Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Erradicação da miséria

Os propósitos da presidente Dilma Rousseff, ao anunciar metas para concluir uma etapa de seus programas de erradicação da miséria, são tão bons quanto os de qualquer outro cidadão sinceramente indignado com a entranhada desigualdade brasileira.

Como personagem política, ao mesmo tempo, ela não pode ignorar o calendário e os desafios do processo democrático. Assim, seus excelentes propósitos aparecem perante a opinião pública embalados por uma retórica de campanha.

Cabe à mídia jornalística independente, sem desdenhar da importância do anúncio feito pela presidente, jogar luz sobre alguns aspectos. Em primeiro lugar, é necessário descrever com precisão os conceitos de pobreza, miséria, inclusão social, entre outros.

Começando pelo final, e aqui a observação não se dirige apenas nem principalmente às falas governamentais, a inclusão social é questionável se significar apenas incorporação de consumidores aos mercados, sem mudança ponderável das relações sociais.

A “nova classe média”

O conceito de miséria, por sua vez, não pode ser definido por uma linha de corte de R$ 70 mensais per capita. O governo deveria explicar a diferença que faz, para pessoas em situação de miséria, alguma renda monetária, por menor que seja. O governo e a imprensa, que poderá captar as muitas faces da realidade, sem compromisso com a retórica político-partidária ou político-eleitoral: o que se consegue avançar dando essa renda monetária, fazendo essa transferência de renda, e o que ainda fica faltando. Um mundo.

A pobreza, que anda sendo combatida virtualmente, mediante o emprego da expressão mágica “nova classe média”, também precisa ser descrita e analisada sem fantasia. Na quarta-feira (20/2), o Jornal Nacional levou ao ar a informação de que 65% dos moradores das favelas do Rio de Janeiro pertencem à classe média. Sem esclarecer que, nesse caso, o conceito de classe média é construído em função do poder de consumo das famílias e dos indivíduos.

Se uma maioria tão expressiva de moradores da “classe média” morasse nas favelas cariocas, as favelas provavelmente deixariam de sê-lo. Tornar-se-iam finalmente o que deveriam e devem ser: cidade, e não algo à parte dela, favelas, periferias, ou, como quer a moda eufemística atual (que não deixa de ter suas virtudes cidadãs): comunidades, palavra genérica que, ao dizer tudo, não diz nada, mas que, brasileiramente, todo mundo entende o que é.

Fugir das generalizações

No dia a dia, a imprensa mostra fragmentos da realidade que servem para formar uma visão crítica dos anúncios generalizantes. As falas governamentais são grandiloquentes, sempre. É preciso recebê-las, portanto, com visão ampla, ao mesmo tempo panorâmica e capaz de enxergar detalhes.

No caso da pobreza e da miséria, sem deixar de avaliar corretamente como isso é importante num país como o Brasil, é indispensável fugir das generalizações. Buscar ajuda em universidades e instituições de pesquisa para obter uma descrição de realidades que são muito diferentes de região para região, de estado para estado, de mesorregião para mesorregião, de município para município, de bairro para bairro e, em não poucos casos, de um trecho de rua para outro.