Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A morte e a morte de um grande jornal

Nós, jornalistas, sabemos quando um jornal vai morrer. Torcemos para que sobreviva, para que continue informando, para que contribua na construção de um variado arco de opiniões, para que mantenha os empregos; sempre achamos que a vida dá tantas voltas que numa delas talvez as coisas dêem certo. Mas não dão: os jornais emagrecem, perdem o viço, enchem-se de rugas, sofrem com cada oscilação econômica, atrasam salários, perdem bons profissionais, lampejam por vezes numa boa reportagem, mas é a visita da saúde. Muitas vezes, quem se apresenta para salvá-lo quer apenas fazer o saque e aproveitar o que for possível. O jornal vai morrendo, morre várias vezes; e um dia é enterrado.

Nós, jornalistas, sabemos quando um jornal vai morrer. Quando o patrão passa a usar só jatinho, e muito, o jornal vai morrer. Quando o patrão faz contenção de custos na Redação e amplia os gastos com jantares, festas e recepções, o jornal vai morrer. Quando o patrão pensa que sedes suntuosas e novas gráficas são investimento prioritário, o jornal vai morrer. E um patrão boa-gente, que só pense em notícias e não saiba administrar, é tão letal quanto o patrão que pensa que as notícias só servem para encher o espaço entre os anúncios – anúncios que devem ser obtidos seja de que maneira for, com as concessões que for preciso fazer.

Nós, jornalistas, sabemos quando um jornal vai morrer. Quando o jornal acredita que, baixando o nível, vai atrair mais público, já está morrendo. Quando o jornal acredita que a fórmula sangue, futebol e mulher pelada é suficiente para recuperá-lo, já está morrendo. Quando o jornal troca a credibilidade pelos anúncios, já está morrendo. Quando o jornal cai nas mãos de empresários sem qualquer preocupação com notícias, mas que elaboram fórmulas mirabolantes para fazê-lo sobreviver sem nada investir, já está morrendo.

Jornal custa caro, suja as mãos de tinta. Traz notícias desagradáveis (boa notícia não é notícia). A leitura consome tempo, um bem cada vez mais escasso. Jornal só sobrevive e prospera se for uma necessidade para o leitor. Nós, jornalistas, sabemos que quando um jornal deixa de ser necessário ele já morreu.

 

Virou fumaça

O ministro Guido Mantega falou, para quem quisesse ouvir, que a redução do IPI sobre automóveis e motos, eletrodomésticos e material de construção, seria compensada, em termos de receita do governo, pelo aumento linear da tributação sobre os cigarros.

Cadê o aumento da tributação sobre os cigarros? A propósito, cadê a imprensa, que deveria estar cobrando as providências anunciadas pelo ministro?

Aliás, por que a imprensa é tão tolerante com a política federal de estímulo aos cigarros baratos? Por incrível que pareça, apesar das recomendações da Organização Mundial da Saúde a respeito da conveniência de aumentar o preço dos cigarros, o Brasil subsidia a indústria tabageira multinacional para manter o preço artificialmente baixo. O normal, em qualquer produto, é que o IPI seja uma porcentagem do preço. Nos cigarros, o IPI é fixo. Resultado: um cigarro de R$ 5,00 o maço paga menos de 20% de IPI, e por isso pode custar tão pouco. E um cigarro de R$ 1,00 (que seria o caminho para a entrada da indústria nacional no setor) paga 70%. Vende-se barato o cigarro multinacional, impede-se o acesso ao mercado da indústria nacional. E o fumante brasileiro tem à disposição o terceiro cigarro mais barato do mundo.

Toda a imprensa tem esses estudos, elaborados por empresas especializadas de excelente reputação. Mas raramente publica alguma coisa. E nem se diga que é por causa da propaganda dos cigarros: a propaganda é proibida. Mas rara é a iniciativa de reunião de jornalistas sem patrocínio das cigarreiras.

 

Tristeza

Um dos grandes jornalistas brasileiros, D´Alembert Jaccoud, 75 anos, morreu há poucos dias. Ele – que jamais pleiteou indenizações – sofreu pressões contínuas da ditadura militar, que chegaram a tal ponto que, em certa época, abandonou a profissão e voltou á advocacia, que também exerceu com raro brilho.

Dalamba foi uma figura rara: uma unanimidade na profissão. Ninguém dirá que não era competente, ninguém lhe apontará uma falha de caráter. De quantas pessoas, e não só no jornalismo, será possível afirmar a mesma coisa? [Ver, neste OI, ‘Um jornalista político sob a ditadura‘.]

 

Matadores do volante

O deputado estadual Carli Filho, do PSB paranaense, finalmente renunciou ao mandato. Carli é aquele cavalheiro que, bêbado, em altíssima velocidade, bateu no carro em que estavam Gilmar Yared e Carlos Murilo de Almeida, matando-os. Com a renúncia ao mandato, abre-se caminho para que seja julgado pela Justiça comum, sem o foro privilegiado que o levaria direto ao Tribunal de Justiça.

Perfeito – mas os meios de comunicação, que deram amplo espaço ao caso Carli, abstiveram-se de acompanhar mais detidamente o caso de um promotor que, em alta velocidade, na contramão e, segundo os policiais que registraram o acidente, com hálito alcoólico, matou uma família no interior de São Paulo. Este promotor não teve de renunciar a nada: ao contrário, ganhou uma promoção, sendo transferido para uma cobiçada vaga na capital.

Por que o obsequioso silêncio dos meios de comunicação?

 

Via de regra

Há muitos, muitos anos, os chefes do ‘mesão’ das redações costumavam combater os clichês jornalísticos com frases extremamente precisas: ‘via de regra é vagina’, ‘pelo contrário é cabelo encravado’, ‘por outro lado é no ânus’ – na verdade, não eram exatamente ‘vagina’ e ‘ânus’ as palavras que utilizavam. Afinal, como diria nosso presidente da República, ali não havia freiras. E as frases eram extremamente didáticas. É impossível esquecê-las.

Talvez seja necessário recorrer a métodos pedagógicos semelhantes para fazer com que ‘o outro lado’ das reportagens passe a funcionar como ponto de vista do alvo da reportagem, como sua primeira versão, não como uma obrigação burocrática e chata que deve ser cumprida de qualquer jeito, apenas para que o chefe não reclame e os atingidos não escrevam cartas à Redação.

Outro dia, uma autoridade mostrou a este colunista o bilhete de um repórter, enviado às 15h25, dizendo que ele havia passado a última semana levantando uma determinada reportagem, que seria publicada no dia seguinte. E pedia à autoridade que respondesse a dez perguntas, todas exigindo pesquisa, até o horário de fechamento, 19 horas.

Traduzindo: uma semana para atacar, três horas e meia para responder aos ataques, com a pesquisa incluída – e nenhuma garantia de que a resposta seria respeitada. Muitas vezes, a reportagem informa que a loja de Fulano de Tal, na rua X, número Y, foi autuada por sonegação de impostos e fechada por desobedecer às normas de segurança. Fulano responde que é profissional liberal, jamais teve uma loja na vida, e aliás naquela rua e número não há loja nenhuma. O que sai publicado é a série original de denúncias, acrescida de um ‘Fulano de Tal nega as acusações’.

Outra fórmula é obter informações contra uma empresa e guardá-las até depois das 6 da tarde. No dia seguinte, publica-se a matéria dizendo que não foi possível entrar em contato com a empresa (ou, pior, que ‘Sicrano atendeu ao telefone, dizendo-se segurança, e não respondeu às perguntas da reportagem, nem quis fornecer o telefone pessoal do presidente da companhia’).

Pode-se pedir direito de resposta, pode-se até obter direito de resposta. Mas é caro, não tem utilidade prática, exceto chatear repórter e veículo, por sair anos depois. É desgastante. Seria melhor, no caso, que os próprios meios de comunicação verificassem se não há abuso – ou, então, que se suspenda o inútil gasto de telefonemas, papel e tempo com o ‘outro lado’ que não é bem o outro lado.

 

Guerra aos clientes

Pois é: existe uma Agência Nacional de Saúde Suplementar que cuida dos convênios e seguros médicos – e cuida tão bem que os convênios e seguros médicos estão ganhando todas, derrotando os clientes de goleada. A imprensa até que assiste ao jogo, mas não está torcendo para o time dos consumidores de informação: de vez em quando, muito de vez em quando, há uma minúscula nota sobre o massacre.

Agora a própria imprensa está sendo vítima das empresas de medicina de grupo: em Fortaleza, a Unimed, irritada com reportagens do jornalista Donizetti Arruda a respeito de sua situação financeira, que ele retrata como precária, conseguiu fazer com que a polícia interviesse. Nada de Justiça, nada de direito de resposta, nada: polícia mesmo, como nos velhos tempos dos generais. Arruda foi intimado pela polícia a comparecer a uma delegacia ‘para prestar esclarecimentos’ a respeito de sua reportagem.

Entidades de classe? Imagine! Governo do estado do Ceará, a quem a polícia está subordinada? Imagine! Agência Nacional de Saúde Suplementar? Imagine! E o desrespeito não se limita ao Ceará: atinge o país inteiro. A Interclínicas fechou e seus clientes foram transferidos compulsoriamente para outras empresas (sem portabilidade: ou eram aquelas ou o seguro morria), os planos mantiveram os preços e baixaram os serviços, a abrangência murchou. Quem tinha o melhor plano da Interclínicas, com cobertura nacional, tem hoje cobertura em São Paulo e está quase chegando à enfermaria. A imprensa fica bem quieta: este colunista viu só uma pequena reportagem da Agência Estado e nada mais.

 

Recordando

O escritor Fernando Morais, assíduo leitor desta coluna, comenta a nota a respeito do jornal que publicou a foto de uma estátua, com a legenda ‘Duque de Caxias, em cuja praça ocorreu o crime’.

‘Lembrei-me’, conta Fernando Morais, ‘do Tico-Tico (o repórter José Carlos de Morais, astro do jornalismo da TV Tupi de São Paulo) transmitindo o desfile da comitiva do o xá do Irã, Reza Pahlevi, que visitava São Paulo e passava pelo viaduto do Chá, no centro da cidade. A certa altura, lascou: `Agora o xá da Pérsia vai cruzar o viaduto que lhe empresta o nome´’.

 

O que é, o que não é

Há certos casos que batem fundo na opinião pública – como, por exemplo, o assassínio a sangue-frio de uma criança em São Carlos, SP. Aparentemente, a criança foi morta por pura maldade: os bandidos atiraram apenas para matar.

É curioso como, nesses casos, as reações são ideológicas e estereotipadas: pena de morte, de um lado; causas sociais, de outro. Prisão mais dura, de um lado, problemas educacionais e de uma sociedade injusta, do outro.

A imprensa tem-se limitado a refletir essas posições, a publicá-las, sem tentar qualquer articulação mais profunda. Obviamente, por exemplo, este não é um caso ‘social’: ninguém ali pegou uma arma e matou para satisfazer alguma necessidade real. Também não é problema educacional: já houve universitários matando do mesmo jeito, matando pelo prazer de matar. E não é, também, o caso da pena de morte: se pena de morte servisse para combater o crime, não haveria mais crimes nos Estados Unidos, no Irã ou na China. Mas vale discutir o que fazer com pessoas que matem por prazer: o que não se pode é soltá-las quando cumprirem uma parte da pena, como se automaticamente estivessem regeneradas.

 

Caetano de volta

O jornalista Caetano Bedaque, com imensa experiência na área de comunicação de redes de TV, está de volta; acaba de assumir a coordenação nacional de imprensa e imagem da Rede TV! Bedaque deve cuidar das áreas de assessoria de imprensa, eventos e promoções, ligado à Superintendência de Jornalismo.

Nos últimos 25 anos, Bedaque cuidou da mesma área nas redes Bandeirantes (sob o comando geral de João Dória Jr.), SBT, Manchete e Cultura. Trabalhou também para grandes empresas, como a TV7, de J. Hawilla, Miksom, Frame, Bradesco Cartões, Pão Pullmann e Anhembi Turismo.

É uma volta promissora, de um bom profissional.

 

Metalinguagem

Um grande jornal, de circulação nacional, publicou uma ‘metamatéria’, na qual o próprio texto mostrava a correção da tese ali defendida. Dizia o título:

** ‘Censo aponta formação deficiente de professores’

O texto mostrava que o título dizia a verdade. Professores com formação deficiente, é lógico, deixam os alunos com formação também deficiente.

Veja só as concordâncias:

** ‘21% dos docentes não fizeram, 21,3% não possui nenhum curso superior; 08% só estudou; 26,5% não têm; 23% fizeram’.

Na dúvida, escreveram no plural e no singular. Algumas vezes vão acertar.

 

Como…

De um grande jornal, falando sobre um jogo do Corinthians:

** ‘Jorge Henrique (…), Morais (…) e Otacílio Neto também erraram nos arremates corretos.’

Já os arremates incorretos foram altamente precisos.

 

…é…

De um grande portal de notícias:

** ‘Gado é levado em assalto a fazenda em SP; 12 ficam reféns’

Deve ter sido a primeira vez em que usaram o estábulo como cativeiro.

 

…mesmo?

De um grande jornal, de circulação nacional:

** ‘A mãe, Bruna Bianchi, brasileira, morreu em agosto de 2008, no Rio, no parto da filha caçula.’

Trata-se de um assunto doloroso – mas sempre que mulheres morrem no parto, é o parto do filho caçula.

 

Extra

Um conjunto excelente de foto e legenda saiu num dos maiores portais noticiosos. Mostra o príncipe Harry, da Grã-Bretanha, no Marco Zero de Nova York, colocando flores numa cerca de arame. Diz a legenda: ‘Príncipe Harry visita Marco Zero e planta uma árvore’.

Sem um palmo de terra por perto. E bem no alambrado!

 

E eu com isso?

Foi tocar no assunto Maisa, a estrelinha do SBT, e os leitores se acenderam. Chegaram até a reclamar deste colunista por não ter visto o programa e comentar o caso assim mesmo!

Certa vez, um famoso repórter propôs uma pauta e foi informado de que a matéria já tinha sido publicada no jornal da véspera. Em seguida, tomou a bronca tradicional, de que não lia nem o jornal em que trabalhava. Respondeu com uma frase imortal: ‘Eu sou pago para escrever besteira, não para ler besteira’.

Este colunista acha, como questão de princípio, que a família de Maisa tem a prioridade para conduzir sua vida; e esta prioridade só deve ser anulada se houver algo gravíssimo. Não foi o caso. Este colunista sabe que Silvio Santos, mesmo que tenha todos os defeitos que lhe apontam, é uma pessoa conversável, inteligente, cumpridora das normas legais. Logo, dá para entender-se com ele. Mas não peçam que este colunista assista àquelas coisinhas tão bonitinhas que aquela menina tão engraçadinha fala na TV. Nem esperem que, embora republique notícias de certos portais e revistas, reserve parte de seu tempo para ler as aventuras de famosos. Como estas:

** ‘Nicolas Cage come pizza com as mãos no set de seu novo filme’

** ‘Grazi vai à praia com seus cachorrinhos’

** ‘Britney Spears é madrinha do casamento do primo’

** ‘Mário Frias e a mulher comem milho na praia’

** ‘Vanessa Hudgens fica presa no congestionamento’

** ‘Fernanda Rodrigues está grávida do primeiro filho’

** ‘Britânica faz 18 anos e ganha injeções de botox de presente da mãe’

** ‘Michael Jackson está convencido de que seu nariz irá cair’

Pois é. E dizem que não é a primeira coisa.

 

O grande título

Uma belíssima safra, nesta semana. Comecemos pelo mais chocante:

** ‘Governadora-geral do Canadá come coração cru de foca’

O título choca não pelo coração (sarapatel também é feito de miúdos, embora não de foca), mas por ser cru. Mas talvez não nos deva chocar: o bispo Lugo, presidente do Paraguai, parece que gostava muito de comer carne crua.

** ‘Calma excessiva do Sol pode indicar nova era glacial’

E até a semana passada o problema não era o aquecimento global – exatamente o oposto?

O título favorito deste colunista, entretanto, é aquele que oferece mais leituras, especialmente a maliciosa.

** ‘A história inacreditável do furo perdido’

É a história de como o New York Times teve nas mãos a pista do caso Watergate, um pouco antes do Washington Post, e não soube aproveitá-la.

Mas que o título pode ser interpretado como aquilo que, nos tempos da vovó, chamava-se de ‘mau passo’, ah, isso pode.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados