Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A favelização crescente e o risco de explosão


** Alberto Dines – Paulo Motta, o que fez o Globo, de repente, se lembrar do assunto e ser forçado a dedicar tanto espaço e tanta atenção e tanto até cuidado com a questão da favela?


** Paulo Motta – Isso começou com o jornal reconhecendo que cobre mesmo favela quando tem algum problema do tráfico, da violência, e quando tem também a questão de enchentes e desabamentos. Começamos a ver que em muitas cartas ao Globo, dias seguidos, as pessoas reclamavam do crescimento da favela, de problemas relacionados a favela. Então chegamos a conclusão de que a favela, a favelização da habitação popular no Rio e no Brasil em geral é uma questão muito importante, e os jornais não discutem, não trazem esse debate. É uma questão tão importante que tem repercussões na área social, na área urbanística, política, na área ambiental, quer dizer, principalmente no Rio de Janeiro, ao contrário de outras cidades, onde as favelas não estão no núcleo urbano, mas nas periferias.


Então para nós foi importante levar essa questão adiante porque, a meu ver, o Rio não pode se tornar um grande favelão. Aquela velha frase ‘favela não é problema, é solução’ é uma falácia, na verdade não é solução nem para os favelados. A classe média, o que chamamos de asfalto, sofre as conseqüências, a cidade sofre a conseqüência da falta de planejamento urbano. Mas quem sofre mais é o favelado, é quem mora na favela, é aquele que não tem uma condução para levar as compras até a casa, ele é que é a principal vítima da narcoditadura. Na favela tem denúncia vazia, quem não pagou o aluguel, ou se o traficante implicou, é posto para fora.


Então eu acho que isso tem implicações na cidade. De 1991 a 2000, pelo censo do IBGE, houve uma explosão de favelas. Nesses dados, a população do asfalto decresceu, a população das favelas cresceu 100%, 150% e as autoridades, a prefeitura, o governo do estado não fazem nada. Na verdade a favela é um lugar para ir lá tomar voto. É problema crucial para a cidade, e a gente viu que não estava sendo discutido. Por isso fazemos essa série de reportagens, e não é só na cidade não. Estamos fazendo na Região dos Lagos, Costa Verde, Angra. Está sendo tudo favelizado e com conseqüências graves, econômicas e para o turismo. A solução não é fácil, no mínimo ela deve ser discutida.


** Alberto Dines – Laurindo Ferreira, como é que é a situação no Recife? Já vimos que não é um problema só no Rio e em São Paulo, é um problema nacional.


** Laurindo Ferreira – Veja só, nós temos naturalmente características diferenciadas em relação ao Rio de Janeiro, por exemplo. O que nós temos hoje no Recife é algo em torno de 12% da população, segundo dados do IBGE, que estão exatamente nessa área pobre da periferia da cidade, o que não significa dizer necessariamente em favelas. Paulo citou uma característica interessante do Rio que difere muito da de Recife, particularmente, que é a favela, no caso do Rio, inserida no meio do núcleo urbano. Eu não sei se isso pode exercer de alguma forma uma certa influência na classe média do Recife porque de uma maneira geral, as nossas favelas, as nossas áreas pobres, estão de alguma maneira afastadas da visão mais objetiva do turista. Quer dizer, com relação a isso também, talvez seja menos explosivo que no Rio, talvez exatamente por causa dessa característica, digamos assim geográfica, o que não significa dizer que seja um problema menos complicado.


O que eu acho de uma maneira geral é que ao longo desses anos há, pelo menos aqui no Recife, uma mobilização muito forte dos movimentos em defesa da casa, uma mobilização muito forte do movimento dos sem-teto. Isso acabou trazendo para dentro do jornal um debate que é contínuo, o movimento dos sem-teto no Recife é muito forte, muito articulado e inclusive é um movimento que consegue no dia-a-dia pautar a imprensa. Então a influência é muito grande na definição de pauta no dia-a-dia. Forçosamente a gente acaba acompanhando essa questão da favelização das áreas pobres do Recife exatamente em função da pressão que o movimento dos sem teto exerce nas redações dos jornais.


** Alberto Dines – Luiz Henrique Fruet, como é a situação de São Paulo? O Paulo agora falou que a diferença topográfica entre Rio e São Paulo caracteriza também as favelas. Em São Paulo, onde eu vivo, a favela está na periferia, não está na cidade. No Rio ela está incorporada à pulsação da cidade. Como é exatamente isso?


** Luiz Henrique Fruet – É exatamente como você falou. É diferente do Rio nesse aspecto, é parecido com Recife. Em São Paulo, segundo dados de 2004, a população favelada era de um milhão 160 mil pessoas. Certamente esse número já aumentou. As favelas ficam praticamente na periferia, mas não dá para se dizer que ficam só na periferia porque São Paulo tem o fenômeno dos cortiços, que se espalham por muitas zonas centrais e que muitas vezes representam para os seus habitantes uma vida pior ou igual à das favelas. Isso deve também ser levado em consideração. Segundo aqueles mesmos dados, em São Paulo, em 2004, havia mais de 2 mil favelas e a taxa de crescimento anual da população favelada é de 3%. Nós vemos na rua, Dines certamente vê, que essa população favelada está se mudando, tomando avenidas, tomando a parte de baixo dos viadutos, fazendo barracos em canteiros de avenidas principais da cidade. Enfim, está se espalhando grandemente na cidade.


** Alberto Dines – Regiane, estamos tentando mostrar o problema. Eu queria que você trouxesse o flagrante da questão da favela em Belo Horizonte.


** Regiane Marques – Em Belo Horizonte a situação é um pouco semelhante à do Rio de Janeiro, guardadas as proporções, mas as favelas estão nos morros. É difícil passar em algum lugar ou alguma avenida central de Belo Horizonte que não se enxergue e não se perceba essa presença dos aglomerados. A questão da verticalização e a falta de espaço para o crescimento das favelas existe. Por exemplo, hoje, 500 mil habitantes, o que equivale a 22,5% da população belo-horizontina, moram em favelas, mas ocupam 5% da área. Por esses dados dá para ver como é grave a situação. Com relação à convivência cidade-morro, vemos aqui em Belo Horizonte que ainda existe essa convivência. Infelizmente há violência, há criminalidade, ela ainda tem destaque nas conversas do dia-a-dia, mas ainda é possível se chegar próximo aos aglomerados, é possível passar perto de um aglomerado. Eu acho que os aglomerados dentro da cidade ainda têm uma certa harmonia dentro de alguns critérios que temos que destacar.


** Alberto Dines – Paulo Motta, qual a solução? O Globo levantou o problema e com muita intensidade, e quais são as soluções que o Globo está pronto a discutir? O ministro agora levantou a questão da remoção. Isso já foi muito popular aqui no Rio de Janeiro nos anos 60, várias tentativas que apenas transferiram o problema. O que é que vocês no Globo estão pensando? O que as autoridades têm a dizer a vocês?


** Paulo Motta – Principalmente as autoridades não estão dizendo nada. A Prefeitura, o secretário de Habitação, de Urbanismo, não estão nos atendendo e nem estão falando. A primeira solução é que tem que ser discutido, tem que estar entre as pautas prioritárias da cidade, senão acontece o que aconteceu com a França. Vira um caldeirão fervente e uma hora explode. Eu acho que é importante também conter. Tentou-se transformar esse debate em debate maniqueísta, dos dois lados, tanto do lado das autoridades quanto do lado ligado à área de favelas. Não tem que haver maniqueísmo, tem que haver pragmatismo nessa questão. Falo isso porque se tentou transformar remoção em erradicação. Não se falou em erradicação de favelas, o que se fala é em deter o crescimento e o surgimento de novas favelas. A toda hora, pelo menos aqui no Rio, é uma favela que vai surgindo por cima da outra, é a verticalização das favelas, é o Parque da Cidade que sobe dentro da Floresta da Tijuca, a Rocinha com prédio de 10 andares.


Segundo, nas grandes favelas, nas quais não é mais possível remoção, ali tem que ter algum tipo de remoção delimitada, para a abertura de vias, para esgoto, para ter árvore, para a pessoa poder levar uma compra até sua casa. E algumas pequenas favelas eu defendo a remoção, sim. Pequenas favelas, bem pequenas. Mas não para levar para conjuntos habitacionais, como foi feito na década de 60. Não funcionaram, não pela idéia em si, mas porque não foi dado emprego nem transporte. Então não era a idéia do conjunto habitacional que não funcionou, na verdade, foi a implementação que não funcionou. Eu acho importante que se procurem também outras visões: me espantou muito a própria visão dos moradores de favelas, que admitem que é preciso haver um controle no tamanho das favelas.


** Alberto Dines – Laurindo Ferreira, o que vocês no Jornal do Commercio estão discutindo? O que vocês estão sugerindo às autoridades sobre esse assunto?


** Laurindo Ferreira – Ano passado nós fizemos uma série de reportagens chamada ‘Anatomia da violência’, onde levantamos essa discussão da questão da favelização da periferia do Recife. A série de reportagens inclusive foi vencedora do prêmio Vladimir Herzog no ano passado. Uma coisa interessante nesse debate sobre remoção é que eu acho que nós precisamos discutir não só a remoção e a construção de casas: a gente tem que ir mais além. Nós temos aqui no Recife um exemplo muito claro, uma comunidade chamada Coque, que fica num bairro próximo ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, e esta área é chamada de área de favelas. Mas lá foram construídas casas populares. Quer dizer, lá só chegaram as casas populares, porque não veio um programa de intervenção pública para que aquela comunidade pudesse reagir de maneira diferente à imposição do crime, enfim, da desorganização social.


Isso tanto é verdade que ontem a manchete do Jornal do Commercio mostrou exatamente que os juízes estão discutindo a mudança de horário de funcionamento do fórum a partir do clima de apreensão não só dos juízes – e essa é uma visão extremamente emblemática da situação –, mas dos próprios freqüentadores, que têm medo daquela área exatamente porque é muito violenta. Agora, aquela área do Coque é uma área onde foram construídas casas populares. A questão é: chegaram as casas populares, mas com a construção de moradias não veio uma ação de interligação de estratégia pública, da área de saúde, da área de segurança e, o mais importante, de ação integrada de governo de estado e de prefeitura municipal. Porque tem uma discussão também que é muito complicada aqui no Recife, e imagino que deve ser no resto do país também: de quem é a culpa? Da segurança cuida o estado, do posto de saúde cuida a prefeitura, da educação cuida metade o estado e metade a prefeitura. Então, não vemos ações integradas de presença do Estado, presença física, presença política nessas comunidades para que a gente tenha uma convivência pacífica.


** Alberto Dines – Antes cobria-se a cidade, hoje os jornais têm cadernos: um se chama Cotidiano, outro, Cidades, e com isso vai se diminuindo a atenção do jornal com relação ao seu ambiente imediato, que é a cidade. Como é que você vê essa questão? Como os grandes jornais podem realmente ter uma atuação na cidade, que é um ambiente mais próximo, é ali que eles podem interferir?


** Luiz Henrique Fruet – No caso do Jornal da Tarde é fazendo o que nós fazemos. O Jornal da Tarde em 2003 virou seu foco totalmente para a cidade de São Paulo. Sem desprezar outras notícias, mas o grosso do nosso material e do nosso foco e da nossa pauta é retratar a cidade. Então muitas vezes a gente se pergunta como podemos colaborar diante de um panorama como esse, tão desolador. Então eu acho que basicamente o que adianta fazer é mostrar, é fazer jornalismo, é mostrar o que está acontecendo. No Jornal da Tarde a gente tem essa esperança, o simples fato de mostrar leva o poder público a reagir e acaba se conseguindo alguma coisa.


Em 2003, fizemos uma série de reportagens num bairro muito afastado, no extremo da Zona Leste, de pobreza extrema, chamado União de Vila Nova, com uma população abaixo da linha da pobreza. Ocorria a guerra do Iraque, e o jornal fez a série ‘O Iraque é aqui’. Retratamos toda aquela miséria, toda aquela falta de estrutura, toda aquela desesperança. E o governo se mexeu diante daquele retrato. A agência do governo do estado encarregada de conjuntos habitacionais e urbanização acabou promovendo grandes ações de urbanização naquele conjunto lá na União de Vila Nova, uma ação que continua até agora. Estamos vendo que, quando provocamos, o poder público acaba tendo que agir, ao menos é o que tem ocorrido aqui em São Paulo.


** Alberto Dines – O jornal O Tempo, o que tem feito para cobrar das autoridades uma ação? Inclusive agora começam as chuvas, e em Belo Horizonte é conhecido, começa a chover, começa a desabar barraco. O que vai ser feito a curto, médio e longo prazo?


** Regiane Marques – Essa questão das chuvas aqui é muito séria. O jornal O Tempo enfoca o factual, a gente está sempre denunciando o tráfico, cobrando sempre, mostrando mesmo o que está acontecendo. O fato, o crime, a gente tem que falar, mas também acontece muita coisa boa no morro. O caderno Magazine, por exemplo, que é o caderno de cultura, constantemente publica ações e iniciativas. A Rádio Favela, por exemplo, tem um espaço. Nós escutamos as pessoas que moram lá, os trabalhos que eles fazem. No caderno Cidades a gente está sempre destacando as ações, as escolas no morro, os trabalhos que eles desenvolvem. Eu acho que é uma obrigação da imprensa mostrar também o que eles fazem de bom. Esse espaço é muito limitado e eu acho que a gente deve ampliar. Recentemente, e espero que isso se conserve, uma ação integrada entre polícias, poder municipal e governo também tem conseguido reduzir os índices de homicídio aqui em Belo Horizonte. Por outro lado, no interior e na região metropolitana, ainda não se conseguiu reduzir. Então se espera que essas ações continuem e se não continuarem eu acho que a gente tem que mostrar isso à população.


** Marcelo Vale, de Niterói (RJ), e Paulo Cunha, do Rio de Janeiro – A série de reportagens do Globo não acaba tendo uma visão da classe média sobre os morros, uma visão torta da questão?


** Paulo Motta – Eu acredito que não, nós tomamos cuidado. Foi um mês e meio de matérias e nós ouvimos todos os lados da questão, especialistas, autoridades, moradores de favela, líderes de favelas. Nós fizemos entrevistas com empresários, moradores de asfalto e o diretor do Observatório de Favelas. Acho que tentamos dar uma gama maior de opiniões. Não é um assunto fácil, acho que é preciso ter claramente, como solução da favela, a titulação da propriedade: ela é fundamental. Tentaram dizer que estávamos promovendo debate sobre remoção de favelas. Nunca foi essa nossa intenção, inclusive o Globo promoveu debate enorme sobre os apart-hotéis, e o outro lado nos acusava de querer impedir o desenvolvimento da cidade. Acho que o Globo luta pela ordem, pela lei, e isso há 80 anos, não mudou e nem vai mudar.


** Pedro Melo, de Caruaru (PE) – Favelas ainda são muito usadas como material de campanha eleitoral, vide o exemplo de Brasília Teimosa. A culpa não é da imprensa que não denuncia este tipo de manipulação?


** Laurindo Ferreira – É verdade. Uma das questões que se colocam aí, até pela própria deficiência da questão social, da questão econômica nas favelas, há uma clara apropriação político-partidária das favelas. Às vezes, na redação, nós temos até dificuldades de entender aquele movimento que está surgindo naquela área urbana, quem está por trás dele. Se nós temos um prefeito do PT, possivelmente, aquele grupo é um grupo que faz oposição ao PT que está mobilizando aquelas pessoas. Se nós temos um prefeito do PMDB, possivelmente é aquele grupo ligado ao PT que mobiliza pessoas para esse enfrentamento. É uma coisa com a qual temos que lidar com muita cautela, com muito cuidado.


Mas o importante é a percepção de que o problema existe. É evidente que os jornalistas e a imprensa de uma maneira geral têm que ter muito cuidado para não ser atraída por falsos debates, nem por falsas demandas, nem por preocupações que absolutamente estão muito distantes do interesse da comunidade porque são interesses meramente eleitorais. É preciso cuidado. Não sei se isso é característica de Recife, mas é possível ver nas favelas os famosos líderes comunitários que hoje, talvez, sejam a fonte menos credenciada para discutir o problema real porque, geralmente, por trás de um líder comunitário tem sempre um partido político, tem sempre um vereador. É um nó que temos que saber como desatar direitinho.


** André Fonseca, de Porto Alegre (RS) – Os jornais não cobram muito pouco das autoridades em relação a políticas públicas nas favelas?


** Luiz Henrique Fruet – No caso do Jornal da Tarde, não. Nós cobramos bastante, cobramos todo dia. E, como eu já me referi antes, isso incomoda muito as autoridades e elas acabam agindo de alguma maneira. No mínimo, para não sair no jornal daquele jeito.


** Francisco Resende, de Divinópolis (MG) – A Sra. já falou disso há pouco tempo, mas gostaria de saber mais detalhes. É verdade que os índices de criminalidade em favelas de Belo Horizonte estão em queda?


** Regiane Marques – É verdade. Isso foi resultado de um trabalho conjunto entre Polícia Civil, Polícia Militar, prefeitura e governo do estado. É um índice positivo e esperamos que esse resultado se repita na Grande Belo Horizonte e no interior, porque o que temos noticiado é que enquanto baixa na capital, na Grande Belo Horizonte e no interior do estado tem aumentado. Como o poder público explica essa redução? São coisas tão básicas que não entendemos por que não era feito anteriormente. O trabalho é integrado, as operações são conjuntas. Hoje, o que a Polícia Militar faz informa à Polícia Civil, em vez de ficar sabendo posteriormente. O que nós cobramos é que isso se expanda para o interior do estado. Aproveitando a questão dos morros e do período chuvoso aqui de Belo Horizonte: realmente, é uma preocupação muito grande, porque a prefeitura e a Defesa Civil vão lá, fazem a retirada das famílias, mas não há infra-estrutura, ou seja, não há fiscais suficientes para evitar que outra família ocupe aquele lugar. Então essa falta de acompanhamento é muito complicada. O jornal O Tempo tem uma página semanal que foi implantada no início deste ano chamada Meu Bairro. Nessa página há espaço para que o morador e a comunidade façam suas reclamações. Várias vezes publicamos reclamações de moradores de aglomerados sobre córregos, falta de iluminação, falta de policiamento e, na própria reportagem, nós fazemos a cobrança da entidade envolvida. Em muitos casos, felizmente, vemos a reivindicação do morador ser atendida.


** William Paterson, de Recife (PE) – O Ministério das Cidades só aparece em ocasiões de catástrofes. Não era o caso de a imprensa exigir medidas a médio e longo prazo?


** Laurindo Ferreira – Eu acho que, com todos os problemas, com todos os defeitos, com todas as possibilidades de melhorar o trabalho, a imprensa, de uma maneira geral, tem cumprido o seu papel. Nós temos tentado fazer essa cobrança em editoriais. Agora, se a boa vontade e o empenho da imprensa resolvessem o problema, seguramente nós viveríamos em outro país. Da nossa parte, entre erros e acertos, a gente tenta fazer o melhor, tentamos olhar a cidade, em Recife particularmente, como essa coisa complexa. É uma capital do Nordeste, uma região mais pobre, temos várias questões a colocar. Talvez não estejamos fazendo o melhor que poderíamos fazer, mas temos tentado e, se algo de fato não está acontecendo, sem querer tirar o corpo da jogada, não é por falta de matérias. Não é por falta de informação que as autoridades deixam de tomar as providências.


** Alberto Dines – Existe o perigo de o Brasil favelado explodir como estão explodindo as periferias das grandes cidades francesas?


** Laurindo Ferreira – Temos, potencialmente, condições para isso; agora, se isso vai acontecer eu não sei. Há combustível para isso, eu não tenho dúvida. Eu não sei se isso pode acontecer.


** Luiz Henrique Fruet – É uma possibilidade, realmente. A nossa colaboração é para que isso não aconteça, é continuar cobrando permanentemente das autoridades. É fazendo o que, lá no Jornal da Tarde, chamamos de ‘jornalismo-cidadão’, que não é um jornalismo assistencialista, mas um jornalismo que tenta dar voz à população que não tem voz realmente, que é a população da periferia, da favela. Acho que essa é a contribuição que nós podemos dar para que não nos tornemos uma França nesse lado – o outro lado da França seria bom…


** Regiane Marques – Essa possibilidade nós não podemos descartar nunca. É até mais grave porque – esperamos que não aconteça –, na França, vemos a revolta acontecendo no próprio local onde eles moram. Acredito que, se isso acontecesse aqui, o morro não ficaria restrito ao morro, com certeza desceria para toda a cidade. Então, acho que temos que alertar e noticiar. Vemos a cidade formal crescendo a 0,7%, no caso de Belo Horizonte, enquanto a favela cresce a 3,5%. Então, se não for feita alguma coisa, se as ações não forem cobradas, realmente todo risco é risco.


** Paulo Motta – Essa guerra já existe no Rio de Janeiro, é uma guerra de guerrilha. Apreendeu-se, na Maré, um manual para criar explosões na cidade e ações para que uma favela invadisse a outra. Mas eu acho que, aqui no Rio – e em Belo Horizonte, talvez –, pela proximidade maior, existe a guerrilha e a distensão. Eu temo mais no Brasil por essas cidades em que a favela está na periferia, onde as tensões, as explosões, não são diárias. Quando isso ferver, pode ser mais perigoso.