforçamos.

De um grande portal:

** “Banhista aproveita os últimos dias de inverno na Praia de Ipanema”

É bom aproveitar logo, porque logo vêm a primavera e o verão e, na opinião do portal, não vai dar para ir à praia.

De outro portal importante, falando da Comissão da Verdade:

** “Extraviadas, ossadas de vítimas do Araguaia reaparecem na UnB”

Claro que, se reapareceram, não estão extraviadas. Mas a informação mais importante não aparece no título nem no texto: como é que foram parar lá?

Às vezes, encontramos títulos com oportunas advertências ao público:

** “Caminhões desgovernados são perigosos”

E há títulos rigorosamente fantásticos, imbatíveis, como este do portal noticioso de um dos maiores jornais do país:

** “Falha humana explicaria parto em homem”

E, cá entre nós, deve ser uma falha e tanto!

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação