Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A pressa é amiga da imprecisão

Antes do almoço, todos os principais noticiosos da internet informavam que o técnico do Fluminense, Muricy Ramalho, rejeitara o convite para treinar a Seleção. Esquisito: esses convites só costumam ser anunciados previamente quando se tem a certeza de que o convidado vai aceitar. Desta vez foi diferente. Mas vejamos os títulos:

** ‘Muricy Ramalho vai cumprir o contrato, diz presidente do Flu’

** ‘Apesar do convite da CBF, Flu não libera Muricy’

** ‘Muricy diz não à Seleção’

Depois do encontro entre Muricy e Ricardo Teixeira, confirmado o convite e a rapidíssima aceitação, a imprensa preferiu não levar em conta uma ressalva feita pelo técnico: a de que aceitaria se os dirigentes do Fluminense, com quem assinou contrato há pouco tempo, concordassem com sua saída. Vejamos os títulos:

** ‘Muricy Ramalho é o novo técnico da seleção

** ‘Substituto de Dunga, Muricy já ganhou apelido de `Zangado´’

** ‘Muricy busca inspiração em mentor Telê Santana’

** ‘Discípulo de Telê Santana, Muricy Ramalho chega à seleção’

** ‘Muricy Ramalho é o novo técnico da seleção’

** ‘Mesmo surpreso, Cuca aprova Muricy na seleção’

** ‘Colunistas aprovam escolha de Muricy’

Houve espaço até para um daqueles erros de português que ainda vão acabar virando acertos, de tanto que a imprensa neles insiste:

** ‘Muricy: mau humorado, experiente e vencedor’

Mal humorados devem ficar os redatores, tentando tornar reconhecível a Última Flor do Lácio, cada vez mais inculta e menos bela.

E, enfim, que é que aconteceu?

Aconteceu que os dirigentes do Fluminense não concordaram com a saída de Muricy. O técnico, considerando-se livre do compromisso com a Seleção, foi treinar o, como se dizia antigamente, Tricolor das Laranjeiras. A imprensa, que apostava há tempos em Mano Menezes, abandonou a aposta na informação correta para focar apenas Muricy, mesmo depois que ele rejeitou o convite. Houve jornais que, no domingo, ainda consideravam Mano Menezes apenas uma possibilidade. E Sua Excelência, o Consumidor de Informação, o cavalheiro ou a senhora que paga nossos salários, esse continuou um bom tempo sem saber no que é que deve acreditar.

 

Ao rés do chão

Tudo começou como uma brincadeira: um site que defende a candidatura Dilma Rousseff criou uma página heterodoxa do jornal baiano A Tarde e inventou a manchete ‘Serra: vou criar o Ministério do Acarajé’. Imediatamente, virou verdade: blogs e sites petistas a usaram para criticar o candidato tucano. A falsa notícia enganou os editores do Blog da Dilma e do Amigos do Presidente Lula. Saiu no sábado (17/7), saiu no domingo, e só na segunda à tarde (19) se divulgou que era uma invenção. Aí a tática mudou: os petistas (que tinham caído no truque) tentaram ridicularizar os tucanos, que também caíram, dizendo que desde o início eles sabiam de tudo.

Não, não sabiam. Mas o problema principal não é este: é que, com a internet, que expandiu o universo de quem pode se manifestar, houve mudanças importantes na área da comunicação. É preciso aprender a lidar com isso – tanto em termos jornalísticos quanto no da responsabilidade legal pelo que é divulgado. Gostemos ou não, o mundo agora é outro.

 

No bom caminho

Liberdade de expressão é fundamental; também é fundamental que a liberdade de expressão seja exercitada com responsabilidade. Já bastam os comentários falsos atribuídos a personagens de alta credibilidade como Marília Gabriela, Paulinho da Viola e Millôr Fernandes. Os valentes anônimos que se multiplicam nos comentários da internet são perfeitamente dispensáveis. Quem quiser insultar, agredir, ofender, que o faça, mas assumindo a responsabilidade.

Há literatos anônimos que defendem Hitler, o Ato Institucional nº 5, a tortura; que atacam etnias e religiões; que defendem a morte de seus adversários ideológicos. Isso só acontece porque estão protegidos por aquilo que chamam de nicks – os nicknames, apelidos atrás dos quais se escondem.

Nos Estados Unidos, a prevenção a esse tipo de abuso já começou: há uma série de sites que, mantendo o espaço aberto a todo tipo de manifestação, exige de seus comentaristas que se identifiquem. O Sun Chronicle, de Massachusetts, checa a identidade pelo número do cartão de crédito. O Buffalo News faz checagens diretas, exigindo que os comentaristas forneçam dados que permitam confirmar sua identidade. ‘Os comentários anônimos são com frequência racistas e sexistas’, diz Margareth Sullivan, do Buffalo News, e podem ‘derrubar o teor e a reputação do site’.

No Brasil, tudo depende do editor. Gustavo Chacra, que tem um primoroso blog sobre política internacional, leitura obrigatória para quem quer estar bem informado, proíbe formalmente o racismo e a falta de urbanidade.

‘Comentários islamofóbicos, anti-semitas e anti-árabes ou que coloquem um povo ou uma religião como superiores não serão publicados. Tampouco ataques entre leitores ou contra o blogueiro. Pessoas que insistirem em ataques pessoais não terão mais seus comentários publicados. Não é permitido postar vídeo. Todos os posts devem ter relação com algum dos temas acima. O blog está aberto a discussões educadas e com pontos de vista diferentes’.

A frase ‘todos os posts devem ter relação com algum dos temas acima’ pode parecer redundante, mas não é: vá a qualquer blog sobre futebol e achará discussões acirradas, em textos enormes, entre petistas e tucanos.

Ricardo Kotscho não é tão explícito quanto Chacra, já que não publica sistematicamente a lista do que não permite, mas age da mesma maneira correta: gente mal-educada, ‘os cachorros loucos’, ficam de fora. E está certo: se o que se quer, com a liberdade propiciada pela internet, é expor todos os pontos de vista sobre uma determinada questão, o insulto, os preconceitos e a grosseria impedem que se faça luz.

 

A prepotência e o risco

A reportagem da Folha de S.Paulo a respeito dos políticos que guardam dinheiro em casa foi amplamente criticada. Alegação: num país onde a violência urbana é temida, como garantir a segurança de um político que, conforme revela o jornal, tem grande soma de dinheiro em casa?

Certo – mas há alguns pontos extremamente favoráveis à reportagem.

1. O jornal não está revelando nada de novo. Quem informou que tem dinheiro em casa foi o político, na declaração de bens entregue à Justiça Eleitoral. O jornal apenas republica essa informação – dando-lhe, porém, é preciso reconhecer, mais repercussão.

2. Todo mundo sabe que, salvo raras exceções, esse dinheiro em casa não existe. É um colchão, uma almofada, uma maneira de acochambrar situações em que o político acaba dono de recursos que de outra maneira não teria como justificar. Ou o caro colega acha que certos políticos, capazes de exigir de seus assessores que lhes destinem parte do salário que recebem, desistiriam de receber juros pela aplicação das economias que tanto esforço fazem para amealhar?

3. Vamos ao caso de maior repercussão de todos: Eduardo Requião, que o irmão (o governador paranaense Roberto Requião, agora candidato ao Senado pelo PMDB) nomeou superintendente do Porto de Paranaguá, denunciou uma empregada doméstica à polícia por ter-lhe subtraído discretamente, ao longo do ano, nada menos de 180 mil dólares (na verdade, pelas contas da empregada, foi mais). Imagine quanto dinheiro estava no colchão da casa para que seu proprietário só percebesse a subtração quando, pelas suas contas, atingiu os 180 mil dólares!

Transparência, pois. Também se pode lutar pela modificação da lei – ou para que se torne desnecessária a entrega da relação dos bens à Justiça Eleitoral, ou para que essa relação seja incluída entre os documentos sigilosos. Se bem que documentos sigilosos, no Brasil, são aqueles que a imprensa recebe em casa, sem precisar pesquisar para buscá-los.

 

O destruidor do sigilo

Quem revelou os fatos mais importantes sobre a quebra do sigilo fiscal do dirigente tucano Eduardo Jorge foi o jornalista Cláudio Humberto. Primeiro, revelou que o vazamento saíra de São Paulo; em seguida, deu o nome da funcionária da Receita que estava sendo investigada. A trilha aberta por Cláudio Humberto foi seguida por toda a imprensa. Mas, talvez porque o caso envolvesse sigilo, só a Rede Globo citou o nome do jornalista. Todos os demais veículos preferiram fingir que o nome da moça havia caído do céu, beneficiando igualmente a todos, e mantiveram o nome do jornalista responsável pelo grande furo de reportagem no mais rigoroso sigilo.

 

Horror, horror, horror…

O conglomerado Ongoing (Brasil Econômico, Grupo O Dia) resolveu inovar no marketing para lançar o jornal carioca Meia Hora em São Paulo. Primeiro, mandou às redações uma certa quantidade de leite, de pão fresquinho e de jornais, buscando lembrar a tradição da entrega na porta de casa do leite, do pão e do jornal. Estranho: este colunista, em quase 50 anos de imprensa, não conheceu muitos jornalistas habituados a tomar leite. Quanto ao pão, OK, acompanha bem os tira-gostos. Mas o que colocar nele?

A segunda estratégia de marketing é mandar para blogueiros e colunistas uma quentinha com o prato do dia – virado à paulista, bife rolê, feijoada, macarrão etc. Na porta dos botecos, expõe-se uma capa do jornal, com a manchete fazendo relação com o prato do dia. Por exemplo (acreditem: este colunista viu a foto!), ‘Todo Paulista é Virado’. O grupo Ongoing, de origem luso-carioca, talvez esteja cometendo um engano. E quem é que enfrentaria um prato definido pela manchete como ‘Porco Esquartejado e Enterrado na Farofa’?

Certa vez, comentando uma excelente fabricante de produtos de informática, um publicitário de primeira linha disse que o problema que enfrentavam para crescer não era o produto, nem a pós-venda, mas o marketing. E brincava: eles definem o sushi como uma fatia de cadáver de peixe com arroz frio envolta numa folha de planta marinha.

Quem conhece este colunista sabe que ele não é de enjeitar um bom prato. Mas enfrentar a manchete ‘Esvaziamos o bucho do boi para encher o seu’, referindo-se à dobradinha, acaba sendo meio demais.

 

Tudo novo

Atenção para o reformuladíssimo Diário de S.Paulo: depois da trágica experiência de acariocação do Diário Popular, que derrubou pelo menos 2/3 da circulação, a Traffic mexe ali para valer, buscando retomar seu tradicional rótulo de Rei das Bancas. A reforma, capitaneada por um jornalista de primeira linha e muita experiência, Leão Serva, ex-Folha de S.Paulo, ex-Jornal da Tarde, é ousadíssima: um só caderno, com formato entre tablóide e berliner, todo o noticiário distribuído por apenas três editorias, busca incessante do que chamam de pós-noticioso – traduzindo, parar de publicar no dia seguinte aquilo que a internet, o rádio e a TV deram na véspera, e oferecer ao leitor informações novas e articuladas a partir daquilo de que ele já tomou conhecimento.

Até a disposição física da Redação mudou: agora, a mesa da chefia fica no centro e as editorias distribuídas em volta, de maneira a recuperar a comunicação permanente entre os profissionais, um item importante de interação jornalística que a imprensa havia abandonado. Se der certo, será uma revolução. E tem tudo para dar certo.

 

Sempre novo

Vale a pena acompanhar o Diário do Comércio de São Paulo – por incrível que pareça, um excelente jornal editado por uma entidade de classe, patronal, a Associação Comercial. Moisés Rabinovici, de ampla experiência jornalística, comanda o jornal, sempre buscando o fato novo. Ou transformando em fato novo aquilo que é muito antigo. Foi no Diário do Comércio que saiu uma boa reportagem sobre o fechamento do Jornal do Brasil, com muitas entrevistas, informações, side stories, com a diagramação do velho JB. Valeu a pena.

 

Como…

De um grande portal noticioso:

** ‘Mulher esconde rosto com cuecas para assaltar McDonald´s nos EUA’

De outro grande portal noticioso, noticiando o mesmo fato:

** ‘Mulher usa calcinha como máscara em roubo a restaurante nos EUA’

Aconteceu em Oklahoma. E a imprensa local ainda não sabe a diferença entre cuecas e calcinhas. É simples: depende de quantos dólares cabem em cada peça.

 

…é…

De um grande jornal:

** ‘Primo de Bruno confirma participação de menor em suposto sequestro de Eliza’

Bom, se o menor participou, o sequestro não é suposto. Ou então o suposto menor foi supostamente denunciado pelo suposto primo e supostamente ninguém vai conseguir descobrir o que é que aconteceu.

 

…mesmo?

Da internet, que nunca nos falha:

** ‘Homem é preso com 18 micos dentro da roupa’

O fato, ocorrido na Cidade do México, esclarece uma velha dúvida brasileira: vai ver que o assessor, aquele, que nunca esclareceu a origem do dinheiro, obteve os 100 mil dólares vendendo os micos que guardava na cueca.

 

Mundo, mundo…

Larissa Riquelme está cada vez mais sul-americana: é paraguaia, tem nome de craque argentino e agora torce para o Peru. Promete ficar pelada se o Peru vier à Copa de 2014. Por enquanto, tudo bem: a situação só vai ficar difícil, decepcionando sua legião de fãs, quando ela resolver torcer pelo Suriname.

 

…vasto mundo

Acontece: um casal que fazia sexo na janela de um sobrado em Lubeck, na Alemanha, acabou caindo de cinco metros de altura. A moça diz que estavam apenas brincando, os vizinhos garantem que não era brincadeira, não. Só uma coisa é certa: no tombo, um dos dois se machucou mais do que o outro.

 

E eu com isso?

Para hoje, algumas notícias de uma série que este colunista muito aprecia: ‘Os ricos também choram’.

** ‘Eike Batista fica sem gasolina no Porsche e reclama no Twitter’

** ‘Lindsay Lohan está na mesma prisão que a mulher que invadiu sua casa’

Há o noticiário da vida vibrante dos ricos e famosos:

** ‘Sandy toca berrante em festa de Chitãozinho & Xororó, em Campinas’

** ‘Galisteu joga baralho em spa enquanto espera por Vittorio’

** ‘Amy Winehouse é fotografada chupando o dedo’

** ‘Carol Dieckmann se lambuza com o filho na porta do cinema’

** ‘Letícia Spiller está grávida do seu segundo filho’

E um pouco de vida safada:

** ‘Em jogo de futebol na lama, atletas mostram as nádegas para o público’

Agora, a safadeza: o jogo foi na Finlândia, em Hyrynsalmi, entre os times do Makulan Suo e Laakeri. Tente ler rapidamente esses nomes!

** ‘Enrique Iglesias estica sua calça, tira foto e entrega máquina para fã’

A foto foi tirada por dentro da calça. O jornal perdeu o título ‘olha o passarinho!’

 

O grande título

A diversidade é grande. Comecemos pelo bizarro:

** ‘Policial pede demissão após largar plantão para ver atriz pornô anã’

Complemento informativo: a atriz é Bridget Powers.

Passemos por um daqueles notáveis títulos que não couberam no espaço e acabaram sendo publicados assim mesmo:

** ‘Traída de Sorocaba cobra R$ 100 mil para dar’

Mas nada supera o grande título sobre a redução do preço de um remédio:

** ‘Viagra abaixa’

Impecável.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados