Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A golpes de manchete

Este colunista foi dormir quando a TV, repetidamente, informava que Kerry iria ganhar as eleições por algo como cem votos eleitorais – quase 20 pontos percentuais de vantagem; e acordou com a vitória de Bush por ampla margem de votos eleitorais (e também de votos populares).

Que terá acontecido com os meios de comunicação, nestas eleições? Desde que o Gallup anunciou a vitória do republicano Thomas Dewey para a Presidência americana, e o eleito foi o democrata Harry S. Truman, não houve falha tão gritante. Mas, daquela vez, quem errou foi a pesquisa; desta, ao que tudo indica, os jornais deixaram que sua opinião e paixão os influenciassem na escolha da pesquisa.

Um dos melhores jornalistas brasileiros, Nahum Sirotski, correspondente da Zero Hora e do portal iG em Israel, comenta, a partir do resultado das eleições americanas:

‘A mídia transforma-se cada vez mais em meio de promover como se deve pensar e compreender. Navegar em busca do evento em si exige muita atenção e determinação. Está cada dia mais difícil. Sem uma base razoável de conhecimentos o indivíduo acaba transformado em repetidor. E como o redator é um ser humano, produto do meio ambiente como todos, também ele vive sob o risco de sempre partir de um prejulgamento ao buscar a informação e transferi-lo para quem nele confia’.

Já vimos este filme (especialmente quando Fernando Henrique foi candidato a prefeito e a imprensa tentou elegê-lo a golpes de manchete). O resultado é sempre o mesmo: por menos que a gente queira, o eleitor é o rei.



O show da morte

Serginho, zagueiro do São Caetano, morreu três vezes: a primeira em campo, vítima de um problema cardio-respiratório; a segunda no duelo de vaidades de médicos que, sem tê-lo examinado, sem tê-lo conhecido, sem qualquer idéia dos antecedentes do caso, se arriscaram a palpitar no assunto, para garantir um lugarzinho nas entrevistas de rádio e TV. E a terceira, caro colega, foi nas nossas mãos – nas mãos da imprensa, que jogou pesado no sensacionalismo e na busca de audiência. Um programa de TV chegou ao extremo de confessar sua falta de qualquer interesse jornalístico: o apresentador convidou um respeitado médico a comparecer ao auditório, porque a audiência estava em alta. O médico, corretamente, recusou o convite.

A morte de Serginho é notícia. O abuso – a constante, inumerável repetição da cena, a volta à mesma informação instantes depois (com novas exibições do momento da queda), a busca de entrevistas com gente que nada tem a ver com o assunto e insiste em opinar – isto é abuso. Transformar o falecido em astro da luta pela audiência é, no mínimo, desrespeito à família.



Cadê a notícia? – 1

O ministro da Defesa José Viegas pediu demissão no dia 22 de outubro. O presidente Lula a aceitou no dia 4 de novembro. E ninguém foi capaz de antecipá-la nesses 14 dias! Será que, pela primeira vez na história do Brasil, não houve qualquer vazamento? Ou será que a força de nosso jornalismo investigativo estava ocupada, verificando o que é que Marta acha de Eduardo e o que a namorada de Eduardo acha de Marta?



Cadê a notícia? – 2

Em 5 de maio, a Comissão de Legislação Financeira e Controle da Câmara Federal aprovou por unanimidade um pedido de análise do extrato vegetal da Coca-Cola – um dos componentes do refrigerante. Agora, o relator do caso, deputado Inocêncio Oliveira, do PFL pernambucano, encaminhou o pedido ao Ministério da Justiça para que o extrato vegetal seja analisado no Instituto de Criminalística.

A suspeita é de que o componente seja extraído de folhas de coca, o que é proibido pela lei brasileira. O tema é importante: o refrigerante domina mais da metade do mercado. Mas muitos jornais preferiram ignorar o assunto. E os anúncios nem saem nos jornais!



Quem é quem

O Corinthians está fechando uma parceria de algumas dezenas de milhões de dólares com a Media Sports Inc. (MSI), empresa com sede num desses paraísos fiscais. Quem se opõe ao acordo afirma que há nele inúmeras irregularidades (e um dos que mais fortemente se opõem é o delegado e deputado estadual Romeu Tuma Jr., do PPS).

1. Como o assunto vem se arrastando há meses, será que não teria dado tempo para a imprensa verificar quem é quem nessa questão? Uma boa entrevista com Tuma Jr. não seria interessante para que ele informasse quais as dúvidas que tem com relação ao acordo?

2. Um jornal publica, como se fosse uma frase comum, que os conselheiros do Corinthians que forem favoráveis ao acordo serão intimados a depor na polícia. O deputado e delegado Tuma Jr. confirma essa informação ou é pura dedução de quem escreveu a notícia? Se for verdade, é grave. E, pensando bem, se não for verdade, também é muito grave.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação; e-mail (carlos@brickmann.com.br)