Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A festa das araras

A notícia em si é que, numa avenida de grande movimento de caminhões, em frente ao poluidíssimo Rio Pinheiros, infestado por pernilongos, alguns empresários estão abrindo uma loja de departamentos de luxo. Vale registro, claro. O ar condicionado, sem dúvida, merece matéria à parte, por caber-lhe a dificílima tarefa de manter fora a fumaça, o cheiro e os mosquitos. E, naturalmente, a chegada de marcas até hoje ausentes do mercado paulistano é um fato noticiável.

Mas o festival de notícias a respeito da loja de luxo tem ultrapassado os limites: é praticamente impossível ler uma coluna sem ser informado a respeito do andamento das obras, das atividades de algumas das proprietárias, sobre os preços gigantescos que serão cobrados dos clientes – como se clientes de tamanho poder aquisitivo se preocupem com o quanto terão de pagar de estacionamento.

Dizem-nos que personalidades internacionais, que circulam entre a Via Veneto, em Roma, a Quinta Avenida, em Nova York, e a Rue du Faubourg St. Honoré, em Paris, que estão a meia hora de vôo de Londres e Milão, viajam a São Paulo só para comprar roupas de grife. É claro: como é que, nos países de origem dessas grifes, os chiques poderiam achar roupas importadas? Lá é tudo nacional! Então, viajam horas para deliciar-se com as compras na Marginal do Pinheiros.

Está havendo um certo exagero – até exagero de provincianismo. Não podemos nos comportar como se os objetos estrangeiros de luxo fossem os sucedâneos modernos dos espelhinhos de Cabral que tanto fascinaram nossos índios.



Sigilo total

Segundo conta um jornal, o casamento da bilionária Athina Onassis com um brasileiro, em São Paulo, será cercado de muito sigilo. Em seguida, o jornal traz todas as informações possíveis: local, data, organizadores, número de convidados, endereço dos noivos. Nada de espantar: num país em que existe espião português conversando com jornalistas pelo Orkut, por que o sigilo seria sigiloso?



Reportariado

Não houve jornalista importante de Brasília que não desse sua opinião sobre a reunião da Caspa (Cúpula América do Sul – Países Árabes): foi um fracasso, foi um sucesso, jogou o Brasil fora do rumo de sua tradicional neutralidade no conflito árabe-israelense, reafirmou a posição brasileira, serviu para incomodar os americanos, os americanos nem deram bola – enfim, opinou-se à vontade. Mas ninguém perguntou a nenhum representante do Iraque:

1. Como andam as investigações sobre o seqüestro do engenheiro brasileiro em poder de grupos terroristas muçulmanos?

2. Considerando-se que o presidente do Iraque (e chefe de sua delegação), Jalal Talabani, só conseguiu chegar ao poder graças à invasão liderada pelos americanos, e que só consegue se manter no poder graças à ocupação militar do país, como é que encara as críticas às ocupações e invasões?

Nenhum repórter perguntou aos sírios e libaneses, também, como é que compatibilizam sua posição real com a ideológica. Afinal de contas, a Síria invadiu o Líbano e o ocupou por 30 anos, só saindo, sob pressão de manifestações populares, no início deste mês. E o presidente do Líbano não apenas era favorável à invasão e ocupação como se manifestou contrário à retirada das tropas sírias.



Relacionando as notícias

Numa parte do jornal, a crise da Varig, com dívidas imensas e negociações com empresas internacionais que possam capitalizá-la. Em outra, a informação de que a Varig enviou a Paris o excelente fotógrafo Gui Paganini para documentar o aniversário da manequim Naomi Campbell. E bastava juntar os dois noticiários e buscar a resposta à seguinte pergunta: afinal, a Varig tem dinheiro ou não?



Nova rede

O empresário paranaense Francisco Simeão, dono da marca de pneus remoldados B.S. Colway, está querendo montar uma rede nacional de emissoras de rádio, com geradora no estado de São Paulo. Simeão está em guerra aberta com as fábricas de pneus novos. O curioso é que um grupo critica o outro por motivos ambientais: as firmas de remoldagem, porque os fabricantes não cumprem a meta de destruição de pneus velhos; as fábricas, porque a B. S. Colway, de Simeão, importa pneus usados para produzir seus remoldados.



Politicamente corretos

Raul Drewnick, componente do invulnerável Trio de Ferro dos revisores de Visão, ao lado de Ruy Onaga e Luís Carlos Cardoso, manda e-mail a respeito do uso que temos feito da Última Flor do Lácio, Inculta e Bela (nome que Olavo Bilac deu à língua portuguesa). Lembra que, de acordo com a cartilha Politicamente Correto, editada pelo governo Lula, o Corinthians não poderá mais ser chamado de ‘alvinegro’, para não ultrajar os afrodescendentes. Em compensação, não mais admite ser chamado de ‘careca’, como muitos politicamente incorretos o fazem: gostaria que, na cartilha, fosse divulgado o termo ‘alopécico’. E, a propósito de uma ‘acessora’ de imprensa, lembra que, há alguns anos, uma jornalista se dizia ‘membra’ do Sindicato. E não estava brincando, não.



Recomendação

Não deixem de acompanhar o site NoMínimo . Tem apresentado matérias e opiniões bem originais; e, sobretudo, é muito bem escrito. Há ali alguns craques imperdíveis, como Ricardo Setti, Zuenir Ventura, Marcos de Sá Corrêa, Pedro Dória, Guilherme Fiúza. Vale a pena.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados