Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A pressa e a precisão

O ex-presidente egípcio Hosni Mubarak morreu à tarde e estava vivo à noite (e continuava vivo vários dias depois, até o momento em que esta coluna era redigida). Um dos dois candidatos à presidência do Egito estava eleito na edição em inglês do jornal, seu adversário estava eleito na edição em árabe (esta era a correta). Dois mamutes da comunicação, a CNN e a Fox News, anunciaram que a Suprema Corte americana tinha derrubado a Lei Obama de seguro-saúde compulsório – o que seria uma derrota tremenda para o presidente americano. Na verdade, a Suprema Corte validou a lei, o que foi uma tremenda vitória para Barack Obama.

Todos esses erros (e mais um monte deles) têm a mesma origem: a volúpia do furo, a gana do veículo de anunciar que deu a notícia 32 segundos antes do concorrente. E que é que o consumidor da notícia ganha com isso? Nada: aliás, nem percebe qual dos veículos deu a informação primeiro. Se estiver num, não verá o outro. E normalmente a diferença é tão pequena que mesmo os mais velozes praticantes do zapping não terão como perceber quem saiu em primeiro lugar.

O caro leitor talvez não esteja atento ao delay, à minúscula demora da TV a cabo na transmissão de um fato. Se tiver uma TV comum ao lado, verá que o gol aparece na TV comum alguns décimos de segundo antes de estar na TV a cabo. E daí? Alguém desistirá da imagem em alta definição para gritar gol dois décimos de segundo antes do torcedor do apartamento vizinho?

Há algumas dezenas de anos, no dia em que João Goulart foi deposto, havia uma dúvida fundamental: de que lado ficaria o general Amaury Kruel, comandante do 2º Exército, com sede em São Paulo (hoje, é o Comando Militar do Sudeste). Kruel era amigo de Goulart mas estava preocupado com a presença de comunistas no governo. A folhas tantas, o repórter da Folha de S.Paulo que cobria o 2º Exército informou que Kruel sairia contra Goulart. O jornal se preparou para uma edição extra. Foi aí que Carlos Laino Junior, notável comandante de redações, deu a palavra definitiva: “Vamos esperar os outros jornais terem a notícia. Tem hora em que não é bom furar os outros”.

O fato é que é mais importante dar a notícia correta do que publicá-la mais depressa. A notícia que sai alguns segundos mais tarde não prejudica a reputação de um veículo de comunicação; a notícia imprecisa traz prejuízo, sim.

 

Há algo no ar…

A história do contrabando de aviões é bonita, tem charme, envolve ricos e poderosos, cita quantias monumentais, tem tudo para capturar a imaginação dos leitores. Há apenas um problema: tem também muitas incongruências. É tão esquisita que leva a duvidar de sua veracidade. Por que diabos alguém iria contrabandear um avião, gastando mais do que se fizesse a importação legal?

Este colunista recebeu um comentário interessantíssimo a respeito do assunto, de Aroldo Joaquim Camillo Filho, advogado. Vale a pena acompanhá-lo: trata exatamente da estranha lógica que levaria alguém a gastar mais, e não menos, e ainda por cima ficar fora da lei, arriscando-se a perder um bem de alto preço.

 

…além dos aviões de carreira

“Bom, na esteira das milagrosas descobertas da Receita e Polícia federais, agora estamos diante do tal contrabando de aviões (na verdade, tecnicamente, descaminho)… Vimos aviões com prefixos americanos apreendidos na última semana, ditos como produto de contrabando por brasileiros. E, como se não bastasse, os acusados (senão vítimas) novamente estão nesse rol pelo que são e não pelo o que fazem.

“Sou do inocente tempo em que se contrabandeava uísque. Todo mundo tinha um amigo que tinha um conhecido que tinha contatos e vendia garrafas de uísque escocês, naquela época difíceis de se encontrar no mercado e impagáveis pela via legal. Depois vieram os videocassetes, celulares, laptops e por aí a coisa ia. Eram operações secretas, com um volume enorme de produtos que chegavam aos portos e aeroportos em contêineres na calada da noite e depois eram distribuídos na surdina, de forma capilarizada, item a item por todo o país. Tais bens eram encontráveis nas mais respeitáveis residências e estabelecimentos comerciais do País. Bons tempos… Agora, os ditos bandoleiros fazem isso à luz do dia, se apresentando à Receita e à Polícia com um produto um tanto quanto indiscreto? Tolice.

“E quem são os tais contrabandistas? A fina flor do empresariado empreendedor nacional, geradora de empregos e tributos, pelo que se viu divulgado na grande imprensa. Me pergunto: por que alguém com patrimônio suficiente para deter uma aeronave transatlântica com tributação de parcos 10% de IPI, pois não há nessa operação Imposto de Importação nem ICMS, correria o risco de contrabandear um avião para economizar tão pouco, proporcionalmente ao próprio patrimônio? Não creio nem na economia fiscal nem na burrice.

“Mais, por que esses brasileiros globalizados manteriam seus aviões com prefixo norte-americano se tudo para eles se torna muito mais caro com esta bandeira, em relação à bandeira brasileira? Afinal, as taxas aeroportuárias são muito maiores para os prefixos internacionais, o combustível é mais caro, a manutenção regular é realizada nos Estados Unidos e seus pilotos devem ser credenciados pela FAA, que é o órgão regulador americano, dentre tantos outros agravantes. Ou seja, a se aceitar os argumentos divulgados na imprensa tem-se um paradoxo: no fundo seria mais barato ter o avião com prefixo brasileiro pagando os impostos, inclusive no que diz respeito a taxas e despesas operacionais, ao invés de manter o prefixo americano.

“De outro lado, a imprensa noticia que tais aviões são registrados em nome de bancos americanos com o objetivo subliminar de esconder em manifesta fraude o real proprietário dos aparelhos, segundo a Receita e a Polícia. Daí me surge outra dúvida: é crível que a FAA aceite um registro de aeronave sem saber quem será seu usuário, pois a pessoa jurídica do banco proprietário não voa? Pior, por que um banco norte-americano faria tal operação, sujeito à rígida e conhecida SOX, legislação que pune duramente as operações fraudulentas das empresas sediadas nos EUA, pouco importando em que lugar do planeta tenham sido realizadas (basta ir à Wikipédia e procurar Lei Sarbanes-Oxley), correndo o risco de botar toda sua diretoria na cadeia por conta de uma operação feita aqui na terra da jabuticaba? Vale dizer que, a se acreditar no que a imprensa repete da Polícia e Receita, o 11 de Setembro teria sido mais fácil. O Bin Laden compraria um avião e poria num ‘Trust’ de um banco americano junto ao FAA e o resto já se sabe. Tal afirmação não passa de história da carochinha.

“E, para arrematar, é bom que se diga que essas apreensões se tornarão uma questão de Estado. Sim! O Brasil é signatário de um acordo que proíbe a apreensão de aeronaves americanas em solo brasileiro e vice-versa. E num mundo globalizado, onde o capital reside diluído no planeta, em diversas operações situadas em países diferentes, pouco importando onde reside seu dono, os aviões são, sim, americanos, até que eles, americanos, digam que não são. Assim não poderiam ter sido apreendidos aqui. Isso será assunto a ser tratado entre a senhoras Hilary e Gleisi, e o assunto será indigesto. Isso se o Governo brasileiro não for processado pelos bancos lá nas terras do Tio Sam.

“É ingenuidade imaginar que quem tem necessidade e condições de possuir uma aeronave dessas tenha o desequilíbrio de colocar sua reputação e a de seus negócios em risco por um desatinado interesse de economizar palito de fósforo diante de todo o valor envolvido. Óbvio que se fizeram assim o foi após inúmeras consultas e pareceres das mais diversas ordens, não só por profissionais do Direito, como também pelos órgãos de fiscalização e regulatórios nos dois países. Idêntico procedimento também deve ter sido adotado pelos bancos americanos que não meteriam sua mão na cumbuca por um punhado de empresários brasileiros, colocando em risco suas operações no mundo.

“Certamente há uma razão não tributária para essas operações e, sem dúvida, manter esses aviões com prefixo americano é muito mais caro para todo e qualquer proprietário tupiniquim. Que seja a facilidade operacional gerada pela bandeira americana, principalmente no que diz respeito a voos no território europeu e americano, ainda que mais cara. Que seja a facilidade ou custo infinitamente menor dos financiamentos no exterior, pois creio que não há banco brasileiro que financie uma operação dessas nas mesmas condições de prazos e taxas, ou seja lá o que for; mas contrabando não é.

“Há algo no ar além dos aviões de carreira. Isso porque é de certeza manifesta que a operação não só é mais cara, como foi apresentada na imprensa, como também mais complexa e regulada, sendo certo que os impostos não são sequer representativos em relação ao patrimônio de seus proprietários. Ou as autoridades têm outro objetivo ou vai virar piada internacional.

“Só vejo uma razão, a busca da origem do dinheiro para as aquisições, se lícita ou não. Daí a coisa fica mais grave, já que estarão acusando pessoas até então sérias, discretas, globalizadas e empreendedoras de um delito transnacional, e acusando o Governo e os bancos americanos de cumplicidade. Aqui no Brasil não há indenização para este tipo de acusação, caso não provada, mas lá é bem diferente… É bom separar as coisas, pois como se sabe, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa!”

 

Dinheiro discreto

O máximo que um cidadão pode receber dos cofres públicos, por seu trabalho assalariado, é o salário do presidente da República, certo? Errado: os ministros Miriam Belchior, do Planejamento, e Guido Mantega, da Fazenda, ganham mais que os R$ 26.723,13 da presidente Dilma Rousseff. Miriam, por acrescentar ao salário a participação no Conselho da Petrobras (R$ 8.232,74), e Mantega, pela participação no Conselho da Petrobras Distribuidora, faturam mais de R$ 43 mil por mês, brutos. E no trabalho extra não se matam, não: reunião é uma por mês, e olhe lá. É legal ou ilegal? Eis um belo tema para o Ministério Público, não é?

E seria também um tema obrigatório para a imprensa. Não é questão de discutir centavo por centavo cada salário, mas de analisar a legislação e a situação. O que não se deve fazer é ignorar o assunto e, periodicamente, redescobri-lo, divulgando os salários a cada vez como se fossem um escândalo. Ou, se o são, que se realize um bom trabalho de investigação pela imprensa para resolver o caso de uma vez por todas.

 

Como…

Do editorial de um grande jornal (que, em outras épocas, era a área nobre, onde qualquer tipo de erro era inadmissível):

** “A quadrilha contava com sofisticada manipulação de dados dos balanços contáveis”.

Hoje, os erros são incontábeis.

 

…é…

De um grande jornal (e na área de Economia – aquela que, supostamente, ajuda seus leitores a planejar investimentos):

** “A elevação da TJLP seria um grande erro agora”

Perfeito – só que a matéria diz que o erro seria a redução da Taxa de Juros de Longo Prazo.

E, como observaram os colegas mais detalhistas, este colunista conseguiu, enfim, aplicar a palavra “supostamente”!.

 

…mesmo?

De um portal da internet, comentando o impeachment do presidente paraguaio Fernando Lugo:

** “O mandatário destituído disparou contra os parlamentares, a quem os responsabilizou pela miséria”

Pobre última flor do Lácio! Agora mesmo este colunista, saboreando o noticiário sobre a farta distribuição de dinheiro na CBF, encontrou algo como “o presidente o deu um aumento”. O pior é que não se pode dizer que o redator confundiu a regência verbal com a Regência Trina, ou com a Padaria Regência. A Padaria Regência fechou e de Regência Trina ele certamente nunca ouviu falar.

 

É assim mesmo

De um grande portal noticioso da internet, ligado a um poderoso jornal:

** “Diferente do informado na nota Cristiano Ronaldo vai comprar bolo e perde avião da delegação portuguesa, o atacante português Cristiano Ronaldo desembarcou em Portugal junto com o restante da delegação que disputou a Eurocopa 2012.”

 

Mundo, mundo

Vale a pena ler esta nota e tentar descobrir a qual país ela se refere:

** “Olhando para o ‘valuation’, achamos que o ‘selloff’ ficou irracional e continuamos a ver um ‘upside’ significativo no longo prazo”, disse o banco em nota.

Algumas pistas:

1. O dono da empresa que emitiu o comunicado tem nome de europeu nórdico;

2. Seus filhos têm nomes de deuses escandinavos;

3. Suas empresas têm nomes terminados em “x”

4. Tem gente que procura esconder seus pensamentos atrás de uma linguagem metida a técnica.

 

E eu com isso?

Há uma frase clássica do banqueiro Gastão Vidigal a respeito dos financistas novidadeiros que vinham de universidades do exterior prontinhos para executar aquelas manobras que alguns anos depois levaram bancos e investidores à quebra: “Produto é aquilo que pode ser embrulhado”.

O resto é noticiário legal, divertido. Pode não ser tão importante quanto a valuation, mas dá para alimentar um belo papo de fim de tarde.

** “Sophie Charlotte pega buquê da noiva em casamento de atriz”

** “Linda Evangelista participa de evento em Nova York”

** “Marcelo Serrado vai a restaurante com sua noiva no Rio”

** “Megan Fox é flagrada de biquíni e exibe barrigão de grávida”]

** “Gretchen diz que não sabe mais se está casada ou solteira”

** “Gloria Pires passeia com a filha no shopping”

** “Katie Holmes quer custódia de Suri, diz site TMZ”

** “Adriana Alves assiste a espetáculo com Olivier Anquier”

** “Kaley Cuoco, da série The Big Bang Theory, posa sexy para a revista Maxim”

** “Bárbara Borges apresenta o namorado em casa noturna”

** “Ao vivo, Sandra Annenberg chama Fátima Bernardes de ‘Fatinha’”

Que estranho! É como chamar o Fausto Silva de Faustão, o Abelardo Barbosa de Chacrinha, o Augusto Liberato de Gugu, ao vivo! Que desrespeito! Isso jamais ocorreu neste país!

 

O grande título

Justiça e polícia dividem os melhores títulos da semana. O título referente à Justiça seria normal – seria, se alguém o tivesse lido antes de divulgá-lo, cortasse o predicado extra e pusesse uma negativa na frase. Aquilo que, em outros tempos, chamava-se “trabalho de edição”, e que, imagina-se, é feito até hoje:

** “Ministro Lewandowski deve entregar considerações finais nesta 2ª feira para prejudicar atrasar julgamento”

Os dois de polícia são ainda melhores:

** “PM é acionada para roubo a banco”

Certamente o título é falso: os bandidos que temos são suficientemente competentes para assaltar o que quiserem sem precisar acionar a polícia.

Já o grande título da semana é verdadeiro – basta que alguém o entenda:

** “Choque faz ‘Favela do Caixão’ e prende mais um acusado de matar PM”

Deve ter sentido, com certeza.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]