Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aqui Observatório, lá Ameaçatório

A imprensa argentina é mais velha do que a nossa. Segundo Carlos Rizzini, em O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil (1ª edição, Rio, 1945), começou em 1801 com um bi-semanário cujo nome parece letra de tango – Telégrafo Mercantil, Rural, Politico-Económico e Historiógrafo del Rio de la Plata – e seu diário mais antigo – La Nación, 1870 – continua como referência nacional.


Em matéria de desprezo por uma imprensa livre, la Presidenta Cristina Fernández de Kirchner, é neófita. Seu colega brasileiro, o presidente Lula, é veterano: na condição de presidente começou a implicar com a imprensa ainda em 2004 com o natimorto Conselho Federal de Jornalismo e até hoje não conseguiu livrar-se das recaídas periódicas. Hugo Chávez veio em seguida.


Cristina Kirchner acreditava piamente no seu poder de enganar a sociedade argentina através da manipulação de dados macroeconômicos, sobretudo os índices de inflação. Para enfrentar o protesto dos produtores rurais e da classe média sem dinheiro para manter o seu padrão alimentar, o governo colocou a tropa de choque peronista nas ruas. E para calar a imprensa, notadamente o grupo que edita o diário Clarín, relançou o Observatório de Discriminación en los Medios, um cala-boca pseudo-acadêmico baseado na intimidação [ver aqui].


Acompanhar e monitorar


O peronismo jamais conseguiu conviver com uma imprensa livre desde o golpe de 1943, que levou os militares fascistas (e com eles Juan Domingo Peron) ao poder. A dupla Kirchner ainda não entendeu o funcionamento de uma democracia autêntica. A melhor prova é este ‘observatório antiobservação’ recém-saído dos laboratórios da Casa Rosada.


Observar é uma atitude democrática, pressupõe uma disposição de não interferir. Este pseudo-observatório portenho é, ao contrário, uma forma ostensiva de intervenção.


A mídia precisa ser examinada e criticada permanentemente – pela sociedade e não pelo aparelho do Estado. A crítica aos meios de comunicação quando entoada pelas autoridades converte-se automaticamente em ameaça. Ameaçar a imprensa, ainda que esta ameaça não se materialize, já configura um limite à liberdade, é infração.


Apesar da nossa vocação para os eufemismos e para as distorções semânticas, a noção de observatório em nosso país continua sendo entendida corretamente como um espaço (ou disposição) para acompanhar e monitorar. Este Observatório da Imprensa é prova disso.


O observatório do oficialismo argentino não passa de um Ameaçatório.