Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Divina comédia

Primeiro a imprensa elegeu um cardeal brasileiro; depois, incluiu outro brasileiro entre os papáveis. E, finalmente, decidiu que o próximo papa, que não é o brasileiro previamente escolhido nem o outro brasileiro, terá breve reinado, um reinado de transição, pelo avançado de sua idade.

Dizer que o papa é idoso e por isso ficará pouco tempo no trono é um raciocínio óbvio, como muitas vezes é óbvia a imprensa brasileira. É um raciocínio lógico; mas a vida real nem sempre é tão lógica. Quando foi fundada a Alemanha Ocidental, os aliados tinham dificuldade para encontrar um político não comprometido com o nazismo. Escolheram então um antigo prefeito de Colônia, de 79 anos, para cuidar do país enquanto não encontravam ninguém melhor. Recordemos: um ano mais velho que o cardeal Joseph Ratzinger, o papa Bento 16.

Konrad Adenauer ficou 15 anos no poder, saiu porque quis e elegeu o sucessor. Em seu governo, forjou aquilo que se considerava impossível – a paz com a França – e lançou as bases da União Européia. Estabeleceu sólidas relações entre a Alemanha e Israel. Seu apelido carinhoso era Der Alte – O Velho.

João 23 foi escolhido, em parte, por sua idade avançada: a Igreja queria um papa de transição, com reinado breve. O reinado foi breve, mas não foi de transição: em poucos anos, João 23 convocou e realizou o Concílio Vaticano 2º e revolucionou a Igreja. Era uma coisa que ninguém previa: ninguém imaginava, ao conhecê-lo antes de sua eleição, que fosse capaz de manifestar tamanha energia.

Na época, a imprensa errou. Que tal esperar os fatos para não errar de novo?



Vamos com calma

Tudo bom, os portais da internet enfrentam uma concorrência feroz, não têm muito tempo para burilar o texto das notícias. Mas um pouquinho de cuidado evitaria dois títulos publicados pouco após a escolha de Bento 16: ‘Papa é a favor da abertura’ e ‘Papa tem como alvo os jovens’.



O importante…

A foto é boa: o governador paulista Geraldo Alckmin enfrentando um prataço de frango à mineira, com quiabo. Segundo a legenda e o texto, Alckmin estava almoçando num assentamento. Até aí, tudo bem: o problema eram as taças, perfeitamente visíveis na fotografia. Belas taças, por sinal: se não eram de cristal fino, a imitação era excelente. Ou o cerimonial do governador providenciou um belo serviço de mesa para que ele almoçasse no assentamento (e a imprensa perdeu essa pérola) ou o assentamento é cinco estrelas (e cadê a reportagem com os maîtres e sommeliers ali assentados?)



…é a precisão

Numa coluna, conta-se que uma importante universidade particular paulista está construindo um teatro na avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo, ‘onde era o Hotel Normandie’. O Hotel Normandie, salvo engano, não era: é. Fica na avenida Ipiranga. Na avenida Brigadeiro Luiz Antônio, ficava o Danúbio – que foi um hotel famoso, e depois um famoso ponto de ‘pegação’ na sauna.



Sinapse

Sinapse é o título de um caderno da Folha de S.Paulo. É também a ligação entre neurônios que nos permite relacionar informações. Alô, colegas jornalistas: caprichem na sinapse!

Se caprichassem, veriam que o deputado federal Luiz Antônio Fleury Filho faz campanha em favor de leis que proíbam o nepotismo – a contratação de parentes por autoridades. E seu genro, o prefeito de Itu Herculano Passos Jr., tão logo tomou posse cuidou de revogar uma lei do prefeito anterior, Lázaro Piunti, que proibia o nepotismo. Assim que revogou a lei, Herculano Passos Jr. (PV) rapidamente colocou a família, informando que são todos muito preparados.



O amigo dos baixinhos

Você, caro leitor, mandaria seu filho dormir na casa de Michael Jackson?

Pois é; e, no entanto, nossa imprensa (e, diga-se a verdade, também a imprensa americana) leva a sério a reclamação da família de pré-adolescentes que, com permissão de pais e parentes, foram passar uma temporada com o ídolo pop. Não dá: está claro que se trata de uma armação. Até o pó de pirlimpimpim sabe que Michael Jackson não resiste a certas tentações; e, na Terra do Nunca, está em seu ambiente. Mandar crianças desacompanhadas para lá é tentar o destino – ou, o que é pior em termos de caráter, é provocar uma situação para ser indenizado.



Os amigos dos baixinhos

A propósito, Michael Jackson é um popstar, e o julgamento garante holofotes. Este colunista não se lembra de ter visto outro julgamento assim – de um padre pedófilo, por exemplo. Estará este colunista perdendo a memória? Ou terá razão em achar que, seja ou não culpado, Michael Jackson está na verdade sendo crucificado, enquanto outros acusados de fatos tão graves quanto os dele receberam tratamento de imprensa muito mais brando?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados