Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Culpem os culpados de sempre

Gente, como é difícil analisar uma crise nos meios de comunicação sem o vilão tradicional, o ‘zianqui’! Na Líbia, Moamar Kadafi põe a culpa na Al Qaeda, mas os partidários da ditadura líbia, em outros países, não põem a culpa em ninguém: o ‘zianqui’ estão fora. Mas, por via das dúvidas, atacam os ‘estadunidenses’ – outro nome que os antiamericanos adoram para designar o ‘zianqui’ – por inventar uma luta na Líbia que, dizem, absolutamente não existe: é tudo fruto da invencionice da imprensa ocidental. Os sionistas ainda não foram responsabilizados, talvez por falta de oportunidade, mas a hora vai chegar.


O fato é que, enquanto isso, as crises do Oriente Médio são cobertas com competência por pouca gente, quase toda da grande imprensa, quase ninguém conhecedor do assunto nas agências noticiosas. Não sabemos ainda, por exemplo, quais forças tomaram o poder na Tunísia; nem quem luta pelo comando do Egito. Na Líbia, não sabemos sequer quem luta contra quem. A tentativa de atribuir propriedades ocidentais (conceito de Estado-nação, democracia representativa, distribuição equilibrada de poder entre as diversas etnias) a um Estado como a Líbia, onde as lealdades tribais e de clãs são mais fortes que qualquer clivagem política, não funciona. Lá, a potência mais ouvida, nos tempos do rei Idriss ou de Kadafi, que o derrubou, sempre foi a Itália, antigo poder colonial.


Vamos às perguntas: com quem estão os habitantes da Cirenaica, um antigo país que foi englobado artificialmente pela Líbia? A julgar pelo noticiário (quem domina que região geográfica), com a oposição. Os moradores da Tripolitânia, outro antigo país do Norte da África englobado pela Líbia, ou apóiam Kadafi ou não tiveram ainda condições de se manifestar contra ele. E há os clãs, como no Líbano, onde famílias como Chamoun, Gemayel, Geagea, Jumblatt e outras chegaram a ter milícias próprias e bem armadas.


Na Líbia, no momento em que este colunista escrevia, a luta continuava. Mas no Egito e especialmente na Tunísia a luta terminou faz tempo. Como se trava a disputa pelo poder após a queda dos dirigentes tradicionais?


 


Punido com a liberdade


Lembra do vereador Kirrarinha, que agrediu a repórter Márcia Pache na frente das câmeras, na cidade de Pontes e Lacerda, Mato Grosso? Lembre do caso: o vídeo da agressão está aqui.


Pois o vereador acaba de ser julgado e punido: foi condenado a passar um ano em liberdade. O caro colega leu certo: Kirrarinha foi condenado a um ano de detenção, em regime aberto. Isso significa ficar livre durante o dia e passar a noite numa ‘casa do albergado’. Como esta casa não existe em Pontes e Lacerda, ele passará a noite em sua casa, mesmo, ou sabe-se lá onde. Aliás, Kirrarinha (ou Lourivaldo Rodrigues de Morais, seu nome verdadeiro) nem se deu ao trabalho de ir ao julgamento.


Lei é lei; se a lei o autoriza a ficar o dia em liberdade, OK. Mas os meios de comunicação vão deixar barato que ele fique solto também à noite, zombando da sociedade, desfrutando da impunidade que obteve apesar da condenação? Se lei é lei, a lei determina também que ele cumpra a pena. O acinte é tamanho que, desde a ‘punição’, a repórter agredida vem recebendo ligações em seu celular, e quando atende só ouve a respiração do outro lado. O criminoso tem amigos, e eles sabem que ganharam o jogo, embora pareça que tenham perdido.


 


E a censura existe


Já com jornalistas que querem publicar notícias verdadeiras a lei é dura. O juiz Antônio Carlos Campelo, da 4ª Vara Cível Federal do Pará, determinou ao jornalista Lúcio Flávio Pinto que deixe de publicar parte substancial das informações sobre o processo contra executivos do grupo jornalístico O Liberal, de Belém. Lúcio Flávio Pinto, diretor do excelente Jornal Pessoal, foi ameaçado de prisão e multa de R$ 200 mil. Por quê? Porque o processo corre em segredo de Justiça. Só que não é Lúcio Flávio Pinto que vaza o processo: é alguém que está livre de ameaças. Ele faz apenas o que a Constituição garante, que é publicar sem censura prévia as informações que obtém. Garantir o sigilo é obrigação da Justiça, não do jornalista.


A coisa já foi pior: a primeira decisão do juiz simplesmente proibia Lúcio Flávio Pinto de divulgar qualquer informação retirada do processo. Depois, voltou atrás um pouquinho, e dividiu o processo numa parte que não pode ser divulgada e em outra que talvez possa. Mas isso não faz diferença: a liberdade de informar de qualquer jeito está sendo cerceada.


Este colunista entende pouquíssimo de Direito. Mas domina bem nosso idioma, e sabe que o nome do que fazem com o grande jornalista é censura.


 


O roquinrou da bola


Há muitos e muitos anos, O Estado de S.Paulo procurou traduzir para o português os termos ingleses do esporte que começava a apaixonar o país, o football association. O goal-keeper virou arqueiro (o Estadão não aceitava goleiro, porque goleiro vinha do inglês goal), os full-backs se transformaram em zagueiros, o half-backs passaram a chamar-se laterais, o center-forward é hoje o centroavante. Até o nosso escanteio tinha nome em inglês, corner.


Que pena! Justamente a empresa guardiã das tradições jornalísticas toma a iniciativa de transformar a clássica Eldorado, um marco no rádio brasileiro, em Rádio Estadão-ESPN. E nem é ESPN: é, na pronúncia que gostam muito de usar, ‘I-es-pi-em’, bem à moda gringa. A gente torce para dar certo, mas não pode deixar de lamentar a destruição de uma grande marca.


 


Tudo muda


E até o que parecia imutável imutável não era: Heródoto Barbeiro, professor e ídolo de gerações de jornalistas, símbolo da CBN paulista, um dos principais nomes da TV Cultura, está se mudando para a Record News, para comandar todo o projeto de reformulação do grupo. Heródoto tem experiência (e sucesso) em todas as áreas do jornalismo. É uma aposta forte do jornalismo da Record.


 


Ipad nas ruas


Já está em elaboração o Brasil 247, jornal exclusivo para Ipad dirigido pelo jornalista Leonardo Attuch (que já foi editor de Economia do Estado de Minas, colunista e diretor da IstoÉ e da IstoÉ Dinheiro). Foi o autor da entrevista com a secretária Karina Sommagio, secretária do publicitário Marcos Valério, testemunha-chave no escândalo do mensalão.


O principal incentivador do projeto é o empresário Marcos Elias, da Laep (dona da Parmalat e que acaba de comprar a Daslu).


É uma experiência interessante e está entre as primeiras do mundo. Boa parte da grande imprensa já implantou seu vínculo com o Ipad. Mas, por enquanto, só um jornal, nos Estados Unidos, opera exclusivamente com Ipad.


 


Discriminação


Uma grande repórter, a Mônica Bérgamo. Então, por que ser premiada com o Troféu Mulher Imprensa? Por que a restrição, por que um prêmio só para mulheres? Mônica pode perfeitamente ganhar o Prêmio Esso, que considera que jornalista é jornalista, seja homem, seja mulher. Criar um Troféu Mulher Imprensa não é como separar as mulheres na Corrida de São Silvestre – numa corrida de fundo, as características físicas favorecem os homens, justificando a separação, enquanto numa reportagem não há motivo para qualquer discriminação. A coluna da Mônica Bérgamo não é de mulher ou de homem: é de jornalista, é bom jornalismo.


As pessoas às vezes fazem confusão: como as mulheres entraram no mercado de trabalho há menos tempo, gostam de tratá-las com paternalismo.


Há alguns anos, a estudante de Direito Alzira Helena Teixeira foi convidada por colegas da Faculdade de Direito a disputar o Departamento Feminino do Centro Acadêmico 11 de Agosto. Alzira, moça de fala mansa, perguntou quem disputaria o Departamento Masculino. Estupefação geral: imaginava-se que o Centro Acadêmico fosse quase integralmente masculino, com uma pequena concessão às mulheres. Só que o Centro Acadêmico é para estudantes, seja qual for seu sexo, seja qual for sua opção sexual. Da mesma forma, jornalismo é para jornalistas, não importa o sexo.


Parabéns, Mônica Bérgamo, como grande jornalista. Para ela, não é preciso reduzir o campo para que seja reconhecida como profissional de primeira linha.


 


Como…


Um erro? Não! O redator foi extremamente generoso.


1. Não havia qualquer motivo para citar a nacionalidade do personagem, já que se ele fosse turco, argentino, francês ou búlgaro a notícia seria igual. Mas, já que querem citá-la, sabe-se lá por que, Kia Joorabchian não é iraquiano. É iraniano, nascido no Irã, não no Iraque. Ou britânico, já que é naturalizado.


2. Segue o texto, em que Kia nega a possibilidade de volta de Carlitos Tevez ao Corinthians, em curto prazo (negativa, aliás, desnecessária: na entrevista ao repórter Chico Lang em que falou do assunto, ele já havia dito que era coisa para daqui a alguns anos): ‘O agente iraquiano rechaça uma ventilada volta a curto prazo do atacante argentino ao Corinthians’. Não é ótimo esse ‘rechaça uma ventilada’?


 


…é…


Um erro? Não! Aqui também o redator foi extremamente generoso.


** ‘Aviões de guerra (…) bombardeou (…) Se você está bombeando sua própria capital, é certamente difícil ver como você pode sobreviver (…) Na Líbia (…) há um prospecto de violência grave e conflito aberto(…)’


Bombear a capital já é esquisito. O prospecto de violência é mais estranho ainda. Terão as autoridades mandado imprimir prospectos com fotos de bombardeios (ou melhor, de ‘bombeios’)? É difícil encontrar um jeito de dar sentido.


 


…mesmo?


Temos um ‘agreção’. Temos também um encontro em que um repórter encontrou um figurão ‘e o falou’. Eta, regência! E nem é tão difícil: os manuais de redação trazem tudo muito bem explicadinho. É só abri-los e lê-los.


 


Mundo, mundo


Coisas estranhas, muito estranhas:


** ‘Mulher descobre que está ‘morta’ junto com filho’


Não se sabe ainda como o erro foi cometido. Mas ela o descobriu ao visitar o cemitério e ver que, na lápide, o nome do filho estava ao lado do seu.


** ‘Está previsto que o corpo do garoto deixe o velório e siga para a cremação às 9h30 (…)’


O falecido continua ativíssimo!


** ‘Indiano precisa de prédio inteiro para suas 39 mulheres’


O cavalheiro criou uma nova igreja que permite a poligamia, e sem limites. O nome de sua igreja é sugestivo: ‘Chana’. Mas deveria estar no plural.


 


E eu com isso?


Veja só: os fotógrafos se assanharam por terem flagrado a namorada de Cristiano Ronaldo com a perna peluda. OK, OK: nessas situações, em que há certa confusão, e se fosse a perna dele?


** ‘Grazi Massafera e Cauã Reymond passeiam pelas ruas do Leblon’


** ‘Perseguidor de Sharon Stone diz que é filho de Hillary Clinton’


** ‘Leoa chamada Rose coça a cabeça em um galho no zoológico’


** ‘Acusado de roubo com garfo de cozinha pede HC no Supremo’


** ‘Fugitivo vira apresentador de TV e acaba preso’


E nem é no país que você imagina, caro colega maldoso.


** ‘Irmãos são presos após briga por causa de sexo barulhento’


O melhor de tudo: quem chamou a polícia foi a mãe dos cavalheiros.


** ‘Grávida tem foto banida no Facebook após posar nua à la Demi Moore’


** ‘Mulher de 103 anos diz que segredo da longevidade é nunca ter feito sexo’


Não é que ela consiga viver mais que os outros: como diria Bernard Shaw, é que para ela o tempo parece mais longo.


 


O grande título


De um grande portal:


** ‘Suspeito de matar namorada em MG que conheceu na internet é preso’


Há construções que nem Camões, com todo o seu talento, com toda a necessidade de acertar a métrica, com todos os problemas de rima, se atreveria a fazer. Afinal de contas, ele conheceu MG ou a namorada na internet?


De um grande jornal:


** ‘Polícia faz blitz clandestinamente contra rodeio em Ribeirão Preto’


Duas questões:


a) Como se faz uma blitz clandestina, com toda aquela mobilização de carros, motos, sirenes, homens armados?


b) Pelo título, a blitz era clandestina. Não seria clandestino o rodeio?


E o grande título:


** ‘Carla Bruni queria Caetano, mas deve cantar com Toquinho’


Como esta coluna tem leitores maliciosos!

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados