Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A ideologia acima de tudo

Este colunista é do tempo em que sindicato existia para defender seus associados. Essa história de sindicato atacar seus associados, insultá-los, agredir a própria profissão que diz representar, é coisa nova.

Está no boletim Últimas Notícias, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, em comentário sobre ranking de circulação.

O texto começa com uma informação falsa: diz que a Folha de S.Paulo foi por 24 anos o periódico de maior circulação no país. Besteira: a revista Veja, por exemplo, é um periódico e sua circulação é maior do que a da Folha. E continua com uma infâmia contra colegas de profissão, muitos dos quais membros do sindicato que agora os insulta: ‘A informação, que deve ter tirado o sono da famiglia Frias e de de alguns de seus ‘calunistas’ de plantão (…)’.

Calunistas? Que besteira é essa? O trocadilho que insinua serem nossos colegas fabricantes de calúnias traz alguma justificativa? Há alguma acusação objetiva? Há alguém que se sinta caluniado? Neste caso, o texto só se justificaria ao mostrar quem se sente caluniado e por qual dos colunistas. O resto é ideologia barata, de quem não sabe a diferença entre Karl e Groucho – e não conseguiu absorver o raciocínio do primeiro nem o humor do segundo.

Ideologia? Desculpe, caro colega. O Hermínio Saccheta era trotskista e jamais agrediu uma pessoa por pensar diferente dele. O Perseu Abramo era petista e nunca atacou pessoalmente um adversário político. O Audálio Dantas soube enfrentar tempos muito difíceis como presidente do nosso sindicato e nunca se deixou deslizar nessa baixaria.

O ataque aos colegas da Folha sem que se explicite o motivo não mostra ideologia: mostra falta de pensamento político, falta de educação, falta de compostura. Mostra aquele sentimento tão feio, a inveja. Nem todos podem chegar a colunistas da Folha, alguns por falta de oportunidade, outros até por injustiça. Mas o cavalheiro que escreveu a nota não poderia chegar lá, não apenas por ser incapaz de distinguir entre os vários tipos de publicação periódica, mas também por falta de conhecimento de nosso ferramental básico de trabalho, o idioma português (embora se arvore em conhecedor do italiano). Quem escreve ‘Sindicato dos Jornalista’, dispensando o plural, tem mesmo de ficar a serviço de seus chefes ideológicos. Que outro emprego poderia conseguir nesta área?

 

O silêncio dos bons

Na direção do Sindicato dos Jornalistas existem colegas com os quais este colunista não concorda politicamente (e isso, aliás, não tem a menor importância: somos amigos assim mesmo), mas cuja competência e bom-caráter não podem ser colocados em dúvida. Como é que insultos a jornalistas passaram por eles? Provavelmente não lhes foram mostrados. Profissionais como Rose Nogueira, como Denise Fon, como o próprio presidente José Augusto de Oliveira Camargo (Guto), jamais deixariam pseudo-ideólogos agredir colegas usando a máquina do sindicato. Rose Nogueira é ligadíssima ao senador Eduardo Suplicy, por muitos anos colunista da Folha. E, no entanto, isso foi feito.

 

Brincando com números

A liderança em circulação não chega a ser um dado tão importante assim, exceto para fins publicitários. Nos velhos tempos, O Globo foi o campeão de vendas, mas hoje, com números mais baixos, tem muito mais prestígio. O Jornal do Brasil nunca vendeu tanto quanto O Globo, mas era muito mais influente. O Bild vende várias vezes mais que o Frankfurter Allgemeine Zeitung, mas quem influi é o FAZ. O News of the World vende quase três milhões de exemplares aos domingos, mas quem quer dar seu recado prefere aparecer no Times ou no Guardian. Este ângulo não pode ser ignorado quando se diz que o Super Notícias, jornal belorizontino, superou em 1.203 exemplares diários a Folha.

O importante da notícia, entretanto, não é a ultrapassagem, ou a diferença de circulação, ou a diferença de preço de capa. O importante é a alegria com que alguns colegas – inclusive do sindicato ‘dos jornalista’ – receberam a informação. Tudo bem, deve haver gente que acha que um patrão é mais bonito do que outro.

Só que não é. Ah, a falta que faz um pouco de leitura!

 

Questão de tendência

De qualquer forma, cabe aos grandes jornais, que se intitulam quality papers, ficar atentos: houve época em que a informação era rara e cara, e não faz tanto tempo assim; hoje a informação é abundante e barata. A informação pode ser obtida gratuitamente – e por que pagar por aquilo que podemos ter de graça?

Vale a pena reler um livro clássico, embora anterior à internet: O papel do jornal, de Alberto Dines. Se os jornais se limitarem ao noticiário, definharão até morrer. Caso assumam corajosamente o papel de hierarquizar as notícias, buscar as conexões informativas, analisar os fatos, continuarão insubstituíveis. A internet, pela própria velocidade a que está condenada, é obrigada a buscar sempre fatos novos, mesmo que não tenha ainda conseguido colocar os fatos anteriores em seu devido lugar. Este é o papel que cabe aos jornais. E para isso os pagamos.

 

Tecnologia e vergonha

A propósito, internet é ótimo. Mas, como qualquer coisa, depende da competência e da vergonha na cara de quem fornece serviços. Veja que coisa curiosa: na sexta-feira (28/1), a Brastemp estava no terceiro lugar nos trend topics mundiais do Twitter – ou seja, era o terceiro assunto mais comentado do mundo, num dia em que o Egito estava em chamas. A Brastemp é a dona da Consul, empresa que acabava de dar uma canseira na nossa Marli Gonçalves (veja a trabalheira no seu blog). E aí surge um consumidor brigando com a Brastemp e, ao que tudo indica, com toda a razão. Reagiu como podia, via vídeo e Twitter (no mesmo blog, o filmete em que ele narra sua experiência terrível).

Ambas as empresas, Brastemp e Consul, pertencem à americana Whirlpool, gigante mundial da linha branca. Será que, com a repercussão internacional do Twitter que fala mal de suas marcas brasileiras, a Whirlpool vai se mexer?

 

A hierarquia do crime

A imprensa deixou passar quase em branco a condenação a 12 anos de prisão da professora Cristiane Barreiras, 33 anos, acusada de abusar sexualmente de uma aluna de 13 anos, no Rio. Tudo bem, lei é lei, sentença é sentença. Mas:

1. Não houve violência. Houve consentimento mútuo. A lei tem seus limites, mas há pessoas que se desenvolvem mais rapidamente do que outras;

2. A professora não matou ninguém, não vendeu drogas a ninguém. Se assassinos confessos e condenados estão livres, terão cometido crimes menos graves que o da professora homossexual?

3. Uma jovem que depois ficou famosa declarou, em entrevista, que foi ao aniversário de um artista famoso, seu ídolo, com o objetivo de perder a virgindade com ele. Na época, tinha 13 anos e o referido artista era casado. O objetivo foi atingido. A história passou batida. Mas professora com aluna não pode – terá sido por se tratar de um amor proibido, homossexual?

 

Guerra da bola

A grande fofoca esportiva deste início de ano contrapõe dois ídolos da torcida corinthiana: Ronaldo, o Fenômeno, artilheiro máximo das Copas do Mundo, e Neto, o Xodó da Fiel, fundamental para que o Corinthians ganhasse o Campeonato Brasileiro de 1990 (os dois são ídolos, mas não dá para comparar: Ronaldo é Ronaldo). Por algum motivo, Ronaldo postou em seu Twitter uma crítica à Rede Bandeirantes, onde Neto trabalha: ‘a Globo Esporte do nada faz tudo, e a Band do nada faz porra nenhuma (…)’.

Ronaldo, logo em seguida, disse que não tinha nada contra a Bandeirantes, mas que os profissionais que lá comandam programas esportivos ‘falam sem compromisso e sem responsabilidade (…) Isso que vocês fazem não é jornalismo!’

Neto reagiu duro: disse que Ronaldo precisa jogar bola, ‘coisa que não faz há muito tempo’. Até aí, tudo bem: é sua opinião de comentarista. Mas falha em seguida: ‘Quem não tem responsabilidade é você, Ronaldo. Senão, vou começar a falar aqui das coisas que aconteceram em Presidente Prudente e num treinamento dessa semana. Aí, vamos ver quem não tem compromisso’.

Assim não dá: como profissional de informações da TV, Neto, em princípio, tem o compromisso de dividir aquilo que sabe com os telespectadores. Tem o direito, também, de guardar informações que não julgue oportuno divulgar, pelos mais diversos motivos. O que não pode é guardar as informações mas ameaçar divulgá-las. Se não são divulgáveis, que não as cite; se são divulgáveis, que fale de uma vez. A ameaça tem um nome feio, que vem do francês, e está fora dos padrões da ética jornalística.

Este colunista normalmente gosta dos comentários de Neto. Às vezes, ele se torna repetitivo, parece implicar com determinado jogador, e aí fica chato; mas, em geral, vê bem o jogo, transmite com simplicidade aos telespectadores sua experiência como jogador, contribui para que o panorama da partida fique mais claro. Mas que se limite a comentários e análises: as ameaças não interessam ao público.

 

Respostas inesperadas

O grande Ignácio de Loyola Brandão, leitor assíduo desta coluna, jornalista de primeiro time e ainda por cima de Araraquara (a cidade da Berta, minha mulher), escreve lembrando que a pergunta que mais ouviu nos dias da tragédia das cidades serranas do Rio foi: ‘O que o senhor (ou a senhora) sentiu na hora?’

Este colunista recorda Oswaldo Brandão, lendário técnico de futebol, que dirigia o Corinthians em 1977 (e foi campeão, depois de dar oportunidade aos outros times durante algum tempo). O Corinthians precisava ganhar, mas perdia no primeiro tempo por 1×0. Na volta ao campo, foi submetido a uma bateria de perguntas de jornalismo esportivo explícito: ‘Por que o Corinthians perdeu no primeiro tempo?’ Brandão: ‘Porque eles fizeram mais gols’. ‘E como é que o Corinthians vai jogar agora?’ Brandão: ‘De calção e chuteira’.

Já pensou, uma pessoa que perdeu os bens, a família, que vê tudo destruído, dizer como se sentiu na hora da tragédia?

‘Foi uma experiência interessante, senhor repórter. Espero que o senhor possa vivenciá-la algum dia’.

 

Como…

De um grande portal noticioso:

** ‘Geri Halliwell lança coleção de biquíni com pernas de fora’

OK: e que é que há de novo nesta notícia?

 

…é…

Como informa um importante portal da internet:

** ‘Atentado em aeroporto de Moscou mata 31’

Título correto, normal. Mas logo em seguida vem o texto:

** ‘Incidente foi causado por terrorista suicida e há dezenas de feridos, diz governo russo’.

Incidente, com tantos mortos?

Segundo o dicionário, ‘incidente’ é um evento inesperado ‘desprovido de maior importância’.

 

…mesmo?

De um grande jornal:

** ‘Para polícia, é ‘pouco provável’ que tiros à Prefeitura do Rio tenham sido intencionais’

Claro: o sujeito estava passeando por lá, com a esposa, os filhos, a sogra, o periquito e o cachorro, e resolveu dar uns tirinhos a esmo, que acabaram indo parar na prefeitura.

 

Mundo, mundo

A notícia envolve os jogos do Corinthians com o colombiano Tolima. O primeiro jogo já se realizou e terminou 0x0. Mas o curioso é a maneira como um grande jornal noticiou as opiniões do colombiano Freddy Rincón, que hoje trabalha para o Corinthians, a respeito do jogo:

** ‘Para Rincón, Corinthians pega Atlético-PR com torcida do Goiás’

Não entendeu? Mas, no fundo, no fundo, bem no fundo, é simples. Rincón disse que o esquema de jogo do Tolima é semelhante ao do Atlético Paranaense, de Curitiba. E que, quando o Tolima joga na Colômbia, sua torcida parece a do Goiás. As explicações estão no terceiro e no sétimo parágrafo da matéria.

Agora ficou mais simples, não é mesmo?

 

E eu com isso?

Tragédia, corruptos espalhados pelo país, sindicatos xingando seus associados – não, certamente existe um mundo melhor.

** ‘Ex-fazendeira Geisy Arruda desmente gravidez no twitter’

Ex-fazendeira? Simples: ela participou do programa A Fazenda.

** ‘De férias no Caribe, Maitê Proença diz que não tem Twitter’

** ‘Alemão chama a polícia porque não quer mais fazer sexo com a mulher’

** ‘Mulher pede divórcio na Itália após marido levar a mãe na lua de mel’

** ‘Charlie Sheen vai a hospital por ‘rir demais’’

** ‘Lady Gaga quer perfume com aroma de sangue’

** ‘Britânicas desperdiçam R$ 4,2 bilhões em roupas que nunca usam, indica pesquisa’

** ‘Pete Wentz anda com calça rasgada e deixa cueca à mostra’

** ‘Mulher se irrita com prisão do irmão, mostra bumbum e também vai presa’

** ‘Courtney Love entra em carro errado na saída de boate’

 

O grande título

Há títulos curiosos:

** ‘Mulher cachorra morde a amiga e marca território’

Ou a comparação do SBT com um avião:

** ‘SBT sofre pane e cai durante sete minutos’

E há um excelente título, daqueles meio incompreensíveis (e a explicação é ainda melhor:

** ‘Título do filme de título do filme de Capitão América é censurado em alguns países’

Esquecendo a repetição: Rússia, Coréia e Ucrânia, entre outros, rejeitaram o título original Captain America: the first avenger (‘Capitão América: o primeiro vingador’)

Questão de nacionalismo: o título lá ficou sendo The First Avenger.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados