Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A defesa exige respeito

Quem diria! A mesma imprensa que, nos anos de ditadura, era vítima da falta do direito de defesa, é agora o bate-bumbo das condenações sumárias, com base em acusações nem sempre sólidas. Quando o ministro Nelson Jobim determinou que os acusados deveriam ter prazo (uma ou duas semanas) para defender-se, a imprensa protestou: é pizza. Quando a defesa de algum parlamentar impressiona seus pares, a imprensa proclama: é pizza. Pizza, pelo jeito, é tudo aquilo que não cheire a condenação sumária. Se Marcos Valério e Roberto Jefferson acusaram, para a imprensa só pode ser verdade – e crucifiquem-se os acusados.


Jefferson e Valério não chegam a ser modelos que apontemos para nossos filhos. Mesmo que a denúncia viesse de pessoas inatacáveis os acusados não poderiam ser privados da defesa. Cada parlamentar acusado deve se defender e ser ouvido. Se houver favorecimento, proteste-se. Mas, e se a absolvição for justa?


Clamor popular existe – e sempre existiu. Barrabás foi salvo pelo clamor popular, que o preferiu a Jesus Cristo. Hoje em dia, porém, a TV e outros meios de comunicação de massa influenciam, e muito, o clamor popular. Há casos em que a opinião pública é apenas o reflexo da opinião publicada.


Há quem defenda a tese de que é preciso jogar carne aos leões. Negativo: deve-se fazer justiça. Quem quebrou o decoro deve perder o mandato. Quem não é culpado deve ser absolvido. Quem errou, mas não a ponto de quebrar o decoro, deve ter uma punição intermediária. Quem disse que o eleitor é um animal feroz e carnívoro? Por que a carne crua seria mais justa que a pizza?




Uma discussão


A revista Livre Mercado, ligada ao Diário do Grande ABC, publica ampla matéria reflexiva de seu diretor, Daniel Lima, que acusa a imprensa de ter condenado previamente Sérgio Gomes da Silva, acusado pelo Ministério Público de mandante do assassínio do prefeito de Santo André, Celso Daniel. A matéria, para quem mora fora do ABC paulista, deve ser pedida pelo telefone (11) 4971-4700, ou pelo endereço eletrônico (livremercado@livremercado.com.br)




O tempo…


Os leitores desta coluna já sabem minha opinião sobre Octavio Frias de Oliveira, proprietário da Folha de S.Paulo: é um dos maiores jornalistas do país (e ele nega que seja jornalista!). Frias costuma dizer que a vantagem de ter idade é que já viu tudo acontecer, e viu acontecer o contrário também. Este colunista, aos 61 anos recém-completados, era garotinho quando o Inquérito Policial Militar da ‘república do Galeão’ derrubou o presidente Getúlio Vargas (e, quanto à corrupção, deu em nada). Já trabalhava em jornal quando a CGI, Comissão Geral de Investigações, comandada pelo marechal Estevão Taurino de Rezende, com apoio dos poderes absolutos do Ato Institucional, caçou corruptos por todo o país (e, fora as injustiças de praxe, deu em nada). Assistiu à CPI da Corrupção, no governo Sarney, assistiu à CPI que derrubou o Governo Collor. Não é assim, a golpes de manchetes e de câmeras de TV, que se combate a corrupção.




…é senhor…


Agora, falemos um pouco de pizza. As CPIs esqueceram o dono do maior contrato dos Correios, Mauro Dutra, da NovaData, que fornece informática. Dutra, amigo do presidente Lula, foi chamado para depor, pediu adiamento e o depoimento foi esquecido – como foi esquecido Arthur Waschalsk, fornecedor de suprimentos de informática, cujas denúncias foram o início de tudo. E o Banco Postal, foi limpinho? Os fornecedores de carros com devolução de parte do pagamento a quem os contratava? Pizza não é dar direito de defesa a quem foi acusado; isso é justiça. Pizza é esquecer de investigar quem deveria ser investigado.




…da razão


E há o caso emblemático do deputado Paulo Pimenta (que, como lembra um leitor atento desta coluna, é gaúcho e não paranaense). Pimenta divulgou deliberadamente uma lista falsa de sacadores de Marcos Valério – isso depois de se fechar no carro com o próprio Valério para conversar e ter o azar de ser visto. Paulo Pimenta pode não ter nada a ver com qualquer quantia. Mas quebrou o decoro ao se reunir sigilosamente com um investigado e ao divulgar uma lista falsa. E, veja só: estava tranqüilamente no Conselho de Ética, inquirindo José Dirceu.




Recomendando


Um artigo chamou a atenção deste colunista (ver abaixo): uma análise do motivo da queda de circulação de jornais impressos, assinado por um dos melhores repórteres brasileiros, Marcos Sá Correa [saiu no site NoMínimo, no domingo (2/10)]. Um dos motivos da queda, diz Correa, é publicar assuntos chatos, como a eleição de Aldo Rebelo, em espaços ultragenerosos.






À sombra de Aldo Rebelo


Marcos Sá Correa / copyright NoMínimo, 2/10/2005


Nada mais embaraçoso do que falar a estudantes de jornalismo prestes a entrar no mercado, quando tudo o que o mercado tem a lhes oferecer naquela manhã são páginas e mais páginas de jornal falando do deputado Aldo Rebelo, como se os brasileiros tivessem acordado loucos para saber tudo sobre esse político alagoano que, nas fotografias da véspera, parece que saiu de um arquivo e, nos projetos do presente, acha pior para os costumes nacionais o Halloween que a grife José Dirceu.


Será isso que eles querem fazer quando puserem os pés numa redação? Pelo visto, não. Pelo que dizem as pesquisas, é mais provável que deixem até de ler jornais e outras embalagens de notícias que ainda usam papel, como fazem ao redor do mundo cada vez mais pessoas dessa faixa de idade. No ano passado, The Washington Post, às voltas com uma queda de 4 mil assinantes por mês, descobriu que os jovens leitores preferiam ciscar os assuntos de seu interesse diretamente no site do jornal ou por tabela, em serviços de busca como o do Google, a comprar o prato feito nas bancas.


Isso não quer dizer que a nova geração leia menos, como se supunha no tempo do deputado Aldo Rebelo. Lê até mais do que antes. Ou melhor, como nunca, além de ouvir as rádios que querem na hora que querem, via Podcasting. O diabo é que essa geração aprendeu a escolher os assuntos que lhe interessam, coisa que ‘uma mera publicação em papel’ jamais lhe daria. E assim ‘suas mãos não ficam mais sujas de tinta’, escreveu na ocasião Adam Penenberg, na revista Wired, em artigo agourentamente intitulado ‘Por que os jornais devem mesmo se preocupar’.


Nos Estados Unidos, uma pesquisa descobriu há pouco que, dos 18 aos 34 anos, os americanos já pularam a cerca das comunicações. Sem volta, provavelmente. Nessa idade, só 3% ainda catam regularmente notícias em jornais. O público fiel às revistas de informação caiu para 1%. E a TV ficou com 35%. Mas a Internet já levou 46%, naquela faixa da existência em que, diz uma velha lenda do mercado publicitário, os hábitos de consumo se formam para sempre.


Por falar em publicitários, tudo indica que acabou a época em que as boas agências podiam garantir aos anunciantes 80% dos americanos com TV ligada, reservando o minuto certo dos intervalos comerciais nos horários nobres das redes CBS, NBC e ABC. Hoje, não dá para contar que eles liguem a televisão na hora em que as emissoras querem. Segundo a Mediamark Research Inc., dos 13 aos 34 anos os americanos passam mais tempo olhando o monitor do PC que a tela da TV.


Turbulência à vista, portanto. Não é à toa que na Inglaterra venerandas instituições como The Times e The Guardian mudaram de cara e tamanho ultimamente, gastando rios de dinheiro para fazer aquilo que os tablóides sempre fizeram – ou seja, encolher na forma para não encolher na circulação. Ou que nos Estados Unidos The New York Times pôs seus colunistas para trocar figurinha com os leitores, como num blog pago e de luxo.


Essas coisas só acontecem com os outros? Quem dera. No Paraná, em agosto, uma pesquisa do Ibope para a American Chamber of Commerce apurou que em Curitiba e Londrina a Internet bate a TV como fonte de notícia. E no Brasil o número de computadores ligados à rede está longe de ser dos mais altos mas, com cerca de 15 milhões de conexões, já é o dobro da soma de todos os exemplares de jornal publicados diariamente. E, sinal de que aqui também as coisas estão mudando, em toda esta crise do governo Lula, a circulação da imprensa diária ficou mais ou menos onde sempre esteve, ao contrário da TV Senado, por exemplo, que ganhou audiência com a transmissão ao vivo das CPIs.


Para os jornais brasileiros, isso provavelmente quer dizer que está na hora de economizar papel com o deputado Aldo Rebelo. Ou que a maré está esvaziando assustadoramente. Mas, para os estudantes que estão a um passo de virar jornalistas numa hora em que as grandes empresas do ramo fecharam ao todo 10 mil vagas desde o começo dos anos 90, o segredo da sobrevivência é fazer como Tilly Smith, aquela inglesa de 10 anos que não se enganou quando viu o mar sumir de uma hora para outra numa praia da Tailândia. Eles têm pela frente um tsunami que vai inundar o mundo com novos meios de comunicação.




Delícias da imprensa


1. De um grande jornal: ‘BNP Paribas não comprará pequenas participações em bancos chineses’. Pergunta-se: comprará grandes participações, ou médias participações? Ou desistiu do negócio e não comprará participação nenhuma?


2. De um portal importante: ‘Juventude x Figueirense. O time carioca deveria ter vencido’. Entre o gaúcho Juventude e o catarinense Figueirense, qual dos dois é o time carioca?




Boa notícia


O excelente livro Chico Buarque – letra e música, do jornalista Humberto Werneck, publicado em 1989, está sendo reeditado pela Companhia das Letras. Werneck tem um texto delicioso; e é pena que, como quase todos nós, seja admirador de Chico Buarque. Quando Werneck escreve sobre alguém de quem não gosta, as teclas de seu computador se transformam em giletes e tiram sangue.