Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Condenação perpétua e definitiva

William Melo de Souza foi sequestrado e torturado por integrantes do PCC, Primeiro Comando da Capital, organização que, de dentro dos presídios, comanda pelo menos parte do crime organizado em São Paulo. Sob tortura (já confirmada pelas investigações, e com os torturadores condenados pela Justiça), ele foi forçado a admitir que tinha cometido crime de pedofilia. Era o início do famoso Caso de Catanduva – mais uma vez, imprensa e Ministério Público com o mesmo propósito, de mostrar que o réu era culpado.

Como de hábito, os promotores deram aquele show de entrevistas, que jogaram a opinião pública contra William (e à defesa coube pouco mais que aquela tradicional frase, “seu advogado nega as acusações”). Ele ficou quase três anos preso. E foi absolvido. Nada de “falta de provas”, coisas desse tipo: a Justiça o declarou inocente. E como foi que a imprensa noticiou a inocência do cavalheiro que, em seu noticiário anterior, era apontado como culpado, monstro, sem-vergonha, que teria abusado sexualmente de 36 crianças de no máximo 14 anos de idade?

Foi incrível: noticiou a absolvição repetindo as acusações. Num grande jornal de circulação nacional, o Ministério Público, amplamente derrotado no caso, foi ouvido de novo (e, procurando minimizar a notícia, disse que era coisa velha, já que a sentença tinha saído há quatro meses). Se a notícia fosse velha, continuaria verdadeira; mas a sentença saiu na mesma semana em que a matéria da absolvição foi publicada, sem que a reportagem se desse conta disso. E as acusações derrubadas pela Justiça foram repetidas, uma por uma, como se julgamento não tivesse havido.

Os meios de comunicação não quiseram divulgar a sentença (na nota abaixo, veja o motivo). Alegaram que o processo correu em segredo de justiça. Mas após o julgamento não há mais segredo: quem procura acha – verifique neste endereço.

Bastava pesquisar um pouco. Ou pedir ao tribunal o endereço do acórdão.

 

Clamor público

“A voz rouca das ruas”, “clamor público”, “aquilo que o povo quer esta Casa acaba querendo”, todos esses argumentos em favor da acusação costumam esquecer um caso clássico de clamor público, de voz rouca das ruas, que condenou um inocente à morte: o julgamento de Jesus Cristo. A imprensa insiste – apesar do Bar Bodega, apesar da Escola Base, apesar agora do caso William. Não dá para esquecer que só um jornal, o Diário Popular de São Paulo, dirigido por um jornalista de primeiríssimo time, o lendário Jorge de Miranda Jordão, se recusou a publicar os destampatórios falsos da Escola Base, que destruíram famílias, destruíram um empreendimento e prejudicaram reputações – para nada.

No caso William, o desembargador Pires Neto põe o tal “clamor público” no seu devido lugar:

“A repercussão provocada pela grande exposição dos fatos – repercussão orientada no sentido único da condenação – não pode servir como elemento de prova para base da acusação posta na denúncia e a condenação não pode ser decretada apenas em razão da gravidade das infrações imputadas, sendo indispensável que a prova da autoria venha apoiada em prova cabal e estreme de dúvidas (o clamor público não serve como prova dessa qualidade que se exige para fundamento da condenação, como é evidente).”

 

Sempre culpado

Coincidência boa: junto com a sentença de absolvição de William Melo de Souza, sai um livro interessantíssimo, Operação Hurricane. É a história da avalanche em que Ministério Público, policiais e imprensa desmontaram o desembargador José Eduardo Carreira Alvim e o levaram à prisão – com transmissão direta pela TV. Culpado ou inocente? A Justiça ainda não se manifestou: seu processo está parado desde 2007 no Supremo Tribunal Federal.

Carreira Alvim foi preso sob a acusação de receber propinas para autorizar o funcionamento de casas de bingo no Rio de Janeiro (garante que a acusação é inverídica). Informa, no livro, que sua vida foi investigada pela Polícia Federal e pelo Fisco, que nada teriam encontrado; mesmo assim, foi afastado do Tribunal Regional Federal e aposentado compulsoriamente. Cita o nome de um delegado federal, do procurador-geral da República na época, do hoje presidente do Supremo, ministro Cesar Peluso, e afirma que o objetivo de seus perseguidores era impedir que chegasse à Presidência do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. No livro, Carreira Alvim tem a possibilidade de se defender. Os meios de comunicação seguiram o tal “clamor público” e se juntaram às acusações contra ele.

 

Tão perto…

“Seja universal, fale da sua aldeia”, ensinava o magnífico escritor russo Leon Tolstoi. Em nosso país, como estamos provincianos na comunicação! Recordemos alguns assuntos que se referem ao cotidiano de cada cidadão, cuja pauta foi oferecida aos meios de comunicação nesta mesma coluna, e continuam ignorados, como se a ninguém pudessem interessar:

1. Remédios em falta. Lotensin, um medicamento de uso contínuo contra a pressão alta, sem genérico, desapareceu das farmácias há uns três meses. A multinacional Novartis, provocada por esta coluna, disse que o fornecimento do Lotensin estaria normalizado na primeira quinzena de dezembro. Já estamos quase na primeira quinzena de janeiro do ano seguinte e o remédio continua sumido. Quantos consumidores de informação foram obrigados a consultar seus médicos para saber que medicamento devem consumir na falta do que foi receitado? A propósito, há outros remédios em falta. Que tal ir fundo no assunto?

2. A Polícia Militar de São Paulo distribuiu as medalhas Amigo da Rota (Rota é a letal tropa de choque da PM). Quatro cervejarias receberam as medalhas por sua colaboração. Qual colaboração? Há vários tipos de colaboração rigorosamente legais, elogiáveis, ótimos. Qual o tipo? Por que não se informa direito qual é a colaboração das fabricantes de cerveja à Polícia paulista?

3. O carro de placas 69, da Assembleia Legislativa de São Paulo, foi surpreendido por um leitor desta coluna quando fazia manobras perigosas, em velocidade superior à permitida, numa estrada próxima a São Paulo. Considerando-se que o carro é público, pago com o nosso dinheiro e destinado ao uso de um parlamentar, nada mais justo do que esperar que as leis de trânsito sejam respeitadas. Não foram; e, depois de muita pesquisa, esta coluna apurou que o carro está com o deputado Pedro Tobias, presidente do PSDB. A informação foi publicada e Sua Excelência até agora fingiu que não é com ele (depois, virá aquela mensagem, “um amigo me informou que esta coluna (…)” – ou seja, eu não tenho tempo para ler bobagem mas alguém me contou). OK, se Sua Excelência prefere fazer-se de desentendido, problema dele. Mas os meios de comunicação sequer pensaram em procurá-lo para pedir explicações sobre o uso que dá aos bens comprados com dinheiro público? Também não têm a menor curiosidade em saber o que é que pensa do assunto o nobre deputado Barros Munhoz, também do PSDB, presidente da Assembleia Legislativa paulista?

4. Em Brasília, o carro 0028, do Senado, estacionado numa vaga para deficientes, foi fotografado. É absurdamente imoral o comportamento de Sua Excelência: para seu conforto, impede que deficientes físicos ocupem o lugar a eles reservado. Para isso, usa um veículo pago com dinheiro público, e se exime cuidadosamente de assumir a responsabilidade. A quem foi entregue este carro? Por que Sua Excelência não se assume?

Na semana passada, este colunista cometeu um equívoco: disse que na vaga de deficientes físicos param às vezes deficientes mentais. Um leitor desta coluna faz a correção: quem para ali sem precisar não é deficiente mental. É deficiente moral.

 

…tão longe

E, se a imprensa se preocupar um pouco que seja com o uso do dinheiro público (não precisa haver uma roubalheira grande para que se proteste: várias roubalheiras pequenas, vários desperdícios menores também formam um escândalo), bem poderia perguntar por que os parlamentares brasileiros têm carros pagos com dinheiro público. Uma boa comparação com países estrangeiros, muitos deles mais ricos do que o nosso, seria extremamente instrutiva.

 

Guerra à censura

A Comissão de Educação e Cultura da Câmara aprovou por unanimidade um excelente projeto do deputado Newton Lima, do PT de São Paulo, que autoriza expressamente a publicação de biografias sem autorização do biografado ou de sua família. O projeto mexe no direito à imagem, que vem sendo utilizado para censurar livros que não sejam da mais alva chapa-branca. Um dos livros censurados com base no direito à imagem, embora a Constituição proíba a censura, foi a biografia de Roberto Carlos, de Paulo César Araújo; houve também tentativas da família de Garrincha de censurar A Estrela Solitária, magnífico livro de Ruy Castro (nesse caso, a tentativa de censura fracassou).

O projeto de Newton Lima retoma iniciativa semelhante do deputado Antônio Palocci, também do PT paulista, que tinha sido aprovado em todas as comissões mas engavetado discretamente.

 

O voo de São Marcos

Marcos, goleiro titular da Seleção brasileira que ganhou a Copa do Mundo, goleiro do Palmeiras, tem uma característica incomum: é respeitado por todas as torcidas. Tem outra característica incomum no profissionalismo: nunca quis deixar o Palmeiras – o que só pretende fazer quando pendurar as chuteiras.

Celso de Campos Jr., que se notabilizou por uma esplêndida biografia de Adoniram Barbosa, escreveu São Marcos de Palestra Itália, livro que já está nas livrarias (editora Realejo, R$ 49,90). Mas apresse-se: o Palmeiras quer censurar o livro, sabe-se lá por que motivo. A coisa é tão absurda que um dos maiores advogados brasileiros, Manuel Alceu Affonso Ferreira, especialista em liberdade de expressão, se ofereceu para defender gratuitamente Campos Jr. e a Constituição brasileira, que proíbe de maneira expressa a censura prévia.

E qual o problema do Palmeiras com o livro? Ninguém diz: só informaram ao autor que ele não pediu licença ao clube. E desde quando é preciso pedir licença a alguém para escrever um livro? Pior ainda, há a certeza de que a biografia de Marcos faz dele um retrato favorável: não é à toa que o jogador de um grande clube é apreciado pelas torcidas adversárias.

Enfim, chega de censura. Marcos merece uma boa biografia, Campos Jr. sabe fazê-la. E quem for contra que explique à Justiça que a Constituição está errada.

 

Leonid, em capa dura

Uma bela obra, um livro de arte: Leonid Streliaev, um dos mais festejados fotógrafos gáuchos, mostra Porto Alegre em 700 fotos impecáveis. Não há nada semelhante no mercado sobre a capital gaúcha. O livro tem de ser encomendado pela internet (caroline@leonid.com.br) ou pelo telefone (51) 3346-3444.

 

O livro incógnito

Heródoto Barbeiro, mestre de todos os jornalistas, lembra que, quando Ivo Patarra lançou seu livro O Chefe (em que bate duro no seu antigo ídolo Lula), ele falou sobre o tema. Perfeito: mas foram poucas vozes que o acompanharam (entre elas a de Eduardo Guimarães, blogueiro já há muitos anos).

Luiz Fernando Emediato, editor de A Privataria Tucana, concorda com este colunista: a obra não é um livro invisível. Mas sua presença forte, diz, é na iInternet, a “nova mídia”. Na “velha mídia”, diz, “grandes jornais e revistas, poucas aparições, em geral tentando desqualificar o autor Amaury Ribeiro”.

Só que não é bem assim: não se deve dizer que a Rede Record de Televisão, a segunda rede do país, fundada em 1953, a mais antiga das emissoras brasileiras, é “nova mídia”. Nem que Mino Carta, lançador de Quatro Rodas em 1960, que divulgou o livro na capa de sua revista, com o carimbo “Exclusivo”, seja “nova mídia”. Nem que Heródoto Barbeiro, da jovem Record News, que há mais de vinte anos foi um dos responsáveis pela criação da CBN, das Organizações Globo, seja “nova mídia”. Será Ricardo Kotscho a “nova mídia”? Será, talvez, Paulo Henrique Amorim? Não: o livro teve ampla divulgação em todas as mídias, sim. E Emediato, cuja Geração Editorial deve ter vendido muitos exemplares, é quem melhor sabe disso – e com números.

 

Como…

Do portal noticioso de um grande jornal regional, respeitadíssimo:

** “Treze dos anos mais quentes já registrados ocorreram nos últimos dez anos e meio”.

 

…é…

Do portal noticioso de uma grande organização nacional:

Houve um acidente na pista de testes de uma empresa automobilística. Um dos pilotos morreu. O outro, segundo o texto, “sofreu ferimentos no abdome e fraturou o braço”. Prossegue o texto: “foi constatada fratura exposta em uma das pernas”. Afinal, onde é que foram os ferimentos?

 

…mesmo?

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “A taxa de juros média para pessoa física, que estava em 6.67% ao mês em outubro, subiu para 6,67% em novembro (…)”

 

Mundo, mundo

Com a morte do ditador norte-coreano Kim Jong-il, seu filho caçula Kim Jong-un herdou o cargo. O filho mais velho seria o candidato natural, mas foi preso no Japão, com passaporte falso, em visita à Disneylândia japonesa, e Kim Jong-il o afastou da linha de sucessão.

O que não se sabia é que Kim Jong-un, o herdeiro, também é suspeito de ter ido à Disney japonesa com passaporte falso – e brasileiro. A notícia foi divulgada pelo jornal japonês Yomiaru Shimbun. Comentário do delegado Francisco Garisto, que foi presidente da Fundação Nacional dos Policiais Federais, em seu twitter: “Passaporte brasileiro é como bunda. Todo mundo tem”.

 

E eu com isso?

Mas estamos no Natal, época de bons sentimentos e muita torcida. Que, no caso de um fazendeiro de Ilhéus, Bahia, se materializou num pepino de oito quilos. É notável: prova de que pepino nasce bem ali. Só resta uma dúvida: que é que vão fazer com oito quilos de pepino?

** “Americano é preso com R$ 524 em carnes dentro das calças”

Baratinho, né? Brasileiro leva muito mais dentro da cueca.

** “Grazi e outros famosos vão às compras no Rio”

** “Aos 48 anos, Brad Pitt teria ganho papagaio de brinquedo de Jolie”

** “Marcos Frota leva o filho à praia”

** “Mulher atropelada escapa da morte por estar usando fones de ouvido”

** “Fátima Bernardes e outros famosos passeiam no shopping”

** “Camelo se irrita e atrapalha entrevista na Turquia”

** “Nascida com peso de IPhone hoje vive bem”

Quanto pesa um Iphone?

** “Letícia Spiller leva a filha para ver o Papai Noel”

** “Às vésperas do Natal, Cláudia Jimenez faz compras no Rio”

** “Documentário mostra sexagenárias prostitutas na Holanda”

Mas nem fala nos seus filhos que se elegeram no Brasil.

 

O grande título

A safra é excelente, neste final de ano. Podemos começar com o título de uma não-notícia:

** “Após ‘briga’ com Hickmann, Chris Flores manda suposta indireta”

Afinal de contas, que é que aconteceu?

Para continuar, um daqueles que, para quem tem a malícia na cabeça (não é o caso deste colunista), dizem tudo:

** “Prepare o tender do Edu e arranque elogios da família”

Temos um título absolutamente surpreendente:

** “Abaixo-assinado contra filme homossexual de Jesus”

Este colunista nem sabia que filme tinha sexo!

E o grande título, de um jornal estrangeiro, o Sport, de Barcelona:

** “Os gandulas tiveram mais posse de bola que o Santos”

Este colunista não tem aquele cronômetro das tevês, mas deve ser verdade.

***

[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]