Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Amolando o boi

A explicação, para qualquer pessoa que entenda de criação de gado, deve ser simples. O problema é que este colunista não entende de criação de gado. Não chega a ser um José Serra que, dizem, só conheceu uma vaca ao vivo aos 50 anos de idade. Mas seu conhecimento se limita a churrasco, do lado da demanda.


Enfim, quem paga a vacinação do gado? Parece lógico que sejam os fazendeiros, os proprietários do gado. Então, qual o problema de terem faltado as verbas do governo? Ninguém está pondo nada em dúvida; imaginamos, já que ninguém se opôs às reclamações de falta de verba, que essa verba seja efetivamente necessária. Mas nossa imprensa não se deu ao trabalho de informar qual o papel do governo federal, dos governos estaduais e dos fazendeiros na saúde de nossos rebanhos. Quem faz o que na área da defesa sanitária do gado de corte?


Todos sabem que as redações andam reduzidas, que houve várias crises ao mesmo tempo, obrigando a reportagem a se desdobrar, que viajar pelo campo, em áreas onde o transporte é frequentemente difícil, é uma pauta que é evitada ao máximo. Mas os jornalistas talvez nem precisem ir tão longe para saber quem deve fazer o que: basta telefonar para os especialistas, obter a resposta e oferecê-la aos leitores, ouvintes, internautas e telespectadores. A gente gosta!


E, de repente, descobre-se alguma coisa nova. Digamos, talvez, que o governo paga a vacinação, com o meu, o seu, o nosso dinheiro. Aí se abre um novo campo de discussões, com novas pautas – ou será isso que o pessoal tenta evitar?




Baú de ossos


A imprensa noticiou: embora o gado de Mato Grosso do Sul esteja embargado, é permitida a venda da carne desossada lá produzida. Por quê? Circo da Notícia é cultura: os bichinhos causadores da aftosa se alojam nos ossos do animal. Por isso, carne sem osso pode viajar sem problemas. Outra coisa (mas esta a imprensa publicou): gente não pega aftosa. Comer carne, portanto, não traz perigo. É melhor não, por via das dúvidas, mas ninguém precisa se preocupar – muito.




Sem safadeza


A cobertura do suposto envolvimento do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, no escândalo da Volkswagen AG, tende ao escândalo. Está errado: ninguém tem nada com as eventuais atividades extracurriculares de Sua Excelência. Há escândalo, sim, mas não o sexual: o escândalo é a denúncia de promiscuidade entre um líder sindical, que viajou à Alemanha para tratar de temas relacionados aos associados de seu sindicato, e os patrões. Se o sindicalista permite que um diretor da empresa com quem trata lhe providencie grandes noitadas, certamente não terá condições de enfrentá-lo convenientemente na mesa de negociações.


A propósito, a viagem de Luiz Marinho à Alemanha foi amplamente noticiada na época. As negociações mereceram grande atenção de nossos meios de comunicação. E onde estavam os correspondentes encarregados da cobertura, que deixaram de lado exatamente o ponto mais saboroso da viagem?




Não é, embora tenha sido


A propaganda, como o jornalismo, é uma arte de mexer com as palavras. E o anúncio da Ford Motor, informando que a Land Rover não deixará o Brasil, é um primor de não dizer, dizendo. De acordo com o anúncio, a Land Rover não deixará o Brasil, embora esteja suspendendo a montagem do Defender, seu único modelo aqui produzido. No ano que vem, diz o anúncio, tudo será importado da Inglaterra. Deixou o Brasil, então? Não, claro que não! Quem quiser um veículo Land Rover poderá importá-lo sem qualquer problema.


De certa forma, é uma excelente notícia. Como também podemos importar Rolls-Royces, concluímos que a Rolls-Royce também está no Brasil, assim como a Bentley, a Ferrari e o Isotta-Fraschini. Brasil, capital mundial do automóvel!




Às armas, cidadãos


O excelente advogado e jornalista Décio Pedroso, leitor desta coluna, lamenta o referendo de domingo passado. ‘Depois de todas as argumentações, prós e contras, inclusive as suas, concluo: que pena, com os 500 milhões gastos com o referendo poderíamos comprar ótimas armas!’


Na verdade, o leitor ainda não conhece o Brasil. O referendo deve ter custado uns 500 milhões de reais. Com 400 milhões de reais poderíamos abrir uma concorrência absolutamente limpa, honesta e transparente para comprar 300 milhões de reais em armas. Os 200 milhões dariam para comprar quase 100 milhões em excelentes armas, mas a concorrência seria impugnada e, depois de longas discussões, finalmente haveria a licitação para gastar os 30 milhões de reais. E vocês, caros leitores, não imaginam como as armas estão caras! Com 10 milhões não poderíamos comprar quase nada!




Pimenta no dos outros


Um foi cassado, alguns renunciaram, outros estão sendo processados, mas um parece ter sido deixado de lado: o deputado gaúcho Paulo Pimenta, aquele que foi flagrado, de madrugada, dentro do carro de Marcos Valério, no estacionamento do Senado. Que foi fazer ele lá dentro? Segundo disse, foi apanhar uma lista de beneficiários do mensalão – mas apresentou uma lista apócrifa, com a maior irresponsabilidade, sem se dar sequer ao trabalho de conferir os nomes. Se isso não é quebrar o decoro parlamentar, qual violação o será?




Elogio vale prêmio


Mais dois concursos de jornalismo procuram atrair os colegas. Um premia reportagens sobre diabetes ‘valorizando a geração de matérias de qualidade que tenham repercussão positiva junto à população’. É claro que uma reportagem independente, que mostre, digamos, que os remédios contra diabetes são caros e pouco eficientes, não teria repercussão positiva junto à população, não é mesmo? Outra incentiva reportagens sobre a indústria brasileira de ‘bens de capital mecânicos’. Mais uma vez, as chances de quem sugerir que talvez seja melhor importar as máquinas, em vez de fabricá-las aqui, talvez sejam bastante reduzidas.


O problema dos prêmios de jornalismo (excetua-se o Prêmio Esso, que é dado por um distribuidor de combustíveis mas não exige reportagens sobre seu produto) é o que já foi apontado nesta coluna: o objetivo é puramente comercial, é fazer com que os colegas produzam matérias na linha justa, que possam obter o prêmio. Não chega a ser um jabá, um suborno. Mas coisa boa é que não é.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados