Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

As conspirações da História

A imprensa não divulgou o debate do SBT, onde Geraldo Alckmin daria uma surra histórica no presidente Lula e mudaria o rumo das eleições. Os repórteres dos principais veículos de comunicação do país fizeram um acordo para não revelar a fonte das fotos daquele monte de dinheiro do dossiê. Os repórteres dos (mesmos) principais veículos de comunicação do país receberam gravações de influentes líderes petistas combinando como esconder a história do dossiê, e decidiram não divulgá-las. A Rede Globo não divulgou o acidente aéreo com 154 mortos no Jornal Nacional para não tirar o impacto do dinheiro do dossiê.

O fato é que a imprensa divulgou o debate do SBT (onde Geraldo Alckmin, a propósito, tomou uma surra histórica do presidente Lula e não mudou o rumo de eleição nenhuma). Os repórteres dos principais veículos de comunicação do país usaram a prerrogativa constitucional de manter o sigilo da fonte que lhes forneceu as fotos do dossiê – e, se um copiou as fotos para outros, não fez mais do que obrigação de colega. Isso existe desde o início dos tempos, quando os repórteres que chegavam mais cedo pegavam os discursos e guardavam cópias para quem viesse mais tarde. A tal gravação dos líderes petistas não apareceu em lugar nenhum. A Globo não divulgou o acidente aéreo no Jornal Nacional porque a notícia do desaparecimento do Boeing chegou quando o jornal já tinha terminado.

A propósito, saiu num blog a transcrição de um diálogo entre o delegado que revelou as fotos do dinheiro e os repórteres que as receberam. Os repórteres que este colunista conhece são absolutamente íntegros e corretos. Não dá para duvidar deles.

Enfim, caros colegas, em termos éticos, em termos de parcialidade, em termos de tentar mudar o mundo a golpes de manchete, a cobertura destas eleições deve ter tido falhas, mas poucas: no geral, os veículos de comunicação foram corretos e procuraram dar espaço e tratamento igual aos principais candidatos. Este colunista só reclama do enfoque: deveria haver menos pesquisas e mais política. A história, por exemplo, de como Alckmin ficou sozinho, abandonado por seu próprio partido, mesmo tendo passado ao segundo turno. Deve haver aí uma reportagem fascinante, do político que saiu de Pindamonhangaba, subiu a alturas que nem ele imaginara e, ao que tudo indica, está voltando a Pindamonhangaba.



Plutão, pluto, plutinho

Uma das melhores histórias de teoria conspiratória foi a da Sociedade Amigos de Plutão. Carlos Chagas escreveu um artigo dizendo que tinha sido fundada uma ONG para lutar contra o rebaixamento de Plutão, que o governo já tinha entrado com um monte de dinheiro e que os 800 diretores receberiam salários mensais de 20 mil reais. Era visivelmente uma piada, mas foi levada a sério pelos opositores do governo Lula. O senador Heráclito Fortes, do PFL piauiense, chegou a fazer discurso no plenário.

Quando o próprio Chagas desmentiu o fato, Heráclito Fortes emendou dizendo que a Sociedade Amigos de Plutão era um código que o partido usava para se referir a uma ONG que beneficiaria a filha do presidente Lula, Lurian, que vive em Santa Catarina. Por que se referir à ONG em código, isso ninguém explicou. E eruditos artigos de jornalistas lulistas condenaram a piada de Chagas, criticando-o por demorar a esclarecê-la.

E desde quando, caros colegas, é preciso explicar uma piada?



Quem é

Já que estamos bem em cima das eleições, uma definição de candidato: ‘Pessoa que obtém dinheiro dos ricos e votos dos pobres para proteger um do outro’.



A Federal por dentro

Uma reportagem preciosa, nessa época pré-eleitoral, seria a radiografia da Polícia Federal. Este colunista, certamente por não conhecer os federais por dentro, não consegue acreditar que certas medidas sejam tomadas por motivos ‘republicanos’ – seja lá o que isso queira dizer. O comando da Federal é do ministro Márcio Thomaz Bastos, petista até a ponta do nariz – e haja petismo nessa distância toda! Mas foram agentes federais que prenderam Duda Mendonça na rinha de galos; foram agentes federais que estouraram a história do dossiê contra Serra; foi um delegado federal que distribuiu as fotos da montanha de dinheiro.

Republicano? Republicano é o partido americano que está no poder, com George Bush. Republicana é a Coréia do Norte , onde o filho Kim Jong Il entrou no lugar do pai Kim Il Sung (mas com o nome de Estimado Líder, e não, como o pai, de Grande Líder). Republicano é o Brasil, onde um ministro de Estado chama o presidente da República de ‘nosso guia’.

Delegados e policiais não têm nada com isso – e narrar aos leitores a verdade sobre os duelos de foice entre os republicanos do PT, os republicanos do PSDB e as outras possíveis alas de republicanos seria extremamente útil para entender, de verdade, o que se passa no Brasil.



Respeito à religião

No fogo eleitoral há gente atirando pesadamente na Opus Dei, parte integrante da igreja católica, prelazia pessoal do papa. Atribui-se ao candidato Geraldo Alckmin a participação na Opus Dei e, a seguir, vem a saraivada de insultos sobre a prelazia e seu fundador, Josemaría Escrivá. Alckmin diz que não pertence à Opus Dei, mas isso não é levado em conta.

Este colunista, judeu não-praticante, não tem qualquer simpatia especial pela Opus Dei ou por qualquer corrente religiosa – e cultiva, a propósito, um salutar distanciamento de clérigos em geral. Mas não pode concordar com ataques que não sejam absolutamente concretos dos meios de comunicação a entidades religiosas. No caso, em primeiro lugar, é preciso provar a ligação de Alckmin com a Opus Dei (o que, simultaneamente, significaria que o candidato faltou à verdade ao desmenti-la). Segundo, que se diga o que há de real contra a Opus Dei – sem insultos, com provas. Isso, é claro, não engloba atitudes livremente adotadas por seus seguidores, mesmo que aos de fora pareçam ridículas. Se um cavalheiro, por convicção religiosa, sem coação, opta por ser virgem, por carregar correntes na cintura ou por beber vinho paraguaio, qual o crime que está cometendo?

Antonio Carlos Magalhães freqüentava o terreiro de Mãe Menininha, ao lado dos comunistas Jorge Amado e Carybé, e vai à lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim. Tem gente que chora quando chega perto de Fidel Castro. É coisa pessoal, e ninguém tem rigorosamente nada com isso.

Sem tomar a precaução de trocar o insulto pela reportagem, a imprensa estará colaborando para piorar ainda mais o Brasil: para transformar-nos, além de todos os nossos problemas, num país religiosamente dividido.



Moral em concordata

Não, caros colegas, não é só aqui. Nos Estados Unidos, o grande escândalo da imprensa é Tony Snow, o porta-voz da Casa Branca. Snow misturou suas atividades profissionais à arrecadação de fundos para políticos de seu partido, o Republicano. Faz isso abertamente, mas seu trabalho vem sendo muito mal recebido pela imprensa, apesar do talento que mostra nas entrevistas coletivas: afinal de contas, ele é arrecadador de fundos (e, portanto, conta histórias que agradem aos doadores) ou porta-voz (e, portanto, fonte confiável dos jornalistas)

Snow promete manter suas atividades de arrecadador até o mês que vem, quando se realizam as eleições americanas. Se a imprensa não o derrubar até lá.



Erramos

O grande Eduardo Martins, nascido no Mato Grosso, autor do Manual de Redação e Estilo do Estado de S.Paulo, corrige esta coluna: o correto não é ‘matogrossense’, e sim ‘mato-grossense’. Quando uma palavra deriva de uma locução ou de duas frases com sentido completo, tem hífen: rio-grandense-do-sul, bom-mocismo.

Martins só balança nas convicções mato-grossenses quando lembra que o governador do estado, Blairo Maggi, cujo partido apóia Alckmin, decidiu marchar com Lula. Por coincidência, pura coincidência, foram liberados alguns bilhões de verbas federais muito bem-vindas pelo governador.



E eu com isso?

As primeiras previsões sobre o futuro do computador previam que, neste ano, um modelo pequeno pesaria algo como duas toneladas e meia. O progresso foi muito mais rápido; e hoje, processando as informações em alta velocidade, podemos saber que:

1. Glenn Close participou da abertura de um jogo nos EUA;

2. Giovanna Antonelli circula com Eduardo Galvão no Rio;

3. Paris Hilton vai a evento promovido por Justin Timberlake.



Como é mesmo? – 1

Nesta semana temos uma notícia completa: o título é ‘Arraia salta em barco e ataca homem de 81 anos’. Aí vem o texto: o cavalheiro tentava devolver a arraia ao mar quando foi picado. Afinal, a arraia estava dentro ou fora do barco?

O texto esclarece: fora. ‘Uma arraia saltou para dentro de um barco e espetou com sua cauda o peito de um idoso de 81 anos (…)’ Esclarece mais: ‘Bertakis estava aparentemente tentando devolver a arraia para o mar quando foi ferido’. Esclarecido? Simples: uma hora ela pulou para dentro, outra hora já estava lá.



Como é mesmo? – 2

Veja que título delicioso:

** Rapaz acusado de mandar matar a mãe tira nota 6 em Direito Penal

Os dois fatos são verdadeiros: o rapaz é acusado de mandar matar a mãe e tirou 6 em Direito Penal. E que tem uma coisa a ver com a outra?

Aquele famoso promotor Igor, que assassinou a esposa grávida e está foragido até hoje, quatro anos depois, provavelmente sabe tudinho de Direito Penal!



Como é mesmo? – 3

** Pedem 13 anos para duas brasileiras e equatoriana imputadas crime

O título deve fazer sentido. Se não fizesse, por que teria surgido?

Há outro, também altamente enigmático:

** Nvidia digitalizará coelhinha da Playboy para mostrar poder das novas GeForce

Mas o melhor título da semana, sem dúvida, tem sua veia poética:

** A doce bruma matinal e as almas não tão pequenas

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados