Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

E segue ainda a caça aos jornalistas

Um, Luiz Carlos Barbon, que denunciou um caso de pedofilia envolvendo vereadores, foi morto em Porto Ferreira, no interior paulista – e houve gente que, diante do crime, preferiu discutir se ele era ou não jornalista de verdade, já que não tinha registro. Outro, João Alckmin, que move campanha contra a máfia dos caça-níqueis, sofreu dois atentados em São José dos Campos. Agora foi a vez de Édson Ferraz, da TV Diário (afiliada da Rede Globo em Mogi das Cruzes, SP), que apurava crimes possivelmente cometidos por policiais civis.

Até quando a imprensa se limitará a noticiar e lamentar esses crimes? No caso Barbon, há quatro PMs indiciados pelo crime; no caso Alckmin, embora o segundo atentado tenha sido filmado por câmeras de segurança, a polícia não conseguiu chegar a qualquer resultado. No momento do atentado, houve amplo noticiário; mas, com o passar do tempo, ninguém fala mais do assunto. Por que a polícia deveria esforçar-se, se os principais interessados na segurança de quem trabalha com informações – nós, jornalistas – paramos de nos manifestar?

E a coisa está piorando. Barbon trabalhava num pequeno jornal de Porto Ferreira. Alckmin apresenta seu programa numa rádio de São José dos Campos. Mas Édson Ferraz trabalha numa retransmissora da Rede Globo, o maior complexo de comunicação do país, e nem isto inibiu os jagunços que o atacaram. Os criminosos estão perdendo o medo. O tiro ao jornalista, está claro, não oferece riscos nem a quem o ordena nem a quem o dispara.

É preciso insistir, é preciso fazer pressão para que as autoridades cumpram seu dever de garantir a segurança pública. Ou isto, ou continuaremos como alvo.



Palavra do ombudsman

Em ótima entrevista, o novo ombudsman da Folha de S. Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, disse que a imprensa brasileira vem mantendo a credibilidade. Esta coluna fez-lhe então uma pergunta: se a imprensa mantém a credibilidade, como se explica a dramática queda de circulação dos jornais? Há dez anos, havia edições dominicais com 1,5 milhão de exemplares. Hoje nem se imagina isso.

Lins da Silva, em amável bilhete a esta coluna, esclarece:

‘Os jornais, especialmente a Folha de S. Paulo, chegaram àqueles números em meados da década de 90 graças a dois motivos: a afluência do Real e os anabolizantes que eram dados com o jornal, que ia praticamente como brinde das enciclopédias em fascículos. Havia gente que deixava o jornal na banca e levava só o presente. A circulação atual é maior do que a média anterior a esses dois fatores extraordinários.’



Invasão de privacidade

Às vezes, os meios de comunicação, na pressa de cumprir os horários, acabam divulgando coisas desnecessárias – desnecessárias e inconvenientes. Não há motivo, por exemplo, para divulgar o endereço de uma vítima de violência sexual. Não há motivo para publicar a foto de um edifício onde alguém se suicidou.

Não havia motivo, nas matérias sobre o vazamento do dossiê a respeito das despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para publicar e-mails que nada tinham a ver o caso. Mesmo assim, foram divulgadas imagens que revelavam conversas íntimas sobre casos de doença na família.

Foi feio. E essas imagens, a propósito, eram independentes. Não faziam parte de mensagens sobre o dossiê, nem tinham algo a ver, por pequeno que fosse, com o caso do dossiê. Se tivessem sido removidas, o consumidor de notícias nada teria perdido. Claro, não deve ter sido deliberado, mas a falta de cuidado pode ser tão ou mais nociva que a intenção de ferir.



Cadê a notícia?

Por falar em inconveniências, um grande portal de Internet mandou uma repórter bonita, sumariamente vestida, para analisar a reação de jogadores de futebol a suas perguntas. É verdade que não há muito a analisar: tirando alguns, que preferem outra praia, houve grande interesse pela repórter. Tudo bem – só que as imagens divulgadas não foram as da reação dos jogadores, mas as do corpo da repórter. A câmera passeava na barriga de fora, nas nádegas em shorts justíssimos, nos seios que tentavam sair da miniblusa.

Constrangedor: a repórter foi tratada, por seu portal, sem qualquer respeito.



A imprensa oficial

Importante: o Conselho Nacional de Justiça determinou que as publicações oficiais dos tribunais não podem divulgar reportagens opinativas. Parece óbvio, mas não era: por exemplo, numa publicação do Diário da Justiça, em Pernambuco, havia uma reportagem com o título ‘Radicalismo de Poucos Prejudica Todos os Servidores do Judiciário’, em que o sindicato do setor era atacado.

A função das publicações oficiais, diz a decisão do CNJ, é apenas dar publicidade aos atos da administração.

E, claro, essa recomendação deve ser estendida a todos os diários oficiais do país: sua função não é fazer propaganda do governo, apenas divulgar seus atos.



E as notícias?

Deve ter sido falha deste colunista, que não procurou a notícia (divulgada no portal jurídico Espaço Vital, do Rio Grande do Sul) com a devida atenção. Mas, de qualquer maneira, se houve notícia, o destaque foi mínimo.

Acontece que um garoto encontrou uma ponta de parafuso no recheio de um biscoito Trakinas, produzido pela Kraft. E a 9ª Câmara Cível do Rio Grande do Sul condenou a Kraft a pagar R$ 8 mil como reparação por danos morais. Como a decisão não foi unânime, cabe recurso. A decisão da 9ª Câmara Cível, com base no Código de Defesa do Consumidor, diz: ‘O fabricante deve responder pelos danos causados em decorrência dos defeitos ou vícios verificados em seus produtos, no caso pela existência de risco à saúde e vício de qualidade’.

A Kraft é grande anunciante. Mas ninguém poderia sequer imaginar que isso fosse levado em conta na hora de divulgar uma notícia, não é mesmo?



Mortos, nem pensar

Um grande jornal informa que o Museu Histórico da OAB, em Brasília, é assessorado por um Conselho Curador, formado por todos os ex-presidentes da OAB não falecidos (…)’



Cobrando tudo

Mais uma nota exclusiva do Espaço Vital: a Estônia, república européia às margens do Mar Báltico, criou um imposto sobre a flatulência das vacas, a ser pago pelos criadores. Segundo o governo estoniano, os gases bovinos contribuem para o aquecimento do planeta e os recursos do novo imposto financiarão medidas para compensá-lo.

Tomara que ninguém do governo brasileiro leia esta notícia!



E eu com isso?

Há gente preocupada com o efeito-estufa. Há cientistas que garantem que, tanto quanto a flatulência, os arrotos dos animais ruminantes contribuem para o aquecimento global. E há gente preocupada com outros assuntos. Por exemplo:

* Amy Winehouse choca ao correr de sutiã em parque em Londres

Sutiã, tudo bem: poderia ter sido um top que chocaria do mesmo jeito. Ela está horrível de tão magra.

Há quem se preocupe com problemas capilares:

* Cabelo de Jude Law segue caindo

Com festas e eventos:

1. Ellen Jabour vai a festa em São Paulo

2. Adriana Lima vai a show com namorado

3. Apontada como affair, Ildi Silva confere show de Caetano

Ou simplesmente com o que fazem as personalidades:

1. Na saída de restaurante, Mariah Carey dorme no carro

2. Cauã e Grazzi foram flagrados grudados no final de semana no Rio

3. Angélica passa tarde no Leblon

4. Márcio Garcia exibe barriguinha saliente



O grande título

Um dos bons títulos desta coluna é daquela magnífica safra de obras abertas: cada leitor conclui o que quer.

Tratamento para emagrecer? Cuidado com os

Há um maravilhoso, da linha comportamental:

Paris Hilton acredita que será uma ótima mãe porque ama animais

E o grande vencedor, que saiu num jornal destinado a professores:

Benefícios psicossociais de um saber não-instrumentalizado

É isso aí: um título que só pode ser entendido por quem estudou muito.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados