Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A História e as histórias

Nenhum veículo escapou: as histórias saíram nos mais diversos lugares. E histórias conflitantes foram publicadas com as mesmas assinaturas.

O fato é que, de repente, começaram a pipocar notícias sobre o afastamento de dois diretores do Banco Central. Inicialmente, informou-se que o presidente Lula estava insatisfeito com as posições dos dois diretores com relação à taxa de juros e pedira seu afastamento ao ministro Palocci (que transmitiria a ordem ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles).

Logo depois, vieram as novas notícias: os dois diretores é que estariam insatisfeitos com o governo, inconformados com a barragem de criticas vindas de aliados, e por isso se afastariam. O presidente do Banco Central estaria procurando substitutos à altura e, tão logo fossem encontrados, a demissão se consumaria.

Em seguida, nos mesmos veículos de comunicação, a terceira versão do caso: o governo estaria satisfeito com o desempenho dos dois diretores, os dois diretores estariam satisfeitos com o governo, entendendo perfeitamente que críticas e ‘fogo amigo’ fazem parte do jogo, mas algo estaria pegando: o baixo salário do serviço público, muito menor do que poderiam conseguir no setor privado.

As três histórias foram amplamente publicadas, comentadas, analisadas. E a diretoria do Banco Central continua a mesma: os dois diretores que primeiro seriam demitidos, depois pediriam demissão e finalmente sairiam por causa dos salários estão lá dentro. Seria demais deduzir que nossos veículos de comunicação tomaram como boas algumas histórias que não passavam de notícia plantada?



Lei do cão no ar

Este colunista está perplexo: há apresentadores de TV recomendando aos telespectadores que se dediquem ao ramo do linchamento. Um filme peruano, em que duas senhoras são despidas pela multidão e obrigadas a entrar nuas numa fonte gelada foi exibido sucessivas vezes, enquanto o apresentador dizia que era isso que precisava ser feito também no Brasil. O filme, claro, precisava ser exibido: era a imagem de um fato. Mas repeti-lo por diversos dias? Mais curioso: numa emissora ligada a uma igreja, mulheres nuas e linchamento.

Fazer justiça com as próprias mãos é algo que o jornalista não pode recomendar. Primeiro, porque faz com que uma pessoa se sobreponha à lei; segundo, porque é nessas horas que as injustiças acontecem. Quantas mulheres foram queimadas em Salem, nos Estados Unidos, porque a multidão as acusava de ser bruxas? Quantas pessoas morreram em pogroms, perseguições religiosas no Leste da Europa? E não teria sido uma multidão que, exercendo o peculiar senso de justiça das multidões, preferiu Barrabás a Cristo?



Mas é Carnaval…

A prova de que se pode falar bobagem com base exclusivamente em fatos reais está na legenda da foto de uma belíssima mulher pelada: ‘Destaque descalça chama a atenção’. Era tudo verdade: realmente, a moça chamava a atenção. E efetivamente estava descalça – descalça de corpo inteiro.



…não me diga mais…

Há certos anúncios que doem nos olhos. Como este, na internet, que oferece um telefone de longo ‘alcançe’. E, por falar em doer nos olhos, o governo federal mantém na rodovia Fernão Dias os cartazes que chamam o ex-governador paulista Lucas Nogueira Garcez de ‘Garçês’ – assim mesmo, com cedilha e acento.



…quem é você

Meninos, eu li. Houve um acidente de carro com um casal e o fato foi noticiado numa coluna. Casualmente, informava-se que havia mais uma pessoa no carro, de nome Tereza Hermany.

Este colunista foi ao Google: a notícia foi dada com tamanha tranqüilidade que certamente deveria tratar-se de uma homônima. Mas a pesquisa não revelou outra pessoa com o mesmo nome. Então, deve tratar-se da:

** irmã de Bruno Hermany, duas vezes campeão mundial de pesca submarina, um dos maiores nomes do esporte brasileiro em todos os tempos;

** irmã de Rudolf Hermany, campeão brasileiro e pan-americano de judô, preparador físico da Seleção Brasileira de Futebol no Mundial de 1966;

** primeira mulher de Tom Jobim, mãe do maestro Paulo Jobim;

** inspiradora da canção Tereza da Praia, de Tom Jobim e Billy Blanco, sucesso na voz da dupla Dick Farney e Lúcio Alves.



Recuerdos del Guaraná

Muitas reportagens trataram da propaganda de cerveja no jogo da seleção brasileira de futebol, em Hong-Kong. Houve quem lembrasse que tanto a Ambev quanto a CBF garantiam que a seleção não seria utilizada para promover bebidas alcoólicas, e sim o Guaraná Antarctica – mas, ao mesmo tempo, lembraram que isso foi dito mas não está no contrato. Mas faltou lembrar um fato curioso: quando Brahma e Antarctica se fundiram, a versão apresentada pelas empresas foi de que estariam formando uma multinacional brasileira, que transformaria o Guaraná em produto de grande exportação. Na primeira chance real de propaganda em todo o mundo, que foi este jogo, só se fez propaganda de cerveja – inclusive de uma marca dinamarquesa.

Alô, colegas! Cadê aquela história de que a fusão não seria um cartel, mas uma forma de multiplicar as exportações de guaraná? Cadê as estatísticas de exportação, daquela época para hoje? Qual a porcentagem do mercado mundial de refrigerantes carbonatados cabia ao Guaraná, quando as empresas se fundiram, e quanto cabe hoje?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação