Tuesday, 19 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Chegou a hora de liquidar os feridos

Nas guerras do Sul da América, havia um tipo especial de guerreiro que acompanhava as tropas: os degoladores. Sua função era circular pelo campo de batalha após os combates e degolar os feridos.

A imprensa também tem disso: terminadas as eleições, aparecem os degoladores, que não se manifestaram durante a campanha e, definidos os perdedores, trituram as estratégias que, é óbvio, dizem, não poderiam dar certo. Em seguida, vêm os louvores à estratégia dos vitoriosos que, é óbvio, dizem, foi genial e tinha de dar certo. É um belo subproduto da profissão: os profetas do passado.

Se a estratégia de um candidato estivesse tão claramente errada, não seria difícil analisá-la durante a campanha, prevendo que não poderia dar certo. Mas aí a coisa é mais complexa: envolve a exposição do raciocínio do analista. E se o candidato da estratégia errada, por pura e simples vontade de contrariar o óbvio, dá de ganhar a eleição?

Já aconteceu e não foi uma vez só. Jaques Wagner ganhou o governo baiano no primeiro turno, quando toda a expectativa era de que, se chegasse ao segundo turno (onde certamente perderia), já teria cumprido seu papel. Luiza Erundina virou as eleições paulistanas em poucos dias e ultrapassou os favoritos Paulo Maluf e João Leiva. Yeda Crusius, que nem iria para o segundo turno, é a governadora do Rio Grande do Sul. Luizianne Lins, rejeitada até por seu próprio partido e abandonada à própria sorte, derrotou o favoritíssimo Inácio Arruda em Fortaleza. Às vezes, o fenômeno acontece em massa: a Arena, partido dos militares no poder, era tão favorita nas eleições de 1974 que quando Franco Montoro previu a vitória do MDB em 15 Estados todo mundo deu risada. Pois foi surrada em todo o país. Como dizia Magalhães Pinto, velho sábio da política mineira, ‘eleição e mineração só depois da apuração’.

Então, caro colega, quando os iluminados surgirem com suas previsões do passado, procurando destruir de vez os que foram derrotados, sejamos condescendentes. Não podemos levá-los a sério. Nem esquecer que estão, na verdade, apenas bajulando os vencedores e tripudiando sobre os vencidos.



A fonte das notícias

Aquilo que já se sentia está agora respaldado por uma pesquisa: de acordo com o Barômetro da Imprensa, pesquisa da FSB Comunicações, a internet é hoje a principal fonte de informação dos jornalistas. Os jornalistas que se informam por jornais impressos são metade dos que buscam notícias pela internet.

Este é um tema interessante de debate: a internet ganha em velocidade, mas não tem sido bem cuidada em termos editoriais. Muita coisa sai sem checagem, na luta para dar a notícia em primeiro lugar; a língua é maltratadíssima. E, em boa quantidade de portais, o serviço é feito exclusivamente por estagiários, sem supervisão, o que é ruim para a informação e para os próprios estagiários, que ganham experiência mas não recebem orientação adequada.

Os veículos impressos também têm a ganhar estudando o assunto: não podem competir com a velocidade da internet, nem com sua capacidade de divulgar imensa quantidade de informações num espaço ilimitado. Sobra-lhes, portanto, a articulação das notícias, a hierarquização dos fatos, o pensamento sobre o que acontece. Cabe-lhes, enfim, encontrar o sentido das notícias. Os veículos impressos são essenciais (e, até agora, insubstituíveis), mas precisam ser repensados – como já o foram na época em que a TV surgiu como concorrente.



Lembrando 1

Nos tempos em que Alberto Dines comandou o Jornal do Brasil, no Rio, mandou instalar uma TV na Redação. Mais do que tudo, era um lembrete para os jornalistas: tinham de escrever pensando que aquele acontecimento já tinha sido divulgado pela televisão. Este lembrete precisa ser reforçado a cada dia: hoje, assiste-se a um jogo de futebol pela TV, com repetição dos principais lances, com comentários, vê-se o que saiu no blog do Chico Lang, inclusive com informações exclusivas, e seis, sete horas depois abre-se o jornal, com as mesmas notícias.



Lembrando 2

Mais uns 15 anúncios na TV e nos jornais em torno do tema ‘a Loja Tal faz aniversário e quem ganha o presente é você’. A idéia é boa – tão boa que quem a teve foi um craque da publicidade, Alex Periscinotto, na época em que estava no Mappin. Faz mais de 40 anos. Será que não houve tempo para alguém ter outra idéia de anúncio de comemoração do aniversário de algum empreendimento?



Uau! 1

O portal de internet de um grande jornal dá a notícia com destaque: uma ala do PSDB fiel ao ex-governador Geraldo Alckmin não aceita qualquer acordo com Gilberto Kassab. Quem lidera esta ala? Rosalvo Salgueiro, um ativista tucano que jamais disputou eleições. Se Rosalvo Salgueiro merece esse destaque, que fará o portal se tiver uma declaração de Fernando Henrique ou Aécio Neves?



Uau! 2

Outra reportagem de destaque num portal jornalístico dá conta de que uma igreja católica de Ribeirão Preto decidiu aceitar que o dízimo dos fiéis seja pago com cartão. Como diriam os americanos, ‘where is the beef?’ Cadê a notícia? Qual a diferença entre pagar o dízimo em dinheiro, cheque ou cartão?



Mogi News responde

O editor-chefe do jornal Mogi News, de Mogi das Cruzes, SP, escreve para apresentar sua versão dos fatos que levaram à demissão da repórter Márcia Regina Dias – aquela que perdeu o emprego depois que o promotor local, irritado com a desobediência às normas de edição que exigia, passou a pressioná-la.

Segue-se, na íntegra, a carta do jornalista Márcio Siqueira, do Mogi News. Abaixo, está a resposta.

  Prezado Carlos Brickmann

Lamentável sua postura com relação ao caso da jornalista Márcia Dias. Primeiro: como editor-chefe do Mogi News nunca fui procurado por você ou por quem o representasse para dar minha versão sobre o assunto. Segundo: é bom que saiba que a jornalista mente ao dizer que ganhou a ação em primeira instância.

Márcia Dias concretizou aqui um dos mais lamentáveis casos de promiscuidade com o meio policial de que se tem notícia. Virou uma funcionária a serviço de versões parciais e por isso – só por isso – foi demitida. O caso do e-mail do promotor foi apenas o último de tantos outros.

Quanto à referida ação trabalhista, o que houve foi um acordo homologado. A jornalista abriu mão de sua absurda pretensão inicial de recebimento e o jornal aceitou pagar o que achava justo.

Diante das informações completamente inverídicas da jornalista, acionaremos a Justiça na esfera cível. O processo está disponível na 2ª Vara da Comarca de Suzano para ser consultado.

Conhecedor de sua competência e seu leitor e admirador desde os tempos da Folha da Tarde, peço a publicação desta carta.

Um abraço. Márcio Siqueira, editor-chefe – Mogi News e Diário do Alto Tietê

 

Caro Márcio Siqueira

O Ministério Público tem várias funções definidas em lei. Nenhuma delas é influir na edição de um jornal. O caso: em maio último, o promotor enviou à repórter Márcia Regina Dias, por e-mail, um processo em que acusava policiais por corrupção. Enviava também detalhadas instruções sobre a maneira de utilizar as informações no jornal. Em nenhum momento pediu sigilo. A repórter, corretamente, foi ouvir os acusados (e não é o próprio Márcio Siqueira, nesta carta, que se queixa de não ter sido procurado?). O promotor, irritado pela desobediência da repórter, resolveu se recusar a dar entrevistas para ela e para qualquer de seus colegas. O jornal ficou ao lado do promotor, contra sua funcionária – contra a funcionária que acatava ordens de seus chefes hierárquicos, mas não de gente de fora, de gente que nem jornalista é. E demitiu-a.

Isto, sim, seria lamentável. Mas sabemos que pressões de autoridades são difíceis de suportar, tanto que muitas vezes os proprietários da empresa preferem aceitá-las. A sobrevivência da empresa muitas vezes acaba prevalecendo sobre as atitudes que seriam corretas, porém suicidas.

Com um abraço

Carlos Brickmann



Como…

Comentário político: ‘(…) é o caso do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, e da família Amin, no Espírito Santo’.

César Maia é prefeito do Rio de Janeiro. Correto. Já a família Amin só vai ao Espírito Santo a passeio (o sol é forte e, refletido na calva de Esperidião Amin, cria estranhos fenômenos visuais). Esperidião vai pouco à praia, mesmo àquelas lindas de seu estado, Santa Catarina. Sabe quanto custa o protetor solar de careca, ainda mais em grandes quantidades?



…é…

‘Anatel nega intensão de regular acesso à web pela rede elétrica’.

Tudo bem, as coisas combinam: rede elétrica, tensão, 110 e 220. Mas ‘intensão’ é novidade.



…mesmo?

‘Prazo de concessões de 184 rádios e TVs estão expirados no Brasil’.

Talvez seja um truquezinho de linguagem, uma certa ironia: o prazo deve ter expirado há tanto tempo que virou plural.



É assim mesmo

O professor Álvaro Larangeira, que zela pela correção do que fala e escreve, selecionou um delicioso texto sobre gatos de pelo dourado. Primeiro, o original, naquela estranha língua internética que procura estimular a convivência entre singular e plural, salpica vírgulas como quem põe sal nas batatas fritas e rejeita, talvez como símbolo de épocas antigas, toda e qualquer regência verbal:

‘(…) embora o pêlo deste animal é, em sua maioria, castanho dourado ou vermelho existem variantes com pelagem preta ou cinza’.

Agora, o texto da mesma fonte, transcrito em outro veículo, em que a estranha língua do original ganha a companhia de palavras incompletas:

‘(…) o pelo desses gatos são normalmente castanho dourado ou vermelho, mas existem també variantes pretas ou cinzas’.

Pergunta do professor Larangeira: ‘Embora não seja o caso de homicídio frasal doloso, convém enquadrá-los, principalmente o primeiro, como lesão corporal à língua portuguesa?’



E eu com isso?

Enquanto alguns se debruçam sobre o estressante trabalho de prever o passado, enquanto outros tentam (este colunista teme que inutilmente) zelar por um pouco de ordem na língua portuguesa, há quem não se preocupe com nada disso: o importante é escarafunchar a vida dos famosos. Entenda-se por famosos aqueles que aparecem em revistas de famosos e em festas de famosos, seja lá isso o que for.

** ‘Daniele Suzuki e namorado fazem mais um programa familiar’

Gente bem comportada: a atriz levou o namorado para conhecer sua família.

** ‘Toda de azul, Paris Hilton vai às compras’

**Maureen Maggi adora salto alto’

** ‘Cristiano Ronaldo aparece com imensa mancha de suor’

** ‘Saia justa: de vestido curto e decotado, Liz Hurley fica com a calcinha à mostra durante evento em Nova York’

Caro colega: se Elizabeth Hurley enfrentou, sem problemas aparentes, a prisão de seu namorado Hugh Grant num programa com Divine Brown, não é a calcinha à mostra que vai constrangê-la. A propósito, que é que tem o decote com a calcinha à mostra?



O grande título

Esta semana é dedicada aos animais.

** ‘Cliente fiel, égua é barrada em bar na Inglaterra’

** ‘Urso entra em lanchonete, olha ingredientes e desiste de comer no Canadá’

O título que se segue é o preferido deste colunista:

** ‘Canja de galinha faz sucesso entre pandas estressados na China’

E diziam que os bichinhos se alimentavam apenas de brotos de bambu!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados