Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A imprensa engoliu o PAC ou o PAC engoliu a imprensa?

O Programa de Aceleração do Crescimento Econômico (PAC), lançado na segunda posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, não atingirá seus objetivos finais.

O Brasil tem sérios problemas no campo da infra-estrutura. Segundo a pesquisa divulgada na quarta-feira (7/11) pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), 74% das estradas brasileiras, entre federais, estaduais e aquelas sob concessão, apresentam problemas em sua infra-estrutura. A Pesquisa Rodoviária CNT 2007 avaliou 87 mil quilômetros de estradas do Brasil.

Ao longo dos últimos 30 anos, o país não foi preparado para um desenvolvimento sustentado. Além das péssimas condições em que se encontram as nossas estradas, temos problemas na malha aérea, nos portos e, em conseqüência, na logística de tudo aquilo que é produzido no país. Para completar, temos sérios problemas a enfrentar no campo energético caso a economia brasileira cresça acima de 5% ao ano, como propõem alguns ‘especialistas’.

A imprensa, quanto a isso, permanece muda. Não discute esses problemas de maneira madura e responsável. Deixando os fatos de lado, a imprensa passou a fazer política. Na vã tentativa de desgastar politicamente um governo que, bem ou mal, tem bons índices de aprovação popular. Resultado: quedas, cada vez mais crescentes e freqüentes, na circulação dos desacreditados diários.

Proposta engolida

Enquanto isso, de acordo com o governo, ‘faltam’ recursos para investir em infra-estrutura e estimular o investimento no setor produtivo, aquele que gera emprego, renda e ajuda o país a se desenvolver. A pergunta é: cadê os recursos advindos dos impostos pagos pelos contribuintes?

O governo não sabe. A sociedade acomoda-se. A imprensa segue muda e, quem diria, surda.

A política econômica adotada pelo governo Lula é conservadora. Ao invés de incentivar o setor produtivo, incentiva o especulativo, aquele que não gera emprego, nem renda e não tem compromisso com o país, mas sim com o lucro fácil e concentrador. Apesar de haver, no governo Lula, em comparações com os governos anteriores (Collor e FHC II), consideráveis melhoras.

Essa política econômica foi implementada no governo Collor, em 1990. Fernando Collor de Melo, na época, teve importante e decisivo apoio da maioria dos grandes grupos e conglomerados de comunicação de nosso país. Os intelectuais a chamam de neoliberal porque ela defende o Estado mínimo, abrindo espaço para a iniciativa privada e monopolista. Na década de 90 abriu-se a economia brasileira de maneira mais aprofundada ao capital externo, sobretudo ao especulativo. A nossa economia, porém, não estava preparada para essa abertura, nem para competir com o capital e as empresas estrangeiras. Na época, com exceção dos poucos meios de comunicação independentes, os grandes meios de comunicação do nosso país engoliram a proposta e silenciaram sobre os fatos.

Reformas de base

Paralelamente a isso, o governo, ao longo dos anos, vem arrecadando cada vez mais tributos para o tesouro nacional. No entanto, paradoxalmente, não se tem, na mesma proporção, reinvestido o que foi arrecadado. Esse é um dos efeitos do Estado mínimo, da política neoliberal.

Infra-estrutura (estradas e saneamento, por exemplo), educação, saúde, segurança, lazer e cultura pouco, ou quase nada, têm recebido dos poderes públicos. Isto é, dos governos federal, estaduais e municipais, respectivamente. Ao contrário, por exemplo, dos credores, que, na data, recebem os juros das dívidas interna e externa. A chamada grande imprensa continua a fazer ‘vista grossa’ aos fatos. Problemas políticos, econômicos, sociais e culturais, pouco, muito pouco, recebem a abordagem e o tratamento que lhes é digno.

Além disso, as reformas de base propostas por João Goulart quando presidente da República, no início da década de 1960, não foram realizadas até hoje. Aliás, a sua deposição do governo, em 1964, deu-se justamente por isso, por causa dessa proposta. Jango vinha da classe média abastada do Rio Grande do Sul, filho de fazendeiros, mas propôs o que ninguém, nenhum presidente de 1964 para cá teve coragem. As reformas de base.

Dentro das fundamentais reformas de base, uma era essencial para que o Brasil se desenvolvesse, a reforma agrária. Além desta, incluíam-se as reformas tributária, administrativa, bancária e educacional. Na época, a imprensa participou ativamente do conhecido golpe que depôs João Goulart.

A miséria do jornalismo

Um país com dimensões continentais como o Brasil, com gritantes problemas sociais, advindos da má distribuição de renda, não conseguirá o desenvolvimento almejado enquanto nação enquanto perdurarem essas desigualdades sociais decorrentes da gritante e escandalosa concentração de renda e poder nas mãos de poucos brasileiros.

A concentração de renda nas mãos de poucos contribui para a perpetuação do conhecido lobby. Assim, o poder de barganha que essas pessoas (físicas ou jurídicas) terão frente ao governo, aos parlamentares e congressistas, de modo a atender sempre os seus interesses em detrimento do bem comum, será cada vez maior. Essa concentração, inclusive, é um dos fatores que tem colaborado para a perpetuação da corrupção, ao longo da história brasileira, dentro da máquina administrativa dos governos federal, estaduais e municipais.

Na ditadura do discurso único, silêncio na imprensa em relação aos fatos que interessam à nação e realmente impedem o desenvolvimento do país. Para a grande imprensa, pouco importa o desenvolvimento do Brasil. Para ela, a melhor coisa para o país é ‘crescer’.

Crescer sem se desenvolver, esse é o grande dilema da imprensa tupiniquim.

As terras consideradas improdutivas pelo governo estão aptas para a reforma agrária, como determina a nossa Constituição. Infelizmente, isso não acontece. Ao contrário, as pastagens e os campos de soja estão tomando conta da Amazônia e do quase extinto cerrado brasileiro. Sem contar outras áreas de preservação ambiental e mata atlântica com rica biodiversidade nas quais, além da soja e do gado, haverá novamente plantações de cana-de-açúcar, que voltou a ser novamente cotada no mercado internacional de commodities. A imprensa, mais uma vez, silencia. Ou melhor, utiliza critérios questionáveis quando da construção da ‘notícia’. É a miséria do jornalismo brasileiro.

Situação análoga à escravidão

No século da ditadura do discurso único, continuamos, com as devidas ressalvas, uma nação economicamente agrária, com práticas similares às da época colonial. Ainda somos exportadores, principalmente, de bens primários. Enquanto importamos bens duráveis e de alta tecnologia para suprir a demanda interna. Com isso, geramos déficits (saldos negativos) e mais déficits na balança comercial brasileira. E quem paga o pato? Os trabalhadores, os pequenos e microempresários dos centros urbanos, mantenedores do Estado. Enquanto os grandes lucram e se lambuzam.

A exportação de bens primários é importante e fundamental para um país como o Brasil desde que não prejudique o seu desenvolvimento, assim como não acumule a renda e o poder nas mãos de poucos. Na atual conjuntura, desenvolvimento passa por democratização e desenvolvimento de bens tecnológicos tanto para o mercado interno, quanto para abastecer o externo, o mundial.

Nessa situação, muitos seres humanos têm sido libertados, pela fiscalização do Ministério do Trabalho/Delegacia do Trabalho, de situação análoga à escravidão. Nesse caso, mais um motivo para, além da multa ao proprietário, desapropriar a terra para fins de reforma agrária. O que, é verdade, nem sempre se cumpre, como determina a lei. E a nossa imprensa, mais uma vez silencia. Com exceção de alguns veículos independentes, como a Repórter Brasil.

Nem tapar buracos

Os EUA, antiga colônia inglesa, conseguiram promover o desenvolvimento econômico e social, tornando-se uma potência mundialmente conhecida, graças às reformas realizadas, em especial a agrária. Os latifundiários sempre se mostraram arcaicos em seus ideais de sociedade, o que impedia o desenvolvimento pretendido pelos incipientes industriais norte-americanos. Foi assim que aconteceu o confronto entre o norte e o sul, a guerra da secessão. Um defendendo a manutenção do status quo e o outro lutando pelo progresso e desenvolvimento de uma nação nascente.

E o Brasil? Bem, continuamos a passos lentos. Sem desenvolvermos uma indústria consistente e independente; com uma economia totalmente refém – porque dependente – do capital internacional; e, o pior, atraindo o capital especulativo por meio de exorbitantes taxas de juros que as dívidas interna e externa têm pago aos credores, eufemisticamente chamados pela imprensa brasileira de ‘investidores’.

Infelizmente, o Programa de Aceleração do Crescimento não é capaz nem de tapar o buraco que há aqui em minha rua há meses ou cimentar o passeio que a prefeitura local, de Lauro de Freitas, apesar de ter recebido recursos para isso, ‘esqueceu’ de fazer. Contudo, uma indagação importante cabe a ser feita. A imprensa engoliu o PAC ou foi o PAC que engoliu a imprensa?

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Jornalista, Lauro de Freitas, BA