Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A notícia mais ou menos

Primeiro, o habeas-corpus: este colunista não é favorável nem contrário à prisão de Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras. Não conhece o processo como deveria e, se tivesse acesso à papelada, não saberia interpretá-la. A dúvida não é com relação às decisões da Justiça, mas à cobertura dos acontecimentos pela imprensa.

O fato é que, numa semana, Nestor Cerveró podia viajar para o exterior sem qualquer problema. Logo, imagina-se que não houvesse nenhum obstáculo para que continuasse livre. Pouco depois, ele volta ao Brasil e é preso já no aeroporto, entre outros motivos pela possibilidade de que decidisse empreender fuga. Se ele já estava no exterior, teria sentido voltar ao Brasil para fugir? Provavelmente não; nesse caso, talvez tenha havido algum fato novo que convenceu o juiz do caso a determinar sua prisão. Nos jornais, na TV, no rádio, na internet, nenhuma informação sobre que fato seria esse.

Outra questão curiosa, que apenas a revista virtual Consultor Jurídico levantou, envolve a ordem de prisão. O juiz diz que Cerveró “provavelmente” mantém depósito em contas fora do país, e diz também que não há prova alguma da existência dessas contas. Se o juiz, que entende do assunto, considera que o “provavelmente” é suficiente para decretar a prisão, é porque é. Mas um leitor comum gostaria de uma análise desse tipo de ordem. Que é que dizem as leis? A jurisprudência? Juristas que não participem do processo? Isso é o papel dos meios de comunicação; e não foi realizado.

Há muitos anos, a Folha da Manhã, precursora da Folha de S.Paulo, tinha uma interessante coluna, chamada “O crime e a pena”. Na época, havia bem menos crimes. O articulista escolhia um e informava que, caso o réu fosse condenado, estaria sujeito à pena de tantos a tantos anos, que poderia aumentar em caso de agravantes. Se era possível fazer na época, daria para fazer hoje.

E há, finalmente, a referência ao possível risco de fuga. Talvez seja o detalhe mais interessante de todos: não é impossível, claro, mas não parece lógico alguém que esteja legalmente no exterior voltar ao país para só então pensar em fugir. Que terá levado as autoridades a concluir que Cerveró poderia estar planejando a fuga?

E, por favor, a história de que as autoridades não distribuíram qualquer informação, exceto a determinação da prisão, não precisa ser espalhada. Os jornalistas têm tido acesso a muita informação. Uma a mais, por que não?

 

O trabalho…

O problema é que, em certos veículos de comunicação, a luta pela apuração, confirmação, ampliação da notícia foi deixada de lado. Um grande jornal de circulação nacional noticiou a prisão de Nestor Cerveró da seguinte maneira: “Ex-diretor da Petrobras é preso no Rio, diz TV”.

Seria uma informação exclusiva da TV? Não. E se a TV estivesse dando notícia errada, o jornal a publicaria errada mesmo, já que não fez qualquer verificação? Não dá para esquecer uma recomendação do sábio Carlos Laino Jr., diretor de Redação da Folha da Noite: “Existem furos que é melhor esperar e só publicar quando houver certeza”.

 

…enobrece

Há uma guerra em São Paulo: o prefeito petista Fernando Haddad quer porque quer construir uma rede de ciclovias na cidade. Na verdade, são ciclofaixas, não ciclovias: a maior parte do que foi feito se limitou a pintar o chão de vermelho e reservar o espaço para bicicletas. Há coisas inacreditáveis: a ciclofaixa invadindo calçadas e colocando pedestres em risco, asfalto esburacado com tinta por cima ameaçando a segurança de quem andar de bicicleta por ele. Enfim, essa é outra discussão. Como o prefeito é petista, sobraram na cidade os ecos da campanha eleitoral: quem é contra ou a favor normalmente leva em conta sua posição partidária, não a ideia das ciclovias e ciclofaixas propriamente ditas. E os meios de comunicação acham uma delícia cobrir esse tipo de debate: eu sou contra porque atrapalha o comércio, sou contra porque não há como deixar as crianças na calçada da escola, sou a favor porque bicicleta é uma ideia moderna, sou a favor porque bicicleta é um meio de transporte não poluente e faz bem à saúde.

OK; mas bicicleta, na maior parte das vezes, é instrumento de recreação ou de transporte? Numa cidade como São Paulo, “um mar de morros”, será a bicicleta eficiente como meio de transporte? Mais: depois de dois anos de mandato e inúmeros baldes de tinta vermelha derrubados nas ruas, como é que a população utiliza as faixas de bicicletas?

Não é tão difícil assim para os meios de comunicação trabalhar nessa questão: basta colocar alguns repórteres em lugares estratégicos e contar quantas pessoas circulam de bicicleta. São poucas, são muitas? Um número pequeno de pessoas circulando em duas rodas não estaria atrapalhando o fluxo de veículos de transporte de passageiros de grande capacidade, como ônibus comuns ou articulados? É uma resposta numérica, interessante, importante, e fará com que a imprensa entre na discussão como participante, não apenas como repercutidora de opiniões partidárias.

Que tal dedicar-se a esse trabalho?

 

Os vizinhos e os outros

Um grupo de fanáticos religiosos invade a redação de uma revista que considera pecaminosa e assassina 12 pessoas a sangue frio. Há quem queira relativizar a barbárie, mudar o assunto para a questão da aceitação de imigrantes em outro país, essas coisas. Há quem queira relativizar a barbárie lembrando que, na Nigéria, o grupo fundamentalista muçulmano Boko Haram acaba de matar centenas de pessoas (as estimativas vão de 400 a 2 mil) por não seguirem sua religião, exatamente como eles a definem, e que embora muito mais gente tenha sido morta não houve uma reação internacional como a que se seguiu ao atentado de Paris contra o Charlie Hebdo. Relativizar a barbárie de que maneira, sabendo-se que os autores das duas carnificinas foram fanáticos fundamentalistas islâmicos, sequiosos de uma guerra santa contra o Ocidente?

A ideia é que o Ocidente se preocupa com mortos brancos, enquanto os negros não despertam a mesma revolta. Para algumas pessoas, este raciocínio parece lógico; incrível é saber que há jornalistas que o aceitam.

Certas coisas são óbvias para os jornalistas. Em Paris há repórteres do mundo inteiro, prontos para enfrentar uma cobertura. No Norte da Nigéria não há jornalistas internacionais, não há infraestrutura para envio de reportagens. Em Paris morreram pessoas internacionalmente conhecidas. E o protesto ocorrido em Paris, contra a barbárie, é também contra o massacre da Nigéria: nos dois casos, pessoas foram assassinadas por grupos que não podiam tolerar que houvesse pensamento diferente do seu.

Quanto à história do valor da vida de negros e brancos, lembremos dois casos: nos funerais de Nelson Mandela e de Martin Luther King houve uma mobilização internacional poucas vezes vista no mundo.

 

Agora vai

Logo após o atentado que matou os cartunistas do Charlie Hebdo, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei nº 13.082, de 8 de janeiro de 2015, que institui no Brasil, todos os anos, em 12 de abril, o Dia do Humorista.

Pois é.

 

As não notícias

Há quem pague para saber o que está acontecendo na cidade, no país e no mundo. Há quem forneça as notícias de graça – mas, de qualquer maneira, está consumindo tempo de quem as procura, está tentando vender-lhe alguma coisa via publicidade, está buscando remunerar-se de alguma forma. Se as notícias são pagas, direta ou indiretamente, por que não as entregam?

** “Beyoncé estaria grávida de um menino, diz fonte”

Está grávida ou não? Mistério.

** “Os supostos terroristas mataram 12 em Paris”

Se foram eles que mataram os doze, são terroristas. Se são “supostos”, é porque não se sabe se foram eles. Enfim, são ou não são terroristas?

** “Um suposto confronto entre policiais e traficantes deixa seis mortos”

Se seis pessoas morreram, houve o confronto. Se não se sabe se houve o suposto confronto, como é que morreram as seis pessoas?

E agora, o grande recorde das não notícias:

** “(…) a polícia foi informada do sequestro por um homem que afirma que cerca de duas pessoas estariam sendo mantidas como reféns.”

“Afirma que estariam.” “Cerca de duas pessoas.”

Se quem narrou a notícia não sabe a diferença entre um e três, e apela para o “cerca de duas”, que confiança pode merecer seu relato?

 

Frases

>> Do escritor João Pereira Coutinho: “Não somos nós os culpados pela loucura dos outros. Imaginar o contrário, por medo ou ignorância, é simplesmente partilhar a loucura em que eles vivem.”

>> Do jornalista Marcelo Soares, comentando a nomeação de uma ex-Miss Brasil para secretária adjunta de Turismo e Lazer do Rio Grande do Sul: “Ao assumir, o governador disse que tomaria medidas difíceis. Taí: 91 de quadril, 61 de cintura.”

>> Do jornalista Sandro Vaia: “Qualquer limite à liberdade de expressão é o limite da lei. O que passar disso, tenha certeza, é vigarice.”

>> Do secretário dos Transportes de São Paulo, Duarte Nogueira: “Não há nada de racionamento. Há uma restrição hídrica.”

>> Do jornalista Eduardo Faustini: “Acho melhor transformar a plataforma de petróleo em uma prisão de segurança máxima.”

>> Do jornalista Palmério Dória: “Ninguém jamais poderá dizer que o governo de Alckmin foi por água abaixo.”

>> Do jornalista Fred Navarro: “Os cinquentões que pedem golpe militar eram crianças nos anos 60. Só lembram das bordoadas que levavam dos papais. E sentem falta.”

>> Do jornalista Gabriel Meissner: “Papa defende que liberdade de expressão não pode conter insultos às religiões. A liberdade que ele defende é também conhecida como censura.”

 

E eu com isso?

Política internacional, assassínios em massa. Noticiário da cidade, assassínios em massa, com destaque para algum caso especialmente bárbaro, e um pedacinho de telejornal ou de página tratando de roubos sem mortes. Noticiário esportivo, falcatruas de dirigentes. Noticiário econômico, pagamento de propinas. Noticiário político, recebimento de propinas.

Chega! Aqui, neste local maravilhoso, não há propinas, nem assassínios, nem massacres. Há transgressões, sim: atrizes com minivestidos, ou roupas com amplas fendas, sem calcinha, que “sem querer” “mostram demais”. Ou astros e estrelas com namorados, beijando-se com pessoas diferentes, e tendo a pouca sorte de ser surpreendidos bem naquele lugar e horário por dezenas de fotógrafos. Acontece. Mas aqui segue o noticiário sem estresse:

** “Sem maquiagem, Gisele Bündchen desembarca em São Paulo”

** “Angelina Jolie e Jennifer Aniston se evitam em premiação”

** “Romário curte férias em Aruba com a amada”

** “Taylor Lautner termina o namoro com atriz”

** “De barriga à mostra, Xuxa cai ao tentar fazer ioga”

** “Rihanna e Leonardo DiCaprio: romance no ar?”

** “Filha de Ana Furtado e Boninho vai ao cinema”

** “Ex-noivo de Sofía Vergara já assediou Jennifer Lopez”

** “Dani Bolina troca beijos com novo namorado”

** “Kim Kardashian posa sem maquiagem e recebe elogios”

** “Daniel de Oliveira e Sophie Charlotte passeiam em shopping no Rio”

** “Charlie Sheen dá selinho em rapaz que diz ser seu fã”

** “Julianne Trevisol arrasa com shortinho curto em aeroporto carioca”

** “Taylor Swift teve uma minicrise ao rever Jake Gyllenhaal”

** “Em meio a boatos de reconciliação com Cauã, Grazi Massafera corre em praia para manter boa forma”

** “Fábregas é flagrado com a mulher no mar em pose quente”

 

O grande título

Muita gente de férias. Plantões reduzidos, em redações muito menores do que já foram. E o pessoal de plantão, como todos os cidadãos, sofre com o calor. Talvez isso explique boa parte das manchetes desta semana:

** “Cerveró vendeu imóveis por valores 10 vezes inferiores aos de mercado”

É realmente estranho: se vender um imóvel por valor uma vez inferior ao do mercado, receberá zero reais por ele. Valores dez vezes inferiores indicam que quem comprou um imóvel de R$ 1 milhão, além de recebê-lo de graça, ganha mais R$ 9 milhões pelo trabalho de assumir a propriedade. Não parece coisa muito normal, não. Jamais ofereceram um negócio desse tipo a este colunista.

E, por falar em Cerveró:

** “Polícia esperou ex-diretor embarcar embarcar em avião para realizar buscas”

Isso é que é paciência: para evitar o vazamento de informações, a Polícia aguardou o embarque. E mais uma vez aguardou o embarque de quem já estava embarcado – ou, pelo menos, é o que informa esta manchete.

E o grande título:

** “Menino de oito anos lança livro sobre dragões inspirado em sua família”

É um menino de sorte: além de talentoso, nasceu numa família que ocupa altos cargos num grande país.

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Carlos Brickmann é jornalista, diretor da Brickmann & Associados