Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A culpa é sempre da imprensa

Somos um país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza. Não temos (quase) furacões, não temos terremotos, não temos problemas. Criminalidade, analfabetismo, fome, desemprego, tudo isso é só problema de gringo.

Podemos, então, perder um bom espaço no principal noticioso da TV, em dois dias seguidos, para discutir um crime tenebroso: dois jornalistas, um que trabalha com Heloísa Helena, outro com Cristovam Buarque, mandaram e-mails de seus respectivos gabinetes no Senado, com a agenda dos senadores-candidatos, que se apresentam como representantes maiores da ética. Os dois pagaram caro: um perdeu o emprego, outro está a pique de perdê-lo.

Que coisa ridícula! Quanto custa o envio de um e-mail? Frações de centavo? Nem dá para reembolsar a despesa, por falta de moeda suficientemente pequena. E não se alegue questão de princípios: o princípio da bagatela também existe.

Admitamos, porém, que isso não deve ser feito. OK; ambos cometeram um erro, não um crime hediondo. Não é justo privá-los de seu emprego (nem obrigá-los a trabalhar clandestinamente, fingindo que perderam o emprego). Quem quer ser presidente deste país não pode se preocupar com ‘o que estão dizendo’, com ‘o que vão achar’. Tem de pensar grande, não pode ser mesquinho.

E, puxa, é preciso acabar com essa história de tudo, do café frio aos e-mails errados, ser culpa do assessor de imprensa. Governo sempre acha que a culpa é da imprensa; duro é ver gente que se diz de oposição fazer a mesma coisa.

No clássico Casablanca, Claude Rains dá a ordem aos policiais: ‘Prendam os suspeitos de sempre’. No Brasil, estão punindo os culpados de sempre.



Dúvida pertinente

Hoje, tanto Heloísa Helena como Cristovam Buarque são candidatos. Mas, não faz muito tempo, quando eram pré-candidatos, como é que se deslocavam pelo país? Tinham recursos pessoais para pagar passagens aéreas do próprio bolso? Ou teriam utilizado as passagens do Senado?



Os sanguessugas

Roubar dinheiro da saúde pública é um crime dos piores: tem gente morrendo por falta de assistência, tem gente sofrendo porque o remédio acabou, os médicos e suas equipes ganham mal, e o dinheiro que existe é desviado pelos picaretas. O crime é tão horrendo que a imprensa deveria dar mais atenção a ele: até agora, tudo o que se sabe do crime dos sanguessugas é o que foi divulgado por um cavalheiro que faz parte do esquema, o empresário Luís Vedoin, da Planam.

E as reportagens investigativas? Reportagem investigativa não é mobilizar os amigos deputados e publicar as listas de acusados por Vedoin. Reportagem investigativa é descobrir qual o furo do negócio: afinal de contas, se o parlamentar recebia propina para propor a emenda que abrisse campo à compra de uma ambulância superfaturada, é preciso apurar quem liberava o dinheiro, no Executivo (o que mais existe, no Congresso, é emenda aprovada e não executada, por falta de verbas). No caso dos convênios, cadê as auditorias que atestariam a ausência de irregularidades? E, considerando-se que a tabela de preços de automóveis sai em todos os jornais, como é que mascaravam a compra superfaturada?

 Pauta existe. Pena que dê trabalho.



Como é mesmo?

Texto também dá trabalho. No noticiário sobre a máfia dos sanguessugas, um grande jornal, citando as prefeituras que compraram ambulâncias superfaturadas, se refere às ‘cidades beneficiadas’. Ser beneficiado custa assim tão caro?



Condenando meia guerra

Trata-se de um grande jornal, que já publicou notas francamente anti-semitas e sempre se justificou explicando que aquilo era coisa dos colaboradores, sabe como é, né? Mas, desta vez, a coisa ficou documentado: na página de internet do jornal, em vez do título saiu a recomendação ‘culpar Israel’.



E buscando a verba inteira

O grupo controlador do jornal, que acumulava dívidas e atrasos em pagamentos, de repente passou a se interessar pela compra ou arrendamento de uma rede de TV. Os credores festejam: parece que os negócios melhoraram.



Olha a censura!

A edição eletrônica da Folha do Amapá foi censurada mais uma vez – a terceira: a pedido da coligação que apóia José Sarney para o Senado (PMDB, PDT, PP, PV, PSC e Prona), a Justiça Eleitoral mandou retirar do endereço eletrônico do jornal a matéria, já publicada no jornal impresso, com o título ‘Declaração de bens na Justiça Eleitoral revela: Sarney é sócio do Shopping Jacarati’.

Este colunista não entende o motivo da censura: ser sócio de shopping não é crime, logo a notícia não deve ferir o candidato; e, se a informação é falsa, um bom processo pela lei de imprensa resolve o caso. Por que censurar o jornal?



O primeiro dos últimos

Um release do guaraná Kuat informa que a bebida ‘já se confirmou como vice-líder em guaraná’. Mas quantos guaranás existem, entre os grandes fabricantes? Que este colunista se lembre, apenas dois.

Essa história faz lembrar uma piada dos tempos da Guerra Fria. Dizia-se que dois carros, um americano e um russo, disputaram uma corrida. O americano venceu. Os jornais russos deram a seguinte manchete: ‘Nosso carro fica em segundo, e o americano em penúltimo’.



O fascismo da moda

Esta poderia muito bem ser uma nota tipo ‘e eu com isso?’ Mas traz, embutida, uma semente de autoritarismo que não pode prosperar.

‘O ator Guilherme Berenguer aproveitou esta quarta-feira para andar pelo calçadão do Leblon, no Rio de Janeiro. A única coisa que tirou o ‘brilho’ do ator foi o celular pendurado na cintura, prática considerada fora de moda pelos manuais de etiqueta moderna.’

Não é o cúmulo ser criticado por usar o celular num lugar ‘fora de moda’? E, considerando-se que o cavalheiro estava na praia, onde mais botaria o celular? Pense bem na alternativa: e se o aparelho começasse a vibrar?



E eu com isso?

Pense bem: nós, jornalistas, já tivemos de escrever as matérias a máquina (e, antes disso, horror!) a mão. Se quiséssemos cópias, iríamos nos encher de carbono. E o mimeógrafo a álcool? Datilografar sem fita no estêncil, sem saber se estava certo ou errado, para depois agüentar aquele cheiro enjoado e tirar as cópias? Mas, bem ou mal, a gente sobreviveu. E os mais velhos contam que, antigamente, dar partida os carros era terrível, usando a manivela. Mas, apesar disso, quem podia comprar tinha automóvel. Com manivela e tudo.

O ser humano, caros colegas, é adaptável. Mas como é que pudemos viver até agora sem ter essas notícias em que nossos veículos de comunicação investiram pesadas somas, pensando apenas na nobre função informativa a que se propõem?

1. Daniela Sarahyba desfila com pequeno biquíni em praia;

2. ‘Meus seios são os maiores do País’, diz ex-Bandida do Funk;

3. Avoada, Penelope Cruz lança filme de Almodóvar em Berlim;

4. Luana Piovani se refresca no mar de Ipanema;

5. Cléo Pires vai à praia de microbiquíni.

O pior é que este colunista viu a foto: um biquíni dos mais normais. Microbiquíni é outra coisa. E muito melhor!



Vale a pena

O pessoal mais jovem muitas vezes não entende como é que o papai gosta tanto de ler jornal. Mas há coisas que só se encontram nos jornais (e na internet, fonte inesgotável de coisas muito engraçadas). Por exemplo:

** ‘Enem: saiba como fazer uma redação matadora’

E pensar que a Suzanne, que não sabia escrever desse jeito, precisou chamar o namorado e o irmão!



Leia e entenda

‘Hacker invade orkut de ‘Pero Vaz de Caminha’’.

Só isso. Quem explicar direitinho o que quer dizer esta notícia está apto a ganhar a coleção de adjetivos que a senadora Heloísa Helena usa em rigorosamente todos os seus discursos (ao fundo, tentaremos conseguir uma gravação original de Blowin’ in the Wind, com o também senador Eduardo Suplicy).

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados