Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A habilidade ao digitar

Há pouco tempo, numa reportagem que questionava pesadamente a lisura de comportamento de uma empresa, constava a frase fatal: o advogado da empresa foi procurado e não deu resposta à reportagem.

Não era bem assim: o repórter telefonou para um advogado, disse à secretária qual o tema que gostaria de discutir e aguardou o retorno. Nada obteve, e por um excelente motivo: o advogado que procurou já não atendia o cliente citado há vários anos. Por que se envolveria na conversa com um repórter que não conhecia, correndo até o risco de parecer que atravessava o trabalho de um colega?

Outro caso: uma reportagem, que se propunha a mostrar pessoas que tiveram grande destaque em determinada organização e hoje ocupam cargos bem menos importantes, citou gente que não ocupava cargo nenhum, pois já estava aposentada há muito tempo. E sapecou lá, à guisa de “outro lado”, que um dos personagens citados tinha sido procurado, sem êxito. Acontece que o personagem não foi procurado; nem seu escritório de advocacia; nem sua assessoria de imprensa, que o acompanha em suas atividades de agora. Outra maneira de procurá-lo não havia. Engano? Não: preguiça, talvez. E isso, claro, na melhor das hipóteses.

Há algo em comum entre os dois casos: nenhum reconhecimento, pelo veículo, de que a informação era errada. Até abririam espaço para uma carta à Redação, mas reconhecer o próprio erro, aí já seria demais. Há um terceiro caso, mais antigo, em que uma reportagem que teria sido publicada num jornal inglês, sobre personagens que trabalhavam no Brasil, mereceu amplo destaque num jornal brasileiro. Só que a tal reportagem do jornal inglês não tinha sido publicada. Houve uma explicação meio mal-ajambrada, segundo a qual o correspondente do jornal britânico tinha escrito a matéria, mas a direção da Redação preferira engavetá-la. Pode ser, pode não ser; pode ser, também, que os editores achassem que a reportagem estava abaixo dos padrões de qualidade de um bom jornal. Mas o fato objetivo é que a matéria não foi publicada, embora tenha sido amplamente citada como se tivesse saído na imprensa internacional.

Em resumo, que se dane a reputação dos outros; prejuízos econômicos, causados por reportagens incompletas ou erradas, que recaiam sobre as vítimas, a menos que se disponham a custosas e demoradas batalhas judiciais. O repórter, em vez de levantar a história inteira, prefere omitir-se e evitar o trabalho de não apenas ouvir o contraditório como montar a matéria usando mais de uma fonte; ou, pior ainda, coloca-se a serviço de um dos lados da questão, o lado que lhe forneceu a história pronta e lhe poupou o cansaço de levantar todo o assunto.

O problema é que digitar uma matéria exige flexibilidade nos dedos. Quando o dedo é duro a matéria é sempre ruim.

Imprensa para empresários

Com as modificações que houve nas normas das cadernetas de poupança, passaram a existir, de fato, dois tipos de poupança: a antiga, de antes das mudanças, que tem rendimento maior; a nova, posterior às mudanças, com rendimento menor. As duas estão na mesma conta, e o rendimento de cada parcela é calculado com rigor (este colunista tem leitores ótimos em fazer contas, que monitoram a variação e garantem que não há erro).

Tudo bem? Não: se o caro colega retirar alguma coisa, o dinheiro sai da parcela antiga, a que rende mais. E, se fizer a reposição, mesmo que no dia seguinte, o dinheiro entra na nova, que rende menos.

É correto, incorreto? Aí está o problema: este colunista procurou a resposta nos veículos de informação e não encontrou nada. Encontrou, isso sim, a explicação para a alta de lucros da rede mundial Burger King, para a queda e retomada das ações das empresas de Eike Batista, para os prejuízos que tiveram os compradores do IPO do Facebook. Poupança? Isso é coisa para pobre, para classe média no máximo, para brasileiro comum, para quem lê jornal em vez de clippings analíticos montados por consultorias especializadas – ou seja, é notícia para os leitores, ouvintes, telespectadores, internautas, aqueles que permitem a sobrevivência dos veículos de informação. A discussão macro deve ser importantíssima, mas que interessa a nós, cidadãos incapazes de comprar nosso próprio jatinho intercontinental?

O número de rodas

Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou reportagem sobre os riscos do uso da bicicleta em vias públicas de grandes cidades, recomendando que o uso das duas rodas se limitasse a parques, ciclovias e ruas com pouco movimento de veículos pesados. A questão está sendo amplamente debatida, aliás de maneira passional – o que é de se esperar, considerando-se que as eleições se aproximam. Mas o problema que chama a atenção deste colunista é outro: será a publicação de reportagens, mesmo que de utilidade pública, uma atribuição dos diários oficiais?

A função básica dos diários oficiais é registrar publicamente os atos dos diversos organismos de Governo, de maneira a que todos possam deles tomar conhecimento. Nomeações, liberações de verbas, autorizações, concorrências, tudo isso tem de sair no Diário Oficial. Mas debate sobre uso de bicicletas (contra ou a favor, tanto faz), consumo de gordura trans, a influência do sal de cozinha iodado no comportamento das abelhas japonesas, será isso parte das funções específicas do Diário Oficial? E, não esqueçamos, papel custa caro e quem paga somos nós, contribuintes. Por que não deixar esse tipo de assunto para quem paga o próprio papel e considera possível despertar o interesse do cliente que irá remunerá-lo?

Os culpados de sempre

O senador Demóstenes Torres, em telefonemas gravados pela Polícia Federal, pediu dinheiro ao bicheiro Carlinhos Cachoeira para pagar um voo fretado. Alegrou-se ao ganhar dele um vinho caríssimo (e, mais ainda, ao receber como presente de casamento uma cozinha completa, importada dos Estados Unidos, igual à da Casa Branca). Usou um telefone portátil que lhe foi dado por Cachoeira para comunicar-se exclusivamente com ele, um aparelho supostamente protegido contra gravações, e nunca se preocupou em pagar a conta. E, quando caiu na rede que lhe foi armada pela Polícia Federal, botou a culpa na imprensa. Segundo ele, os jornalistas o perseguiram. “Fui chamado pela imprensa de bandido, pilantra, psicopata, que coloquei meu mandato à disposição de uma quadrilha”.

Nós, jornalistas, somos terríveis, horrorosos, mefistofélicos. E provavelmente foram os jornalistas, essas criaturas malvadíssimas, que convenceram o senador Álvaro Dias, do PSDB, que foi amigo e aliado de Demóstenes, a pronunciar a frase mais absurda do ano, no final do julgamento em que houve a cassação: a de que gostaria de ter entrado no Senado com um revólver para, caso Demóstenes escapasse da cassação, suicidar-se com um tiro no ouvido.

Não dá pra não ler

É para hoje: nesta terça, 17, a partir das 19h, Audálio Dantas, 80 anos e muita vitalidade, lança seu novo livro, Tempo de Reportagem, no restaurante Jacaré da Vila Madalena, SP [Rua Harmonia, 321]. São 13 de suas reportagens, com prefácio de Fernando Morais. Audálio, ainda nos velhos tempos da Folha, foi fazer reportagem numa favela (acredite: naquela época jurássica, repórter ia aos locais onde os fatos ocorriam, em vez de, digamos, apurá-los por telefone). Lá conheceu uma moça, Carolina Maria de Jesus, catadora de papel, que fazia uma espécie de diário. Audálio leu, gostou, fez a revisão, e Carolina Maria de Jesus se transformou numa autora de sucesso internacional, traduzida em dez línguas, com seu Quarto de Despejo.

As reportagens do novo livro vão da vida num hospício a um louco concurso de dança, da mortalidade infantil por fome em Pernambuco à busca de caranguejos.

Audálio foi repórter, dirigiu O Cruzeiro, então a maior revista do país; respeitadíssimo nos meios jornalísticos, foi eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Este colunista, que sempre evitara sindicalizar-se, por não concordar com os métodos com que era dirigido o sindicato, assinou a ficha de inscrição tão logo ele tomou posse.

E coube a ele, num momento dificílimo, liderar os jornalistas na luta pela democratização do país: quando Vladimir Herzog foi assassinado pela Polícia política da ditadura militar, Audálio coordenou a grande missa ecumênica na Praça da Sé, com d. Paulo Evaristo Arns, o reverendo James Wright e o rabino Henry Sobel. Foi o primeiro grande ato popular de resistência à ditadura.

Em resumo, Audálio tem histórias para contar. E uma atitude diante da reportagem, aqui narrada por Fernando Morais:

“Ao chegar ao final deste Tempo de Reportagem, não pude deixar de me lembrar de uma recente declaração do grande jornalista americano Gay Talese, segundo o qual ‘o jornalismo é a arte de sujar os sapatos’. Em uma época como a nossa, em que páginas e páginas de jornais são preenchidas diariamente com reportagens feitas por telefone ou por e-mail, sem que o autor saiba se o entrevistado é gordo ou magro, branco ou preto, feio ou bonito, é um refrigério jornalístico ler este livro de Audálio Dantas. Um jornalista do tempo em que se praticava a arte de sujar os sapatos”.

Sujar os sapatos e deixar brilhar as ideias.

É divertido

Lembra de Larry Rohter, correspondente no Brasil do The New York Times? Sim, aquele que o presidente Lula quis expulsar do país por se referir a alguns de seus petiscos líquidos favoritos (quem lutou muito para evitar a burrice da expulsão foi o secretário de Imprensa de Lula, Ricardo Kotscho, com apoio do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos). Rohter, bom conhecedor do país, escreve um livro saboroso, lançado pela Geração Editorial: Brasil em Alta, uma espécie de manual para quem precisa aprender mais sobre nossos usos e costumes.

Aprendendo

Josef Barat é especialista em Transportes, foi diretor da Agência Nacional da Aviação Civil, Anac – em resumo, conhece. E lança na próxima segunda-feira, dia 23, seu Globalização, Logística e Transporte Aéreo. Na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, SP, a partir das 18h30.

Como…

De um importante portal noticioso:

“Cirurgia de quadril demora dois anos no Hospital (…), em (…)”

É recorde para o Guiness Book: deve ser a cirurgia mais demorada do mundo. E o cirurgião certamente é um fenômeno, capaz de ficar tanto tempo no trabalho.

…é…

Do portal de notícias de um jornal de circulação nacional:

“Fifa alega que subornos são ‘normais’ no Brasil”

Há certas atitudes que são contra a lei e devem investigadas. E há certas explicações que tornam as investigações absolutamente desnecessárias.

…mesmo?

De um grande portal noticioso, com fotos e tudo:

“Candidata petista em MG muda visual para se parecer com Dilma”

Ser vereador deve ser muito, muito bom.Tem gente que faz qualquer sacrifício para se eleger.

Mundo, mundo

Certas coisas só acontecem no Brasil. Numa inspeção de rotina, fiscais do Ibama apreenderam 10kg de carne de um tipo de tartaruga em extinção, cuja caça é terminantemente proibida. E quem era o devastador que carregava a carne da tartaruga? Pois é: o secretário do Meio-Ambiente de Itaituba, no Interior paraense – exatamente a pessoa encarregada de zelar pela conservação dos animais em risco. O secretário talvez tenha se equivocado – achou que conservar a tartaruga era congelá-la, para que não se estragasse. E, explicando-se, contou que estava levando a carne para a festa de recepção de seu filho, que chegaria de Londres.

Proibição de caça? Nem pensar. Só quando teve de conversar com a imprensa: de repente, lembrou-se de que estava cometendo um crime, e jurou que apenas transportava um pacote, encomenda de um amigo, e nem sabia o que era.

E eu com isso?

O predador de tartarugas vai pagar multa, vai responder a processo criminal, mas deve estar mais bravo é por perder o prato principal da festa. Não, não dá: o noticiário comum está chato demais, repugnante demais. Vamos ao frufru!

** Katie Holmes leva Suri ao zoológico

** Atriz Camila Rodrigues se bronzeia no Rio de Janeiro

** Com roupas justas, ator Ryan Gosling é referência de estilo

** Diretora Amora Mautner se diverte com Débora Falabella na praia

** Taylor Swift é a artista mais bem paga com menos de 30 anos

** Claudia Raia vai à praia com o namorado

** Madonna aparece com pouca roupa em show na Bélgica

** Após alta, cantor Pedro come galinhada

** Mulher do sertanejo Jorge é quem cuida dos looks do marido

** Ator de “O Pianista” protagoniza banho sensual com namorada

Este colunista viu a foto: embora seja ele o músico, é ela que dedilha o órgão.

O grande título

Uma semana muito rica, sem dúvida. Está valendo tudo!

Por exemplo,

** Bebê vai voltar para berçário onde se afogou

Ou, referindo-se ao prefeito petista de Palmas, Tocantins, preso por envolvimento naquilo que hoje se chama delicadamente de “malfeitos”:

** “Tive a infelicidade de ser filmado”, diz Raul Filho

Não, ele não se convenceu de que estava fazendo algo errado. Errado, acredita, foi não ter percebido que alguém registrava tudo.

E há um título rigorosamente imbatível:

** Governo vai reduzir custo da tarifa de eletricidade

Considerando-se que tarifa é exatamente o preço de um serviço, tem-se que o Governo vai reduzir o custo do preço. Notável!

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]