Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Homofobia eleitoral

O tema da eleição anterior (aquele anúncio nojento, segundo o qual não se sabia se o prefeito paulistano Gilberto Kassab, então candidato, era casado, tinha filhos etc.) está de volta. E, desta vez, mais explícito: na eleição anterior, insinuava-se que alguma coisa estava equivocada na sexualidade do prefeito, como se alguém tivesse algo a ver com isso. Agora, usando a internet – o blog Blogay, abrigado no maior portal do país, o poderoso UOL – a baixaria é mais direta. Já no título, surge a pergunta: “Gilberto Kassab é gay?”

De onde surgiu o título? Segundo o autor do texto, “várias pessoas, vira e mexe”, fazem a pergunta. E têm, sempre segundo o autor, mais curiosidade sobre a orientação sexual do prefeito do que de atores de novela ou estrelas de Hollywood. Na verdade, o objetivo do texto é outro, e aparece logo depois: é dizer que a orientação sexual de Kassab não importa, mas que ele é autoritário.

Truque baixo: se a orientação sexual não importa ao autor, por que está no título? Porque o objetivo, além de chamar a atenção do público, é explicar os defeitos que vê em Kassab pela orientação sexual que lhe atribui. “Alguma coisa deve ter de errado, alguém que só sabe dizer não. ‘Pode ser gay ultra reprimido’, devem pensar muitos que me perguntam sobre sua orientação sexual. Mas este não é o caso nem a explicação muito menos a desculpa, o que existe de verdade e fato é um governo municipal repressor.”

Vale a insinuação, portanto, para atacar o governo municipal, sem ter de falar em política ou administração. A crítica política é livre, mas tem volta; as críticas administrativas podem ser rebatidas; as críticas sobre posturas municipais são frequentemente injustas e a população o percebe. Mas como as insinuações sobre orientação sexual muitas vezes são ignoradas, para que não ganhem corpo, servem para proteger de contestação e resposta as afirmações eleitorais do texto. Falta coragem para afirmar que o alvo é gay, é lésbica, é bissexual, é seja lá o que for. Troca-se isso pela insinuação covarde, cobrindo uma iniciativa eleitoral, partidária, com o manto da fofoca. Pior: com a fofoca que se repete a cada quatro anos, periodicamente, sempre na época das eleições.

É inominável: busca-se o que há de pior na natureza humana, a intolerância, para tentar ganhar alguns votos. O cavalheiro é gay porque alguém disse que é gay; e, se é gay, seu comportamento é sempre nocivo, idêntico ao de todos os gays. São fofocas autoconfirmantes: a informação é verdadeira porque alguém disse que é verdadeira, independentemente do que aconteça. Nos Estados Unidos, onde há bolsões fundamentalistas de grande influência, as mudanças boas aconteceram rapidamente: um católico, John Kennedy, se elegeu presidente, um negro, Barack Obama, está hoje na Casa Branca. Aqui no Brasil, perde-se tempo discutindo se “x” ou “y” é veado ou não – não por preconceito, naturalmente, que o fofoqueiro tem muitos amigos gays, mas porque o homossexual reprimido, seja ele quem for, tem sempre comportamento socialmente inaceitável.

Que feio! Depois esse pessoal reclama quando perde as eleições.

 

A união de estrelas

Um ex-jogador de futebol dos mais importantes, apontado como novo par de um conhecido apresentador de TV, conseguiu obrigar judicialmente uma colunista de televisão a retirar de seus arquivos na internet todas as referências que fez à ligação que disse haver entre ambos. Nada mais justo: é um problema que diz respeito apenas aos dois. Se são apenas amigos, se se conheceram numa festa, foram fotografados juntos e nunca mais se viram, se são mesmo um par homossexual, que é que nós temos com isso? Vale pela fofoca, pelos comentários em mesa de bar; não é um assunto que deva ser tratado pelos meios de comunicação, a menos que os parceiros, ao menos implicitamente, concordem com o uso de sua imagem pública.

Quando astros populares se encontram em locais públicos, frequentam a praia juntos, viajam um em companhia do outro, implicitamente aceitam o noticiário a seu respeito. Investigá-los, porém, é outro tema: espionar duas pessoas para saber se estão namorando é inaceitável. No caso do ex-craque e do apresentador, não se expuseram em qualquer momento à curiosidade pública. Se estão ou não namorando, que sejam felizes, e que fiquem livres do patrulhamento alheio.

 

Os rabichos do racismo

Na troca de adjetivos entre Alberto Dines e Boris Casoy, um fato chamou especialmente a atenção deste colunista: a matéria do jornal virtual Brasil247 abriu espaço para comentários (aparentemente livres de qualquer moderação). E o que se viu foi um festival de antissemitismo – a mesma intolerância que se tenta levantar também contra os gays. Em 74 comentários, há onze virulentamente antissemitas (mais um ou outro com piadinhas sobre judeus). Os onze, naturalmente, assinam com pseudônimo. Um, dizendo chamar-se Mano, escreve: “Boris, Boris, Boris, seu judeuzinho de merda.. tô loko pra te mandar pros 5º dos infernos.. Ah! se eu te pego…”

Outro, que se assina Zullu Amarelo, acredita que nos meios de comunicação todos sejam judeus (texto original, sem correções): “grande parcela de apresentadores da televisão são da comunidade judaica. essa comunidade não tem nem 300mil pessoas no brasil, mas são bem representados na area de comunicação. Só na Globo, no Jornal Hoje, Sandra Annemberg, no Jornal Nacional William Bonner, no Jornal da Noite, William Waack e Cristiane Pelajo, na area de esportes Tiago Leifert, cujo pai é diretor, Tande, na area de entretenimento Luciano Huck, Pedro Bial, Serginho Groissman, atores também muitos, enquanto estão fazendo o bem nada de anormal, mas quando se propõem a difamar e destruir governos eleitos legitimamente pelo voto popular ai já é demais, esses ancoras de jornais poderiam pelo menos respeitar o povo brasileiro, a raça judaica considerada inteligente há seculos, deviam pelos menos serem imparciais nas reportagens,”

É impressionante como, anônimos, certos personagens se tornam corajosos. É impressionante como são tolerados, em veículos de internet, comentários anônimos que são flagrantemente contrários à lei. É impressionante como, ainda hoje, a intolerância – contra quaisquer minorias – não tenha sido percebida como aquilo que realmente é, uma manifestação clara e límpida de imbecilidade.

 

Falta alguém na Anatel

Os meios de comunicação deram a notícia de que várias operadoras tinham sido proibidas de vender chips, e se limitaram ao relatório: a Anatel diz isso, a operadora diz aquilo (ouvir gente que entende do assunto e possa explicar os problemas, isso dá trabalho, e trabalho cansa). A Anatel liberou as operadoras, que em poucos dias geraram planos fantásticos para oferecer melhor serviço, e ninguém questionou a velocidade com que tudo foi resolvido: de novo, as declarações da Anatel, as declarações das empresas, as juras de amor eterno entre a agência reguladora e as empresas que deveriam ser por ela reguladas.

Por que a Vivo se livrou da suspensão? Está dentro dos parâmetros? A propósito, quais são os parâmetros?

E há o caso da Nextel, que todos fingem que não veem. A Nextel vende planos que englobam 400 minutos de ligações. O que não está no contrato, mas aparece na conta, é que são 400 minutos de ligações locais. O que não é local é cobrado à parte. A Nextel escolhe a operadora quando faz ligações interurbanas, mas cobra um preço fixo do assinante, mesmo que consiga preços muito mais baixos. Isso é ilegal, conforme entendimento da Justiça; mas continua sendo feito. Os meios de comunicação continuam quietinhos, quietinhos.

Outro dia, sempre sob o mais retumbante silêncio da imprensa, a advogada Tânia Lis Tizzoni Nogueira fez um boletim de ocorrência (BO 4881/2012) a respeito das contas da Nextel – o caso dos 400 minutos. E prepara ação judicial com base nos artigos 66 e 67 do Código de Defesa do Consumidor, por publicidade enganosa. Esperemos: se os meios de comunicação continuarem em silêncio, esta coluna continuará mostrando o andamento do processo.

 

O Brasil que vale a pena

Na terça-feira (7/8), um senhor lançamento: o conjunto de dois livros O Melhor de Senhor e Uma Senhora Revista, organizado por um senhor jornalista, Ruy Castro, com a coordenação de Maria Amélia Mello e edição da Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo. Senhor, uma das revistas mais importantes do Brasil, foi criada por Nahum Sirotsky, com um time fantástico: Bea Feitler, Carlos Scliar, Paulo Francis, Luiz Lobo, Ivan Lessa, Guimarães Rosa. “Só não levei o Alberto Dines porque estava evidente que era um cavalo de raça, pronto para ganhar corridas”, diz Sirotsky, hoje um esplêndido correspondente em Israel. Era o tempo do Brasil que dava certo, em que surgia a bossa-nova, em que Brasília era construída e inaugurada, em que a indústria automobilística começava a crescer, em que tudo era possível, em que a vida cultural era vibrante.

Depois do período Sirotsky, a revista foi dirigida por Paulo Francis. Sempre grandes nomes, sempre grandes personalidades do jornalismo.

Os livros serão lançados na Livraria da Vila, rua Fradique Coutinho, 915, SP. Às 18h30 há uma conversa com Ruy Castro; das 19h30 em diante, autógrafos.

 

Vai-se mais um

Luiz Fernando Mercadante, que marcou época em Realidade, na Rede Globo, no marketing político, morreu na semana passada. Muito se pode falar sobre ele, mas o excelente jornalista Luís Carlos Cabral, que o conheceu bem e trabalhou sob seu comando, escreveu o texto definitivo:

“Aconteceu uma coisa muito triste: o grande, imenso, incomparável ser humano chamado Luiz Fernando Mercadante morreu ontem à noite. Aqui gostaria de parafrasear o Jovem Gui, outro grande amigo que se foi. Quando o Picasso morreu, ele fez a seguinte manchete para o Jornal da Tarde: “Picasso morreu, se é que Picasso morre”. Mercadante morreu, se é que Mercadante morre.”

 

Inculta e bela

Em sua clássica autobiografia, Winston Churchill conta um sério problema que teve na aristocrática escola em que seria alfabetizado. Ali se estudava, além de inglês, grego e latim. E o professor de latim o ensinava a declinar “mensa”, mesa. E explicava: “Mensa”, nominativo, é como se chama a mesa. O vocativo é a declinação que será usada quando você se dirigir a uma mesa.

Churchill não entendia essa história de se dirigir a uma mesa. Não tinha a menor intenção de conversar com mesa alguma. O professor considerou-o desobediente e ele trocou de escola, por uma de hierarquia muito mais baixa. E, no livro, Churchill conta que decidiu que não queria falar grego nem latim, queria dedicar-se ao inglês. Teve sucesso: seu texto é magnífico, até quando traduzido.

Os veículos de comunicação do Brasil vão na contramão de Churchill: contratam gente com um quarto cheio de diplomas, falando dezessete línguas, mas que despreza olimpicamente nossa Última Flor do Lácio, Inculta e Bela. Regência? Imagine! Concordância? De vez em quando. Silepse? Deve ser alguma doença.

E segue o exemplo incrível:

** “Como não é cidadão americano, embora tenha um green card que o permite viver legalmente no país (…)”

Por que será que só usam “lhe” quando não deveriam usá-lo?

 

Como…

De um grande jornal impresso, de circulação nacional:

** “Sem a ‘ajuda’ dos servidores, cerca de 25% dos parlamentares tiverem de pedir licença no microfone”

Socorro! O português cumpanhêro daquele livro do ministro Haddad venceu!

 

…é…

No título:

** “Receita faz pente-fino em IR de todos os contribuintes de SP”

No texto:

** “A Receita Federal está intimando cerca de mil contribuintes da Capital (…)”

Tirando o fato de que não é no estado, mas só na cidade, e que não são milhões, mas mil, até que o texto está correto.

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso:

Na capa, “Morre jogador da NFL encontrado ferido dentro do carro; polícia suspeita”

Serão policiais os suspeitos do evento? Não, não são: de acordo com o texto, “Morre jogador da NFL encontrado ferido dentro do carro; polícia suspeita de homicídio”.

 

Mundo, mundo

Pêndulo vai, pêndulo vem. Houve época em que o cavalheiro encontrado em atitude suspeita era tratado na imprensa, direto, sem maiores cerimônias, como criminoso, bandido, vagabundo, elemento, conforme a categoria do jornal. Hoje, o cavalheiro mata na frente de meia dúzia de testemunhas idôneas, confessa, reconstitui o crime, tem marca de pólvora nas mãos, sangue na roupa, explica o motivo, e mesmo assim é “suposto matador”.

Há casos notáveis, que vale a pena registrar. Por exemplo, o lateral-direito Michel Morganella foi excluído da seleção suíça de futebol “por ter feito supostos comentários racistas” no Twitter.

Agora, os “supostos comentários racistas” de Morganella: “Vou acabar com vocês, coreanos. Atrasados mentais!”

 

E eu com isso?

Cansado de mensalão? Com certeza, o caro colega não aguenta mais as mentiras que é obrigado a ouvir. Se está de um lado, as mentiras dos acusadores; se está do outro, as mentiras dos réus. Não, neste momento há pouquíssimas pessoas capazes de ouvir acusação e defesa para só então decidir de que lado estão. O mais comum é entrar em campo torcendo por um dos times e chamar o juiz de ladrão sempre que tomar uma decisão em favor do adversário.

Então, vamos ao noticiário mais ameno, suave, bom para combater o estresse do dia a dia (e, melhor ainda, sem aquelas controvérsias chatas sobre ladroeira).

** “Aos 43, Jennifer Aniston grava com regata branca e sem sutiã”

** “De short curto, Fiorella Matheis circula por shopping do Rio”

** “Milley Cyrus divulga imagem em que aparece com a barriga de fora”

** “Vilhena e Thaila curtem sol carioca”

** “Cheryl Cole se insinua para Tom Daley”

** “Anderson di Rizzi completa 34 anos”

** “Lady Gaga faz sua décima tatuagem”

** “Max e Amanda em dias de cumplicidade”

** “Lily Allen muda o nome artístico”

** “Murilo Benício janta com a amada no Rio”

 

O grande título

Os títulos mais caprichados saíram do noticiário olímpico. Dois são notáveis:

** “Huertas diz que seleção errou estratégia em falha de defender vantagem de 5 pontos”

Foi no jogo contra a Rússia. E alguém deve entender a frase.

Mas não se compara com o que se segue, a respeito de um árbitro turco de boxe que sofreu um infarto em Londres:

** “Garip Erkuyumou, que vai participar da Olimpíada, foi encontrado morto em seu quarto de hotel”

Tendo ocorrido o infausto acontecimento, tendo o árbitro entrado em óbito, como é que vai participar da Olimpíada?

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]