Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

De JK para cá

Há uma coisa que até agora não apareceu na minissérie JK, da Rede Globo, e que, no entanto, foi extremamente significativa na lembrança de muita gente: a história, criada por seus inimigos e divulgada maciçamente pela imprensa, de que Juscelino Kubitschek teria a sétima fortuna do mundo. Era assim, com precisão: a sétima fortuna. Ninguém fazia referência à sexta, à quinta, à primeira: existia apenas a sétima. Listemos alguns nomes: os Rockefeller, o sultão de Brunei, os Rothschild, os Mellon, os Watson da IBM, os Ford, o rei Ibn Saud, os Jafet, os Moreira Salles, J. P. Morgan – e, entre eles, mais rico do que muitos, Juscelino Kubitschek.


Juscelino morreu, e cadê a sétima fortuna do mundo? Não existia: Juscelino vivia bem, mas com certeza não estava entre os homens mais ricos do mundo, nem entre os mais ricos do Brasil (nem entre os mais ricos de Minas). E a história da sétima fortuna do mundo silenciosamente desapareceu, sem que ninguém se retratasse, sem que ninguém pedisse desculpas, sem que nenhum veículo de comunicação admitisse e corrigisse o erro.


Como dizia Joseph Goebbels, o propagandista de Hitler, uma mentira mil vezes repetida é aceita como verdade. Das reportagens de denúncia, do palco das CPIs, das operações policiais com nomes esquisitos, quantos serão realmente culpados? Juscelino, por sua importância na história do Brasil, por sua simpatia, por sua notoriedade nacional e internacional, teve a tal fortuna esquecida e sua memória preservada. E os acusados de agora que forem inocentes, quem os reabilitará?




O viés do olhar


Há muitos e muitos anos, este colunista entrevistou o ex-governador Franco Montoro na TV Gazeta. No dia seguinte, parecia ter havido duas entrevistas: os adeptos de Montoro me acusavam de ter sido duro, áspero, hostil; seus adversários me acusavam de ter sido simpático, amigável, disposto a levantar a bola para que ele a chutasse. É um fato: muita gente vê, ouve, lê e entende aquilo que quer.


Agora, por ter colocado em dúvida a autenticidade da lista de Furnas, nove entre dez leitores deste Circo da Notícia acusam este colunista de ser tucano, jornalista da Era Collor, seja lá isso o que for, e cheio de ódio de classe. Faltou dizer que é masoquista: todos os processos judiciais que este colunista enfrenta são movidos por tucanos, gente que ocupou altos cargos nos governos do PSDB.


Quanto às duas últimas bobagens: este colunista jamais trabalhou para governos, nem o de Collor nem o de seus antecessores e sucessores. E, como neto de imigrantes pobres, caipira e sem curso superior, se tivesse ódio de classe o dirigiria para outro alvo.


Vamos deixar de lado o fanatismo, pois. E seguir o exemplo do advogado Dermeval Vianna Filho, de Florianópolis:




‘Algo deve ficar claro: também sou contra esta tática adotada pela imprensa brasileira de desmoralização do adversário: tacham qualquer um de ladrão, corrupto, etc., e fica tudo por isso mesmo. No entanto, acho que a mídia deve abordar a lista e não ficar apenas nela, mas aprofundar as investigações e cobrar medidas semelhantes das autoridades. Ao final, seja lá o que for comprovado, divulgar o resultado, inclusive nominando aqueles que fizeram caixa dois. Do contrário, a dúvida continuará a pairar sobre a independência da mídia, que adotou um posicionamento contrário contra certos setores políticos e protetivo quanto a outros. Isenção acima de tudo.’


É o que este colunista pede aos meios de comunicação, e não é de hoje: não se limitem às declarações. Não esperem que dedos-duros interessados em prejudicar inimigos desvendem um caso. Investiguem. E publiquem suas conclusões.




Invasão de privacidade


A matéria sobre Suzane von Richtofen, que confessou ter planejado o assassínio dos pais e aguarda julgamento em liberdade, transformou-se num marco: fez com que a Record empatasse com a Globo, foi o fruto de ampla investigação jornalística, mas estava errada de ponta a ponta. Suzane, enquanto não for condenada, se beneficia da presunção de inocência. Não está foragida, não se dedica a atividades ilegais, não tem por que ser mostrada daquela forma – inclusive com comentários grosseiros sobre sua silhueta e insinuações sobre uma possível gravidez. A Justiça a colocou em liberdade e não a proíbe de desfrutá-la.


Este colunista não conhece Suzane von Ritchtofen; espera que seja logo julgada e que se cumpra a sentença judicial. Mas, se for condenada, que o seja pelo crime de que é acusada. Não se pode condená-la por ir à praia, tomar sorvete, rir, usar biquíni, mudar o penteado. Não se pode persegui-la como o Pânico na TV atrás de alguma celebridade. E, quanto ao proprietário do apartamento onde Suzane ficou, ninguém tem nada que se meter com a sua vida: ele é livre para convidar quem quiser. Se era amigo do pai assassinado, é questão dele. E só dele.


E houve um erro sério no fim do programa. O apresentador perguntou ao promotor se a Justiça sabia onde Suzane estava. O promotor respondeu que ele não sabia. Promotores não fazem parte do Judiciário. São um braço do Executivo.




O loquaz


Fernando Henrique está falando sem parar. E a imprensa ainda não aprendeu a lidar com ele: muito simpático, bem humorado, preparadíssimo, acostumado a responder sempre às mesmas perguntas, Fernando Henrique dá um baile sempre que é entrevistado. Aliás, quase sempre: Fernando Henrique só se deu mal numa entrevista quando Boris Casoy lhe perguntou se acreditava em Deus. Fernando Henrique está tão calejado pelas entrevistas convencionais que, se lhe fizerem perguntas diretas sobre aquilo em que acredita, talvez tenha dificuldade para responder. E questões de comportamento, então? União civil entre homossexuais, aborto, liberação de drogas – que tal fazer as perguntas e compará-las com seu comportamento como presidente da República?




Gandhi e Zuenir


O grande Zuenir Ventura foi buscar num dos grandes estadistas mundiais a frase definitiva sobre os tumultos causados pelas charges a respeito do profeta Maomé: ‘Nada mais atual do que a advertência do Mahatma Gandhi, profeta da não-violência: ‘Olho por olho, e o mundo acabará cego’. Se é que já não começou a ficar.’




Esmeraldas da língua


1. Velocidade, vá lá. Dar logo a informação é importante. Mas não se pode confundir furo com informação furada. Por querer dar a informação mais rápido que os outros, um importante portal da internet informou que o estacionamento do Edifício Joelma estava pegando fogo. A notícia reavivou antigos temores: no Joelma houve um dos maiores incêndios da história de São Paulo, com muita gente se atirando do alto do prédio para escapar das chamas. Só que o incêndio não era no Joelma (que, aliás, nem se chama mais Joelma, e que implantou um sistema moderníssimo de combate ao fogo): era no prédio ao lado. Sem vítimas.


2. De uma agência de notícias: ‘Moda descobre sua consciência durante Fashion Week de NY’. Mais: ‘A moda pôs a mão na consciência este ano (…)’. Onde ficará a consciência da moda?


3. De um escritório de advocacia, propondo mobilização contra um projeto de lei proposto pelo governo federal: ‘Atenção moçada, vamos nos mecher’.


4. De uma produtora do Rio: ‘Capitação de recursos’. E não foi erro de digitação, não: a ‘capitação’ se repetiu várias vezes no texto.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados