Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mil ou milhão, tudo igual

O jornalista estuda semiótica, RAC, neurolinguística, investigative reporting. Aritmética, não: se gostasse de números, provavelmente rumaria para o campo das ciências exatas. Este colunista também não gosta de números: os únicos que conhece são os do telefone de alguém que sabe fazer os cálculos corretamente.

O problema é que, sem um pouquinho de atenção aos números, boa parte das reportagens não se sustenta. Há poucos dias, por exemplo, houve o leilão de privatização dos aeroportos de Confins, em Belo Horizonte, e Galeão, no Rio.

Confins (quem venceu foi o consórcio Aerobrasil, que uniu os administradores dos aeroportos de Munique, de Zurique e a brasileira CCR). Num grande jornal impresso, que sempre se orgulhou de suas informações precisas, saiu que o lance vencedor foi de R$ 1.820.000,00 – um milhão, oitocentos e vinte mil reais. Segue o texto: “A proposta anterior do consórcio era de R$ 1,72 bilhão”.

Zero significa nada. Portanto, três zeros à direita também não devem significar nada, motivo pelo qual um milhão, oitocentos e vinte mil reais representam quantia superior a um bilhão, setecentos e vinte milhões de reais. Deve ser isso.

Galeão (quem venceu foi o consórcio Aeroportos do Futuro, que uniu a Changi, administradora do Aeroporto de Cingapura, à Odebrecht). Um grande jornal impresso diz que o lance vitorioso foi de R$ 19.018.888.000,00 bilhões – ou seja, pouco mais de 19 bilhões de bilhões de reais. É meio muito. Vamos dar um bom desconto? Algo em torno de R$ 19,019 bilhões? Talvez seja por aí.

Enfim, como pode o consumidor de informação avaliar se o negócio foi bom ou não? Talvez pudesse, se o erro garantidamente estivesse na quantidade de zeros. E se estiver em outra parte, como é que se vai saber?

Há mais exemplos – e não são da internet, onde se convencionou, sabe-se lá por que, que dar a informação alguns segundos antes dos concorrentes é mais importante do que garantir que a informação seja correta (parte-se do princípio de que os internautas estão com vários portais na tela, medindo a cada instante quem deu primeiro a informação). Mas não é preciso jogar na tela uma montanha de números. Se não se sabe se estão corretos ou não, de que adiantam?

 

Questões de humanidade

Todo o episódio da prisão dos condenados no processo do Mensalão chegou aos meios de comunicação com um certo toque de pirotecnia: de um lado, a ordem de prisão dada apressadamente (tanto que não foi acompanhada de carta de sentença), aproveitando o simbolismo do Dia da Proclamação da República; de outro, a triste cena de condenados num processo de corrupção levantando os braços no estilo super-herói e proclamando-se presos políticos – presos políticos de um Governo que apoiam, que integraram, que nomeou os procuradores-gerais e a maior parte dos ministros que conduziram o processo, da denúncia à condenação.

Os réus condenados cansaram-se de culpar a imprensa pela condenação – a mesma imprensa que, em manchete, colocou a frase “Militantes da juventude do PT fazem vigília na Papuda”, como se lá houvesse uma multidão. Eram, esclareceu o texto, dois militantes. Juventude? Um tem 36 anos; o outro, 28.

Mas foi um show de horrores. A TV mostrando um avião da Polícia Federal parado na pista, a discussão sobre a temperatura da água do banho, Suas Excelências furando fila para visitar a prisão e atrapalhando os parentes dos presos pobres, obrigados a esperar a vez, o debate sobre a alimentação, a privada turca.

E os comentários, então? Houve ataques pesados ao ministro Joaquim Barbosa, por ter tido a ousadia de seguir suas convicções no julgamento; houve ataques pesados aos condenados, que ultrapassaram em muito o limite mais baixo admitido no relacionamento entre pessoas civilizadas. Os mesmos que acusaram a Justiça de desalmada, por mandar prender José Genoíno, que se recupera de delicada operação cardíaca, reclamam que Roberto Jefferson, que se recupera de câncer, não foi ainda mandado à prisão. Em resumo, o senso de humanidade foi substituído pela ideologia, em sua forma mais rasteira e raivosa.

Senso de humanidade não tem nada a ver com opinião a respeito da pena: por mais que uma pessoa esteja convencida de que as condenações foram justas e necessárias (ou até insuficientes), isso não é motivo para faltar ao respeito com seres humanos que já enfrentam problemas e sofrem com eles. E discordar da pena não é motivo para insultos – alguns deles até racistas – aos juízes que a decidiram. Gostemos ou não, os ministros do Supremo, por definição, estão entre as pessoas mais competentes de sua área. Foram escolhidos pelo presidente da República e aprovados pelo Senado. Pode haver erros; talvez os onze ministros do Supremo não sejam os onze melhores. Mas conhecem a profissão.

O julgamento do mensalão mostrou como pessoas aparentemente normais podem ter comportamentos estranhos, provocados pelo radicalismo ideológico. Este colunista, por exemplo, tem posições políticas muito diferentes das de José Dirceu. Não votaria em Dirceu. Mas gosta de conversar com ele, que tem convívio agradável e é articulado e inteligente. Pessoas discordantes podem perfeitamente conviver e manter bons laços de cordialidade.

Mas o mensalão mostrou um lado assustador na sociedade brasileira. Houve ameaças a Fernando Gabeira, por exemplo – além de xingamentos. O chargista Chico Caruso foi ameaçado por um antigo colega, insatisfeito com suas charges, de ser atingido por um “esculacho”. Traduzindo, manifestações malucas na porta de sua casa, incomodando família e vizinhos, tudo por discordar de suas ideias.

E ver jornalistas culpando a imprensa pelas condenações é ridículo. A imprensa pode cobrir mal, pode ter falhas, mas não inventou a história de que o parlamentar mandou a esposa retirar um monte de dinheiro no banco para pagar a conta da TV a cabo. Também não foi a imprensa que mandou pagar um pseudo-empréstimo oito anos depois de realizado, quando já se investigava que tipo de empréstimo bonzinho era aquele que não precisava ser quitado. Como não foi a imprensa que absolveu réus pelos mais diversos motivos. A imprensa fez o registro. E a mania de matar mensageiros que trazem más notícias já devia ter sido superada desde o fim da Idade Média.

 

A propósito

Ninguém vai entrevistar Sílvio Pereira? Ele fazia parte do grupo original mais noticiado do caso do mensalão. Fez acordo com o Ministério Público, aceitou trabalhos voluntários equivalentes a uma pena alternativa, livrou-se dos problemas mais sérios. Será que ele não gostaria, agora, de contar tudo o que sabe?

 

Sem noção

E um destaque especial para esses programas debochados de TV. Como ensinava o mestre Frederico Branco, tem coisa que pode, tem coisa que não pode. Humor com quem está sofrendo não pode. Fazer humor não é tripudiar. Essa história de mandar um pacote com lubrificante, cigarros, essas coisas, é fora de propósito. É inaceitável. Tão inaceitável quanto agredir repórteres que procuram informar o público, apenas porque os malucos sem-noção não gostam dos veículos nos quais eles trabalham. Nos dois casos, nem banho de água gelada esfria o calor da raiva que impede o raciocínio.

 

Mau caminho

E, caro colega, não pense que as coisas tendem a melhorar. A Secretaria de Comunicação do governo federal decidiu aumentar em 50% as já volumosas verbas que dedica à publicidade na internet. Este colunista tem posição firmada: publicidade do governo deve limitar-se a temas institucionais. Não tem sentido fazer propaganda de empresa de águas e esgotos, das maravilhas do atendimento médico, de como o ministro da Saúde que mora no Piauí ama tanto São Paulo que aparece na TV paulista discutindo educação. Propaganda de governo é para assuntos como data de vacinação, interrupção de determinados serviços, explicações sobre falhas ocorridas; ou então, no caso de empresas que enfrentam competição no mercado, elas que anunciem, sem colocar dinheiro público na parada.

Enfim, a internet, que neste ano recebeu 10% das imensas verbas publicitárias do governo federal, passa no ano que vem a 15%.

 

Variações profissionais

O mundo muda, novas especialidades profissionais passam a ser procuradas. A mais recente foi oferecida agora, pelo jornal impresso Denver Post, do Colorado: editor de maconha. A editoria cuida de temas ligados à legalização e aos novos negócios que podem se desenvolver a partir dela. Inicialmente, será um blog; mais tarde, pode passar à edição impressa. Segundo o Denver Post, o cargo será ocupado por um dos jornalistas da casa. Mas outros 400 candidatos já se apresentaram.

 

Leitura infantil da boa

Reserve os horários para acompanhar as crianças: Renata Julianelli, escritora talentosa, lança Porque mentira tem perna curta. Na loja Artmix, Rua Oscar Freire, 261, São Paulo, nos dias 29 (sexta-feira, das 16 às 21h) e 30/11 (sábado, das 11 às 18h).

 

Questões de Direito

Por um grupo de advogados de grande prestígio, Recuperação judicial – da necessidade à oportunidade, coordenado por Fábio Forti e Victor Teixeira Nepomuceno, organizado por Lúcia Vidigal Zimmermann. Entre os autores, Sérgio Schwartsman, sobrinho deste colunista.

 

Como…

Lembra de Emerson Palmieri, ex-tesoureiro do PTB, condenado a uma pena alternativa no processo do mensalão? Enquanto as primeiras prisões eram efetuadas, Palmieri participava de um evento de motoqueiros. Hoje é dono de uma loja de produtos para motos em Assunção, Paraguai. Segundo um grande jornal, “Palmieri é apaixonado por motocicletas e já percorreu a América do Sul sob duas rodas”.

Como terá sobrevivido depois de ficar o trajeto todo sob duas rodas?

 

…é…

De um grande portal noticioso da internet, sobre um atropelamento:

** “Suspeito diz que jovem morta atravessava avenida fora da faixa”

Esses falecidos têm mania de desrespeitar as leis de trânsito!

 

…mesmo?

Do anúncio de uma empresa de alimentos:

** “(…) a nutricionista sugere o metilo orgânico desidratado (…)”

Tudo bem, mas metilo é um produto químico, não comestível. Lendo com atenção os parágrafos seguintes, dá para decifrar: trata-se de uma fruta, o mirtilo.

 

Frases

>> Do aposentado Emílio Hugo Graeser: “Não haveria corrupção se todos os políticos fossem algemados durante os mandatos”.

>> Da escritora Vange Leonel: “Na verdade, a Monica Parade é campanha antecipada da Dilma, e ninguém percebeu”.

>> Do jornalista Cláudio Tognolli: “Entregar um caso ao Joaquim Barbosa é dar o berçário ao Rei Herodes”.

>> Do jornalista Sandro Vaia, comentando a análise do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sobre as condições carcerárias no país: “As condições dos presídios brasileiros são infames, diz o responsável pelas condições dos presídios brasileiros”.

>> Do jornalista Geneton Moraes Neto: “Se todos os jornalistas que se acham gênios pulassem de uma vez só, o Brasil sofreria um terremoto de 9,2 na Escala Richter”.

 

E eu com isso?

E chega de raiva: aqui o que manda é a vaidade, a alegria, o divertimento. Brigas, só de amor. É sol, é praia, é sal. Se este mundo é irreal, é também ideal.

** “Paola Oliveira usa vestido salmão”

** “Kate Middleton repete vestido”

** “Alline Moraes e Mauro Lima trocam carinhos durante festival de música”

** “Britney Spears beija em clipe”

** “Humberto Carrão curte folga na Argentina”

** “Miranda Kerr esbanja simpatia com o filho no aeroporto”

** “Ana Rita se diverte em Curitiba”

** “Miley Cyrus pinta as sobrancelhas”

** “Grazi Massafera se diverte com amigo”

** “Irmã de Kim Kardashian tem encontro com Harry Stiles, do One Direction”

** “Ticiane Pinheiro janta com amigos”

** “Juliette Lewis aparece elegante em exibição de filme”

 

O grande título

Semana com grande variedade, esta. Há muita coisa sobre o Mensalão, mas só um título é notável:

** “Dirceu está bem, diz ex-advogado de Duda”

E que é que o ex-advogado de Duda tem a ver com a situação de Dirceu?

Há um título que até pode ser ligado ao clima geral do país, embora não seja essa a intenção do autor:

** “Começa em Brasília mais um curso sobre improbidade”

Será que lá eles ainda terão o que aprender?

Existe, como não poderia faltar, aquele título que não coube, então foi assim mesmo:

** “Alessandro, símbolo da retomada corintiana, já faz”

E o grande título:

** “Como estariam os rockstars se não tivessem morrido?”

Certamente estariam vivos.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação