Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A voz rouca do estádio

O grande tema dos Jogos Pan-Americanos foram as vaias do Maracanã ao presidente Lula. Os meios de comunicação se surpreenderam: Lula é bem avaliado nas pesquisas e não foi atingido pelos problemas que ocorreram em seu governo. Mas as vaias do Maracanã não foram surpresa, não.

Nélson Rodrigues já dizia que o Maracanã vaia até minuto de silêncio. E o próprio Lula já foi vaiado num estádio, quando sua presença foi anunciada no Morumbi, durante um jogo entre Vasco e São Paulo. Tirando o ditador Emílio Médici, aplaudido na década de 1970, estádio de futebol não é para presidentes – e o Maracanã, muito menos.

A vaia, em si, não significa muito, apesar da alegria com que foi recebida pela imprensa de oposição. Mas tem seu valor: mostrar a Lula, por exemplo, que sua blindagem contra escândalos não é invulnerável. A vaia deve ter abalado um pouco a auto-estima da turma do ‘nunca antes neste país’. E serviu – talvez seu papel mais importante – para que aquela imensa multidão de assessores presidenciais ocupe seu tempo analisando o que aconteceu. Antes isso do que ficar pensando besteira e imaginando novas maneiras de chatear o próximo.

Notícia, não: opinião

Os blogs, colunistas, missivistas e internautas ativistas anti-Lula estão em alfa com a vaia no Maracanã. Mas não são os únicos que pensam com o fígado – talvez por ignorar que o raciocínio não é função hepática. A portaria do governo sobre classificação dos programas de TV por faixa etária fez surgir, entre os blogs, colunistas, missivistas e internautas ativistas pró-Lula, uma simpatia quase inocultável pela censura. Uma frase chamou a atenção deste colunista: ‘Blogs da extrema direita também comemoraram a nova portaria, que teria afastado os riscos de ‘censura’ à liberdade de expressão’. Gente, e desde quando a extrema-direita é favorável à liberdade de expressão? Desde quando a extrema-direita é contra a censura?

Quinta Sinfonia

Rádio, tevê, jornais, Internet, está quase insuportável o abundantíssimo noticiário: é só Pan, Pan, Pan, Pan. Talvez, perdido entre tantas modalidades atléticas, este colunista tenha deixado passar algo importante: cadê o caos inevitável, tão noticiado antes dos jogos, provocado pelo atraso das obras, por defeitos nas construções, pelo caos aéreo? Não aconteceu nada disso e ninguém está nos contando por que aquelas previsões horrorosas não se realizaram.

O homem da vez

Uma pergunta: se o coordenador do Pan, Carlos Arthur Nuzman, fez tudo errado, por que é que a festa do Pan está dando certo?

Dinheiro? Envelope?

A Polícia vazou, a Globo deu, todos seguiram: afirmaram que uma diretora da empreiteira Gautama levou um envelope pardo com R$ 100 mil ao visitar um assessor do ministro das Minas e Energia. Ao deixar o prédio, saiu sem envelope. O envelope tinha ficado com o assessor. A notícia contribuiu para derrubar o ministro das Minas e Energia.

Só que não era bem isso. O próprio vídeo que a Globo exibiu, como base da notícia que todos os meios de comunicação copiaram, não mostrava envelope nenhum. Embora as imagens tivessem sido cedidas a toda a imprensa, ninguém notou esse pequeno detalhe. E, se envelope houvesse, nele não caberiam os R$ 100 mil citados. O laudo do professor Ricardo Molina, da Unicamp, é definitivo. O problema é que o dano causado à imagem pública do ex-ministro de Minas e Energia por essa notícia é, provavelmente, também definitivo.

A volta do nariz-de-cera

Como os meios de comunicação se comportaram quando saiu o laudo do perito Ricardo Molina? Poderiam tê-lo contestado; poderiam ter-se desculpado junto a seu público, por ter informado erradamente. O consumidor de notícias, sem dúvida, mereceria uma explicação convincente sobre o que aconteceu.

Mas a reação foi outra: diante da inexistência do envelope, a Polícia Federal passou à imprensa a informação de que o dinheiro tinha sido levado na bolsa da diretora da Gautama. O começo-padrão das reportagens que se seguiram foi algo como ‘Polícia Federal desmonta a defesa da empreiteira’.

Em primeiro lugar, as fontes que deram a nova informação são as mesmas que deram a informação antiga (e falsa). Só este fato já seria suficiente para relativizar os vazamentos seguintes. Segundo, as imagens não mostram dinheiro na bolsa. Trata-se de uma suposição policial (que pode ser bem embasada, pode ser verdadeira, mas não é ainda um fato incontestável).

E, finalmente, ao abrir o noticiário com a informação de que a polícia desmontou a defesa da empreiteira, os meios de comunicação tomaram partido. Em vez de abrir com o fato, abriram com sua opinião sobre ele. Isso tem ocorrido com certa freqüência: a denúncia X ‘complica’ (ou ‘complica ainda mais’) a situação do acusado de alguma coisa. Não importa que a denúncia X (que até pode, posteriormente, revelar-se verdadeira) não traga elementos de prova: o que importa é mostrar que o alvo está em dificuldades ainda maiores. Como diz o provérbio português, ‘cão danado, todos a ele’.

É a volta do nariz-de-cera – um vício jornalístico que se julgava abolido desde a reforma editorial do Jornal do Brasil, já lá se vão uns cinqüenta anos.

O lobo e o cordeiro

Se não estava no envelope, estava na bolsa. Se não estivesse na bolsa, estaria em outro lugar – dentro do casaco, por exemplo, Ou no sutiã (não houve um que levou dinheiro na cueca)? Ou nos sapatos. Como dizia o lobo ao cordeiro, se não era ele, então era seu pai, ou seu avô. As fábulas de La Fontaine continuam sendo de grande utilidade.

Bom exemplo

Não se pode, num caso como estes, esquecer o papel de Mário Magalhães, o ombudsman da Folha de S.Paulo: ele protestou, publicamente, contra os meios de comunicação que se referiram ao envelope inexistente, mesmo tendo as imagens à disposição. E batizou o que aconteceu com a imprensa, após a reportagem da Globo que todos copiaram: o efeito-manada.

O grande cerco

O procurador-geral do Equador, Xavier Garaicoa, ameaça expulsar a Petrobras. O presidente da Bolívia, Evo Morales, expulsou uma empresa privada brasileira, tomou as concessões da Petrobras, ocupou militarmente suas refinarias. O presidente venezuelano Hugo Chávez deu apoio técnico a Morales, garantindo que, onde o know-how da Petrobras fizesse falta, a Petroleos de Venezuela resolveria o problema. Um candidato forte à presidência do Paraguai promete agir contra os interesses brasileiros em Itaipu. E Evo Morales exige informações sobre um projeto energético em território brasileiro, as usinas no rio Madeira.

Nosso jornalismo está deixando passar batida essa ofensiva contra interesses brasileiros. Boas reportagens poderiam mostrar se essa ofensiva é conjunta, combinada entre os presidentes Rafael Correa, do Equador, Evo Morales, da Bolívia, e Hugo Chávez, da Venezuela. Poderiam mostrar se o problema é político ou se as reivindicações são puramente econômicas. E, se bem-feitas, poderiam mostrar se los vecinos têm ou não bons fundamentos para suas exigências.

Armas na mão

Matérias sobre problemas econômicos entre países latino-americanas poderiam, finalmente, esclarecer uma dúvida: as maciças compras de armas pela Venezuela (24 caças supersônicos Sukhoi SU-30 Super Flanker, cinco submarinos nucleares russos, cem mil fuzis, etc., etc., etc) se destinam a qual inimigo?

Cadê o Manual?

A reportagem é sobre um carro produzido na Áustria. E o chama, insistentemente, de ‘carro alemão’.

Como este carro tem TV a bordo, o texto diz que a sogra do proprietário ‘vai agradecê-lo’.

Está bem, está bem: nem todo mundo estudou regência no ensino fundamental. Nem regência una, nem regência trina, quanto mais regência verbal! É claro, convenhamos, que uma gramática é de leitura cansativa. Mas o pessoal poderia, pelo menos, consultar o Manual de Redação. Em todos existe um bom capítulo sobre regência verbal. Ensina direitinho a diferença entre ‘agradecer-lhe’ e ‘agradecê-lo’, ou qual a forma correta entre  ‘vou procurá-lo’ e ‘vou o procurar’ (sim, tem saído muito!). E não dá tanto trabalho assim.

Se a gente quiser, escapa de manuais e gramáticas. É só dedicar algum tempo, todos os dias, à leitura de bons autores. Mas aí talvez seja pedir demais.

E eu com isso?

Este colunista está pensando em escrever com mais freqüência. Com isso, poderá suprir a insopitável fome de informações sobre os famosos (aquelas pessoas iguaizinhas às outras que aparecem em revistas de famosos, que por sua vez os procuram porque se tornaram famosos). Vejamos as novidades:

** ‘Fergie instala mastro em casa para fazer strip-tease’

** ‘Miss mostra supostas fotos comprometedoras na TV’

** ‘Ellen Jabour é amante de jóias’

** ‘Susana Werner leva filho para curtir praia carioca’

** ‘Famosos vão a inauguração no Rio de Janeiro’

Entre estes famosos, a propósito, havia cinco de que este colunista nunca ouviu falar.

A grande legenda

Ana Paula de Oliveira, a bandeirinha, mereceu a seguinte legenda:

** ‘Bandeirinha deixa calcinha à mostra em festa em SP’

Curioso: quando posou para Playboy, Ana Paula deixou muito mais que a calcinha à mostra. E ninguém fez legenda sobre isso.

O grande título

Nesta semana, um campeão absoluto:

** ‘Motorista bêbado volta para casa com cadáver no pára-brisas nos EUA’

Devia estar tão bêbado que nem precisava enxergar o caminho!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados