Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A primeira vítima, como sempre, é a verdade

A frase é atribuída ao senador americano Hiram Johnson: numa guerra, a primeira vítima é a verdade. A guerra não precisa ter tiros: pode ser também guerra ideológica. E a mentira não precisa ser completa (embora às vezes seja, como um diálogo inventado, e divulgado como se fosse real, entre um delegado e seu prisioneiro): às vezes, basta caprichar no destaque e um texto que pode ser ou não verdadeiro, publicado numa revista estrangeira de posição partidária definidíssima, vira verdade divina e passa a provocar repercussões e explicações que, a propósito, também não são lá muito verdadeiras.

A revista colombiana Cambio, estreitamente ligada ao governo de Bogotá, divulgou uma série de e-mails que teriam sido trocados entre dirigentes das Farc e membros do governo Lula. Fonte da informação, segundo a revista: o computador do falecido narcotraficante Reyes, morto no ataque colombiano a um acampamento das Farc no Equador. Pode ser que os e-mails estivessem no computador, pode ser que não; pode ser que tenham sido transcritos corretamente, ou não; pode ser que tenham sido escolhidos trechos tirados do contexto, ou não. Há uma notícia, sem dúvida; mas endossá-la e dar manchete é outra coisa. Como diria uma eminente personalidade brasileira, ‘menas, menas’.



O acerto que falta

Por falar em mentira, a turma que anda disfarçando a verdade bem que poderia combinar melhor para não ficar tão feio. A demissão de Jorge Rachid, por exemplo, virou uma grande piada: o governo divulgou publicamente que o secretário da Receita Federal se afastava ‘a pedido’, enquanto Rachid dizia a quem quisesse ouvir que tinha sido demitido, e com areia. Rachid está certo: foi demitido. Só não se sabe se a demissão se deveu a uma briga com Nélson Machado, o todo-poderoso secretário-geral do Ministério da Fazenda, a uma divergência relativa ao tratamento de uma empresa toda-especial ou à necessidade de ocupar o cargo com um companheiro mais compreensivo com relação a nomeações.



Os números, os fatos

Publicar pesquisas é importante (mesmo agora, tão longe do horário gratuito); mas mais importante ainda é traduzir as pesquisas, de maneira a torná-las inteligíveis ao consumidor de notícias que não é sociólogo. E algumas coisas estão passando batidas. Um bom exemplo é São Bernardo do Campo, berço do PT: ali, os petistas escolheram como candidato seu líder mais conhecido, sindicalista de prestígio que chegou ao ministério de Lula, conseguiram-lhe o apoio de um ex-prefeito que já ganhou duas eleições na cidade, e estão em terceiro na pesquisa.



Caindo

Tudo bem, o adversário do ex-ministro Luiz Marinho é Orlando Morando, que tem apoio do prefeito William Dib, especialista em derrotar o PT no primeiro turno. Mas terceiro lugar? Que terá acontecido com o PT para perder seu primeiro reduto? É a informação que falta nos nossos meios de comunicação.



Volta discreta…

Por falar em informação que falta, o triunfal retorno de Delúbio Soares às campanhas políticas não mereceu qualquer destaque. ‘Nosso Delúbio’, antigo tesoureiro nacional do PT, derrubado no escândalo do mensalão, está na campanha da reeleição de Íris Rezende (PMDB) à prefeitura de Goiânia. Indicou o vice de Íris, o petista Paulo Garcia (que, se Íris resolver disputar o governo goiano, ficará na prefeitura por mais da metade do mandato). Delúbio já foi a comícios e disse a O Popular só os jornais de Goiânia cobriram seu retorno – que está participando da campanha. Expulso do PT, ele pensa em entrar no PMDB. Detalhe: Íris, hoje apoiado pelo PT, foi ministro de Fernando Henrique.



Porta-voz sem voz

Outra notícia que está faltando é a de Roraima – aquela do procurador-geral do estado envolvido no crime de pedofilia. A Polícia Federal seguiu o procurador três vezes até o motel, sempre acompanhado por crianças de nove e doze anos; em nenhuma das vezes interveio, permitindo que os estupros se consumassem. O delegado se limitou a filmar, ‘para não atrapalhar as investigações’.

A notícia foi divulgada e rapidamente sepultada, como se não fosse uma das mais escandalosas desses dias. Mas João Alckmin, radialista de São José dos Campos, quis checar com a própria Polícia Federal se a atitude do delegado não poderia ser encarada como prevaricação – omissão no exercício do cargo. Telefonou para a assessoria de imprensa da PF em São Paulo, e o assessor nem se identificou: disse-lhe para divulgar a notícia como quisesse. E bateu o telefone.



Rir, rir, rir

O governador do Rio, Sérgio Cabral Filho, considerou ‘gravíssima’ a ameaça de traficantes armados a jornalistas que cobriam a campanha do candidato Marcelo Crivella na favela de Vila Cruzeiro. Cabral garantiu que fatos como esse ‘tornam evidente a necessidade de combater sem tréguas a criminalidade’.

Lindo, não é mesmo? Que postura desassombrada! Talvez um pouco tardia, entretanto: foi em Vila Cruzeiro, a mesma Vila Cruzeiro, que o jornalista Tim Lopes foi torturado e assassinado pela quadrilha do traficante Elias Maluco. Se é para combater o crime sem tréguas, por que o combate demorou até agora?



Do verbo ‘hajir’

Depois alguns colegas ficam espalhando pela internet frases atribuídas ora ao presidente Bush, ora ao presidente Lula, ora a alunos que acabaram de prestar vestibular, com erros grotescos. Não dá para reclamar: um colunista famoso, de um importante veículo de comunicação, divulgou desta maneira um diálogo entre o ex-presidente George Bush e seu filho, o atual presidente George W. Bush:

** ‘Quem você pensa que é, um Kennedy? Você é Bush, haja como um!’

Este colunista vai consultar o professor Pasquale para esclarecer uma dúvida: este ‘haja’ é do verbo ‘hagir’, do verbo ‘hajir’ ou do verbo ‘hajar’?



Unidade, unidade

E há um excelente anúncio num veículo de muito prestígio, que se refere à ‘Assossiação Comercial’. Falta uniformidade, será que ninguém percebe? Ficaria melhor como ‘Assossiassão Comerssial’, talvez com cedilhas sob os ‘s’.



Quançadícimo

Outro anúncio, também num título de grande prestígio:

** ‘Cançado do seu chefe? Descubra o Coaching! E atue na carreira que mais cresce no mundo.’

Escrevendo desse jeito, é melhor esquecer o coaching, por mais que a carreira esteja crescendo, e se dedicar ao velho esporte de puchar o çaco do xefe. ‘Fassa do çaco de seu xefe o corrimão da ezcada da vida!’



Como…

Está num jornal grande:

** ‘Viatura é atacada a tiros no Rio e fere dois PMs’

É o que dá permitir que a viatura ande armada: certamente reagiu quando atacada e, ruim de pontaria, acabou acertando gente que não tinha nada com isso.



…é…

Também de um jornal importante:

** ‘Desmatamento na Amazônia cai, diz Inpe’

Que coisa boa! Será que a floresta está se recuperando e se enchendo de mognos, peixes-bois, botos cor-de-rosa, onças pardas e, quem sabe, os micos-leões dourados que migraram da Mata Atlântica? Não é bem assim: a área desmatada cresceu. O que caiu, segundo o Inpe, foi o ritmo do desmatamento.



…mesmo?

** ‘Benito di Paula tem o filho no palco e conquista novas gerações’

O que é a velocidade da vida moderna: este colunista nem sabia que Benito estava grávido!



Superespecializado

Há certos setores da comunicação com público mais ou menos constante. Rock, por exemplo; ou esporte. É aí que se esquece a velha norma, de fazer com que as notícias sejam inteligíveis para todos. Vira um circuito fechado, com especialistas falando para especialistas. Dois grandes exemplos:

** ‘Com `chifres´, Kovalainen é mais rápido que Massa em Jerez’

Não, não deve ser o que este colunista e outros seres maldosos estão pensando: que Kovalainen só corre bem quando a namorada, ou esposa, o acompanha. Deve ser outra coisa, claro. Além do mais, Heikki Kovalainen é finlandês, não escandinavo. É pouco provável que tenha qualquer ascendência viking.

** ‘Muricy, 300, festeja sucesso comercial do São Paulo sob seu comando’

Pergunta a leitora Eunice Dornelles, pouco afeita a leituras esportivas: ‘Serão os 300 de Esparta? 300 anos? Para quem não segue futebol, como eu, a dúvida foi cruel!’

A leitora só comete um engano: em alguns meios de comunicação, o futebol é apenas um pretexto. Importante é lembrar que, quando o time X enfrenta um adversário em que a maioria dos jogadores tem um ‘p’ no nome, costuma empatar. E que tem uma coisa com outra? Nada, uai!



E eu com isso?

Mas façamos como Dunga: deixemos o futebol de lado. Vamos àquelas notícias sem as quais, hoje em dia, não podemos viver:

** ‘Cão reincidente vai à Justiça na Índia por causar tumulto’

** ‘Tais Araujo chega sem namorado em festa no Rio’

** ‘Regiane Alves toma suco com amigas na Barra da Tijuca’

** ‘Adriane Galisteu leva namorado a pré-estréia de peça’

** ‘Julia Roberts leva cachorro à praia

E que cachorro!



Os grandes títulos

Há títulos que permitem várias leituras, como este:

** ‘`Agora é para valer´, diz meia rumo a Pequim’

O sr. Sapato não quis se manifestar.

E há um título imbatível, de um jornal de muito prestígio:

** ‘Maioria dos carros do DF circula apenas com um motorista’

Falta um detalhe nessa informação: se a maioria circula com apenas um motorista, com quantos motoristas circulam os demais carros?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados