Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aberta a temporada de caça

Com a CPI dos Correios, o depoimento de Roberto Jefferson na Comissão de Ética e o caso do ‘mensalão’, o dique se rompeu: é hora de jorrar denúncia no país. E que ninguém se iluda: no final do processo, muita gente acabará cassada.

Mas é preciso tomar cuidado com a divulgação das acusações: os veículos de comunicação tendem a considerar verdadeiro qualquer fato que for denunciado. A ex-prefeita paulistana Marta Suplicy já foi alvo de duas acusações: uma, de pagamento de mesada a vereadores; outra, de tentativa de compra do apoio do PPS. Ambas as denúncias devem ser apuradas – mas só poderão ser tratadas como verdades depois da comprovação. E não se admite, na boa técnica jornalística, que os alvos de acusação sejam tratados depreciativamente. Chamar Marta de ‘perua’, como foi feito, não é jornalismo, nem política: é baixaria.

Numa reportagem muito bem-feita, em que dirigentes do PPS acusam auxiliares próximos da Marta de ter feito uma oferta em dinheiro pelo apoio do partido, o título é afirmativo: ‘PPS recebeu oferta de R$ 4 milhões (…)’. Não é bem assim: ‘PPS diz ter recebido oferta (…)’ seria bem mais preciso. E atenderia melhor ao espírito da matéria, que transcreve uma denúncia e informa que os acusados não falaram com a reportagem e, portanto, ainda não puderam ser ouvidos.

Há também acusações e insinuações contra jornalistas e órgãos de comunicação, que estariam recebendo para publicar e para não publicar. Pois bem: ou se faz a acusação ou não se faz a acusação. Insinuar, apenas, é mau. E desleal.



Los hermanos

No comentário sobre o jogo Brasil x Argentina, o jornal Olé! (que pertence ao Clarín, maior diário do país), advertia que os argentinos não deveriam festejar demais a vitória, ‘para no exagerar, porque después en el Mundial los negritos se despiertan’. Los negritos somos nós, brasileiros em geral. O texto é assinado por Leo Farinella (farinella@ole.com.ar).



El hermano

Aqui no Brasil, o colunista Lustosa da Costa, do Diário do Nordeste, diz que nós sabemos dos árabes ‘o que a televisão, de orientação nitidamente sionista, deles diz’. Lustosa da Costa escreve num jornal do Grupo Édson Queiroz, um dos maiores do Nordeste, que tem duas emissoras de televisão. Serão ambas ‘de orientação nitidamente sionista’? Mesmo sabendo-se que o senador Tasso Jereissati, descendente de árabes, é casado com Renata Queiroz, herdeira do grupo?



Xô, urubu!

Comparação brava fez o portal Terra: comentando admirado o tamanho do Airbus A-380, o maior avião do mundo, o chama de ‘Titanic dos Ares’.



Tragédia e comédia

A prisão de uma pessoa é um evento triste. Por mais justificada e correta que seja, por mais amparada que esteja nas leis, é uma tragédia pessoal que tem de ser respeitada. Fazer piada com isso, nem pensar. Dizer que os diretores da cervejaria Schincariol foram presos por ‘sonegation’, para fazer um trocadilho com o anúncio (ruim) da cerveja, é inaceitável. E, a propósito, há uma história esquisita rolando na praça: o ex-deputado Emerson Kapaz, que dirige um instituto de ética financiado por fabricantes de cigarros e bebidas alcoólicas, disse que a sonegação nas bebidas é de 6 ou 7 bilhões de reais por ano. Segundo a Polícia Federal, a Schincariol sonega um bilhão por ano. E os outros, quem sonega?



Nossa língua portuguesa

** Versalhes é Versalhes, Genebra é Genebra, Florença é Florença, Basiléia é Basiléia. Quem insistir em ‘Versailles’, ‘Genéve’, ‘Firenze’ e ‘Bâle’ quer mostrar que viajou, mas acaba mostrando que conhece outra língua, ainda que com pronúncia forçada, mas não conhece a nossa.

** ‘TAM compra novas aeronaves’. É o mal de ouvir a fonte e transcrevê-la, em vez de traduzi-la. Pergunte a qualquer pessoa se vai viajar de aeronave. Ninguém vai: a gente viaja de avião. As empresas têm aviões. Criança brinca de aviãozinho, não de aeronavezinha. Imagine uma mãe com problemas para dar papinha ao nenê: ‘Olha a aeronavezinha!’ E, nos comunicados internos, as empresas aéreas exercitam sua mania de chamar avião de aeronave.

** Aliás, ônibus é ônibus, e não ‘coletivo’. E o ‘usuário do transporte urbano’ ou ‘de transporte coletivo’ se chama, normalmente, ‘passageiro’.



Os bons

** Excelente a entrevista de Fernando Gabeira na Veja da semana passada (edição 1909). Belíssima análise dos problemas que o governo Lula está enfrentando.

** Mais um gol de Renata Lo Prete com a segunda entrevista de Roberto Jefferson, na Folha de S.Paulo. Antecipou quase totalmente seu depoimento à Comissão de Ética. Estava a postos para ouvir a pessoa certa na hora certa.

** Gol de Leonardo Attuch, em IstoÉ Dinheiro, com a entrevista da secretária do publicitário Marcos Valério, acusado de distribuir o mensalão. E, diante do desmentido, a confirmação do belo lance: a entrevista estava gravada.



Foi, mas não foi, mas é

Está no jornal do dia 14: ‘Xandy Negrão venceu domingo o Porsche Cup Challenger’. Mas não venceu, não: o próprio jornal informa que ele é hors-concours, fora de disputa. Quem venceu foi outro. E, por algum motivo, está lá na nota que Eduardo de Souza Ramos foi um dos derrotados. Ou não foi: no dia 16, informa-se que ele nem participou da prova.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados