Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aécio, a moça, a discussão errada

Juca Kfouri, em seu blog, disse que o governador mineiro Aécio Neves deu um tapa e um empurrão na moça que estava com ele, numa festa ocorrida no Rio. Imediatamente, começou a guerra ideológica: como Aécio disputa com José Serra o direito de ser candidato do PSDB à Presidência da República, muitos colegas disseram que Serra era o responsável pela plantação da nota. Como Aécio, se for candidato, irá pela oposição, muitos colegas juram que foi a máquina petista que plantou a informação. Só não se discutiu o tema correto: a notícia divulgada por Juca Kfouri é ou não verdadeira?

Se a notícia é verdadeira, não há o que objetar: alguma fonte confiável do colunista presenciou o fato, ou soube dele, e passou a informação. Juca Kfouri fez o correto: divulgou o fato. Um cavalheiro não deve ficar agredindo damas por aí. Um candidato à Presidência não pode bater em mulher.

Se a notícia é falsa, aí sim se pode discutir se alguém enganou o colunista ou se eventualmente ele está envolvido na plantação. Mas, para isso, é preciso primeiro ter certeza de que a notícia não é verdadeira. Que algo aconteceu, aconteceu: primeiro, porque por alguns dias houve muita agitação entre twitteiros que estiveram na festa, comentando o bafafá mas sem dizer o que tinha ocorrido; segundo, porque alguém providenciou fotos do governador em cenas carinhosas com a namorada, numa bela praia de Santa Catarina, no estilo ‘vejam como tudo está bem’. Aécio é namorador, mas quantas vezes abriu tanto sua vida particular, permitindo fotos de seus namoros?

O importante, é preciso deixar claro, é saber se a notícia expressa a verdade. E só depois de debater os fatos é que será possível discutir as intenções.

 

Nem falou…

Um fato interessante a respeito do caso Kfouri-Aécio é que todos os desmentidos se referiam à namorada do governador, Letícia Weber. Mas a nota de Kfouri não fazia referência específica a Letícia: dizia que Aécio deu um tapa e um empurrão ‘em sua acompanhante’. Falou-se, no meio do burburinho noticioso, numa belíssima modelo americana, bêbada, cujo comportamento se tornara inconveniente. Talvez não fosse ela ‘a acompanhante’, mas alguém que tentasse impor sua presença naquele momento indesejável. Isso, é claro, não absolve o governador, caso a notícia seja verdadeira: mesmo que a moça tivesse comportamento inconveniente, mesmo que tentasse impor desagradavelmente sua presença, haveria meios mais civilizados de livrar-se dela, em vez de agredi-la.

 

…nem disse

Kfouri não falou em namorada, muitos leram namorada. No clima de guerra santa em que se envolveram muitos jornalistas e leitores, não é importante o que se fala, nem o que se escreve: importante é o que os adversários acham que foi dito ou escrito, ou o que preferem achar para facilitar a agressão ao autor. Outro dia, numa carta à Redação, o leitor de um grande jornal se queixava de que, enquanto o mensalão nacional era chamado de ‘mensalão petista’, o mensalão que envolveu o ex-governador Eduardo Azeredo era chamado de ‘mensalão mineiro’, e não de ‘mensalão tucano’.

Tudo bem – só que o jornal não se referia ao mensalão propriamente dito como ‘mensalão petista’, apenas como mensalão. Nem poderia partidarizá-lo, já que tucanos, petistas e membros de outros partidos estiveram envolvidos em várias fases dos acontecimentos. O vice do tucano Azeredo, Walfrido dos Mares Guia, foi logo depois ministro do presidente Lula, e não é do PT nem do PSDB: é do PTB. Marcos Valério, cujo nome batiza um dos apelidos do mensalão, ‘valerioduto’, é o mesmo nos dois casos. Trata-se de um homem politicamente coerente, coerente ao extremo: faz questão de alinhar-se a quem está por cima.

 

Vale o que não…

Mas, no clima de guerra (que qualquer dia vai terminar em tapa), o fato importa pouco. Vale o que se quiser entender. Dizem que a culpa é sempre do José: do José Serra, para os lulistas, do José Dirceu, para os antilulistas. Há facções minoritárias que preferem botar a culpa no ‘FHC’, ou no ‘sociólogo’ (talvez o Brasil seja um dos poucos países onde estudar seja considerado defeito), ou na ‘mídia’, ou nos ‘petralhas’, ou no ‘apedeuta’ (que significa ‘iletrado’). Existe a forma ‘apedeuto’, mas por algum motivo a guerra de xingações só usa a versão com o ‘a’ final. E há, nas hostes do governo, quem bote a culpa ‘nos paulistas’ – como se, politicamente, o pernambucano Lula não fosse paulista, nem o genovês Guido Mantega, nem o paulista nato Aloízio Mercadante (embora este, talvez, se Lula pedir direitinho, consiga revogar sua irrevogável origem).

 

…está escrito

Aliás, ‘os paulistas’ são demonizados faz tempo. Quando José Sarney era governador do Maranhão, o estado tinha 20 mil kW instalados de eletricidade. Com a construção de Boa Esperança, o Maranhão passou a ter, o estado inteiro, 220 mil kW, algo como 15% da energia produzida por uma única usina da Cesp. Sarney explicava que o Maranhão tinha pouca energia porque o investimento do país inteiro era canalizado para São Paulo. Pouco depois, quando o Congresso foi fechado no regime militar, Sarney foi morar e trabalhar em São Paulo.

 

A vergonha continua

Neste último domingo, dia 8, completaram-se cem dias em que O Estado de S.Paulo está sob censura prévia, embora a Constituição proíba a censura prévia. O motivo, para variar, é Sarney: foi a pedido do filho do senador, Fernando, que administra os bens da família, que o Estadão foi proibido de mencionar qualquer fato apurado pela Operação Boi Barrica, da Polícia Federal.

Não se pode ignorar a força política de Sarney: quem escreve livros como aqueles que publicou e consegue ir para a Academia Brasileira de Letras é capaz de façanhas inacreditáveis.

 

A síntese de tudo

Sarney, guerra política, tapas: tudo a que se referem as notas acima ocorreu em São Luís do Maranhão, base do império da família Sarney, quando os jornalistas Palmério Dória e Mylton Severiano da Silva autografavam o livro Honoráveis Bandidos. A reunião, no Sindicato dos Bancários, foi dissolvida a cadeiradas, com arremesso complementar de tortas e ovos nos autores do livro. Foi, naturalmente, uma manifestação espontânea: boa parte dos arruaceiros está empregada na Secretaria de Esportes e Juventude do governo de Roseana Sarney.

 

A guerra das OABs

A imprensa está cobrindo com amplidão as eleições nas seções estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil. Mas deixa um aspecto inexplorado: qual a amplitude do poder da OAB? Ajudando a responder: a seção estadual paulista da OAB reúne 250 mil advogados, que ou pagam a anuidade ou não podem trabalhar. A anuidade é de R$ 700,00. Multiplicando, são R$ 175 milhões por ano. Uma entidade que disponha de verbas desse porte é necessariamente poderosa.

 

O mano Caetano

Caetano Veloso disse que seu voto é de Marina Silva e falou mal de Lula. O mundo está caindo, com o peso da patrulha dirigindo seus insultos a Caetano. Como é que alguém se atreve a criticar o presidente? O fato é que Caetano se atreve. E, independente de qual seja sua opinião, ele tem o direito de tê-la. Ou será que a opinião é livre, desde que seja coincidente com a dos patrulheiros?

 

Us cumpanhêro fajuto

Todo mundo está acompanhando a história da entrevista falsa que um imitador do presidente Lula ofereceu ao programa em português da Rádio SBS, da Austrália. Como se fosse novidade! O presidente Lula é fácil de imitar, e há muito tempo existe gente dando entrevistas, fazendo-se passar por ele.

Por exemplo, uma vez Lula chamou Sarney de ladrão, e outra vez chamou-o de companheiro, que não podia ser tratado como uma pessoa comum. Um dos dois Lulas é falso, imitava o outro e era um tremendo gozador. O Lula imitador falava mal de Fernando Collor, o Lula de verdade é amigo dele desde criancinha. Aliás, há também dois Collor: um, o imitador, é o que acusou Lula na TV de tudo o que conseguiu reunir contra ele, o outro, de verdade, é seu admirador e amigo desde a mais tenra infância. E o Lula imitador, que finge ser contra o reajuste integral aos aposentados e ameaça vetá-lo? Quem conhece Lula desde os tempos de sindicalista, em que seu apelido era Baiano, sabe que ele sempre foi favorável ao reajuste, pelo menos quando os outros é que pagavam.

Se fosse só a voz, a culpa poderia ser do político paulista Celso Jatene, perfeito na imitação do presidente. Mas o imitador de Lula consegue, certamente com truques de maquilagem e Photoshop, ficar igualzinho ao original também na aparência física.

Os órgãos de informações do governo tentam agora descobrir quem está se passando pelo presidente Lula e oferecendo entrevistas em nome dele. Que tal se verificassem se o Lula imitador não é a outra face do Lula imitado?

 

Lembra das diretas?

Um grupo de jornalistas que trabalhava na Folha de S.Paulo na época da campanha das diretas-já decidiu lançar um blog sobre o período. Haverá um pouco de tudo: histórias por trás da História, lembranças dos tempos em que toda uma equipe estava alinhada com a direção da empresa na luta por um objetivo nacional, o que faz hoje cada um daquele grupo, discussões sobre o atual jornalismo. É coisa boa. Confira aqui. http://www.contandonossahistoria.com.br

 

Pra lá das fronteiras

Mãe e filha foram apanhadas em flagrante, na Pensilvânia, EUA, roubando um cartão-presente de uma criança de nove anos. Para tentar amenizar a pena, ambas acamparam em frente ao tribunal, com o cartaz ‘Eu Roubei’ e a frase: ‘Eu roubei de uma menina de 9 anos no seu aniversário! Não roube ou isso pode acontecer com você!’

Já pensou se a moda pega? A porta de entrada de alguns tribunais ficaria mais cheia que loja de brinquedos na véspera do Natal.

 

Como…

Do portal noticioso de um grande jornal:

** ‘Justiça decreta prisão preventiva de viúva da Mega-Sena’

Alguém sabia que a Mega-Sena tinha casado?

 

…é…

De um jornal importante:

** ‘Claudia Raia sobre seu bumbum: `Ele é uma pessoa´’

Este colunista sempre achou que Claudia Raia valia por duas. Mas nunca por esse motivo.

 

…mesmo?

De um grande jornal, criticando a censura a que está sendo submetido:

** ‘Presidente do IAB afirma que a mordaça é `ato abusivo´, que viola a Constituição de 1998’

A frase é ótima. Só que não há nenhuma Constituição de 1998: a última, a Constituição-Cidadã de Ulysses Guimarães, é de dez anos antes.

 

E eu com isso?

No noticiário frufru aparece sempre alguma coisa referente a celebridades, artistas, milionários, starlets, hábitos estranhos. Por exemplo:

** ‘Polonês tenta roubar banco armado com uma colher’

** ‘Bolo da festa de aniversário de Luciana Gimenez é roubado em São Paulo’

** ‘Vizinhos de Paris Hilton mandam patricinha calar a boca’

** ‘Taís Araújo toma sorvete com cuidado para não sujar a roupa’

** ‘Eva Mendes faz compras para seu cachorro’

** ‘O casal Fernanda Lima e Rodrigo Hilbert se beijam em evento no Rio’

** ‘Victoria e David Beckham compram porcos de estimação’

** ‘Guilhermina Guinle limpa sujeira de seu cão em calçada do Leblon’

** ‘Jennifer Lopez come pedaço de pizza em pausa de ensaio’

** ‘`Adoro cheiro de fraldas´, diz Sarah Jessica Parker’

Mas frufru também é cultura – ou falta dela:

** ‘Foi aí que o prefeito de Cuiabá, Wilson Santos, interviu, tentando acalmar os ânimos’

Modernidade, modernidade. Antigamente se diria ‘interveio’. Agora vale tudo, menas as normas corretas da língua.

** ‘Mulheres fazem acrobacias para comer macarrão com burca’

Na família deste colunista, as mulheres preferem o macarrão com queijo.

 

O grande título

A briga é boa: começa com um fenômeno editorial, a já famosa capa ambulante que adora programas culturais:

** ‘Capa da Playboy tira noite para ir ao teatro’

Temos uma relação de causa e efeito em que não há causa:

** ‘Após queda, passagem de avião vai aumentar’

Algum avião andou caindo? E que é que isso teria a ver com o preço das passagens?

Mas falta-lhes o charme do grande título. Este tem mais elementos, inclusive um certo toque de duplo sentido – ou melhor, de sentido único, já que aquele que o título buscava certamente não ficou visível:

** ‘Ladrão é pego ajeitando as salsichas dentro das calças’

Se isso vira hábito, não fica um jogador de futebol fora das grades.

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Jornalista, diretor da Brickamann&Associados – carlos@brickmann.com.br