Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Deixa o velho sofrer em paz

É uma cena dramática, na TV, nos jornais, na internet: um senhor de 78 anos, que aparenta estar doente, sendo levado de maca de casa para a cadeia, da cadeia para a casa. Pode ser que não esteja doente, apenas finja; mesmo assim, aos 78 anos, idoso, que perigo oferece? Se um homem como ele não tiver acesso a recursos públicos que possa desviar, sua periculosidade cai a zero.

O velhinho é o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, Lalo para os íntimos, Lalau – por motivos óbvios – para a grande massa da população brasileira. Foi condenado pelo desvio de 170 milhões de reais da construção do Fórum Trabalhista de São Paulo; ao que tudo indica, mereceu a sentença. Então, qual o problema?

O problema é que, nesta idade, tanto faz se ficar em prisão domiciliar ou presídio comum. É questão de sentimento humanitário: por pior que ele seja, continua a ser gente, e é preciso preservá-lo da crueldade desnecessária. É questão, também, utilitária: se ele pode pagar por sua alimentação, seus remédios, seus tratamentos, gastando assim um pouco do que se apropriou indevidamente, por que transferir a conta para o contribuinte? Por que pagarmos nós a prisão dele?

O noticiário está correto, mas considera apenas a letra fria dos processos. Sentimentos, a posição da família, a exposição dos parentes, isso não é levado em conta. E acaba, em última análise, exacerbando o sentimento de irritação, que leva a atos como à pichação da casa do ex-juiz. Nas notícias não há nada errado – mas talvez falte aquele lado da side-story, do lado humano, aquelas matérias que o Ricardo Kotscho e o Fernando Portela escreveriam com perfeição.

Nada em favor de Lalau: ao contrário, este colunista acha que as investigações devem prosseguir, para localizar outras parcelas de seus bens, que devem ser confiscadas, para reduzir ao mínimo os prejuízos por ele causados. Aliás, corrigindo: este colunista é forçado a admitir um ponto em favor de Lalau. Ele foi leal a seus cúmplices, evitando denunciá-los. Que cúmplices houve, é óbvio: ninguém consegue, sozinho, roubar tanto. Mas preferiu arcar com toda a culpa, deixando livre, rico e solto o restante do bando.

Do ponto de vista prático, economizemos. Do ponto de vista humanitário, poupemo-nos da tentação de nos adiantar aos implacáveis desígnios divinos. Deixemos o velhinho viver seus últimos anos remoendo aquilo que fez de mal e tentando recordar algo de bom que porventura tenha feito na vida. Deixemo-lo, enfim, sofrer em paz. Ele merece.



Acusando sem acusar

Um pouco antes das eleições na Câmara, uma reportagem informou que o deputado Arlindo Chinaglia, do PT paulista, teve aumento patrimonial real de 179% entre 2002 e 2006.

Pois bem: e daí? Se houve alguma irregularidade, ou suspeita de irregularidade, isso não consta na reportagem. Fica apenas a sombra da insinuação – uma forma pouco corajosa de denúncia, já que não deixa ao agredido nenhuma maneira de defender-se.

Aliás, fica sempre a impressão de que a reportagem parou no meio. Descobriu um tema e não teve disposição, nem fôlego, para investigá-lo. Ou houve a investigação, que concluiu pela falta de irregularidade. Mas jogar fora a matéria e ter de fazer outra? Isso dá trabalho. Cansa.

A propósito, o patrimônio declarado de Chinaglia não é assim nenhuma Brastemp. Equivale a um bom apartamento; ou a um apartamento não tão bom e um carro. E o carro nem pode ser uma Land Rover, daquelas do Silvinho. Aí não dá.



Moda perigosa

O jornalista inglês Clive Goodman, editor do News of the World, foi condenado a quatro meses de prisão por interceptar mensagens no correio de voz de celulares de funcionários da casa do príncipe Charles. Neste ramo, os ingleses são subdesenvolvidos: aqui, ninguém intercepta ilegalmente os telefones de ninguém. O que acontece é que alguma alma caridosa costuma deixar caixotes e mais caixotes de gravações ilegais debaixo de algum viaduto, onde os jornalistas os encontram. E, naturalmente, não têm a menor idéia de quem cometeu o tão asqueroso crime de xeretar a conversa dos outros.



Crônica do furo anunciado

Imagens dramáticas, voz dramática: no jornal de TV, repórteres mostram cenas de livre consumo de drogas. Uma cena em especial chama a atenção: uma jovem, totalmente drogada, introduz na vagina um papelote de cocaína.

É tudo verdade, dizia o título do muito famoso e pouco visto filme de Orson Welles. Mas não é novidade: o local, no centro de São Paulo, se chama cracolândia exatamente por ser um ponto de consumo e tráfico de drogas. E mostrar uma pessoa em alto grau de inconsciência praticando atos degradantes não será degradante também para os repórteres e a TV?

Em outras palavras: tirando o fato de que ali se consome droga, o que há muitos anos deixou de ser notícia, qual o ‘gancho’ da reportagem? É como o caso do patrimônio do deputado Chinaglia: se não há ‘gancho’, vai ao ar assim mesmo. Sabe quanto custa mandar sair uma equipe de reportagem?



Pata pata

O caçador atirou na pata e a colocou na geladeira. Dois dias depois, verificou que a pata estava viva, embora muito ferida. Levou-a ao veterinário. No meio da operação para retirar a bala, a pata foi declarada morta. Mas, quando já a retiravam da sala, levantou a cabeça e se sacudiu. Continua viva, ganhou o nome de Perky e virou atração turística nos EUA.

E nós com isso? Bem, como vimos a pata morreu duas vezes. E, de acordo com o título da notícia, morreu três.



E eu com isso?

Na maior parte de sua trajetória na Terra, o ser humano não sabia ler. Não tinha, portanto, a possibilidade de apreciar notícias como

1. ‘Pedro Neschling hesita entre batatas e arroz’

2. ‘Glória Maria toca os lábios’

3. ‘Lambert Wilson rejeita uma tangerina’

4. ‘Preta Gil come salada e coça os olhos’

5. ‘Ruth Cardoso espera sete minutos por uma mesa’

A melhor notícia, entretanto, se refere ao artista indiano Anish Kappoor: ‘Se eu der para você, todo mundo vai querer’.



Os grandes títulos

Tem gente que gosta das coisas muito bem explicadinhas, nos seus mínimos detalhes. Nada de se limitar, digamos, àquilo que aparece. É preciso mostrar também aquilo que não aparece mas que devia aparecer. Por exemplo:

** ‘Num lugar mais tranquilo, Thiago Lacerda junto com sua mulher Vanessa Loes e o filho dos dois, no show do Timbalada’

Só que na foto não aparecia filho nenhum.

Há quem prefira os títulos flex, como se fossem motores de carro. Você completa:

** ‘CMA promove curso sobre o Protoco de Kyoto’.

Mas o melhor título da semana é acompanhado de uma matéria daquelas que não podem ser esquecidas. O tema é Victoria, que foi Spice Girl e é hoje esposa do jogador David Beckham, ainda no Real Madrid. Parece que Victoria anda muito magra – e, segundo a notícia, já foi diversas vezes acusada de anorexia. Acusada – e desde quando anorexia deixou de ser doença e passou a ser crime?

O título:

** ‘Suspeita de anorexia, Victoria Beckham contrata Sarahyba para grife’.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados