Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Espora no galista

Briga de galo não é esporte: é crueldade. Briga de galo é proibida por lei. Se todo o país sabe que o hobby de uma pessoa é a briga de galo, isso não significa que a lei tenha sido revogada.

Tudo isso é verdade; mas é verdade, também, que levar uma pessoa para o presídio por participar de briga de galos é exagero. E é verdade, também, que esse exagero não se refletiu na postura da imprensa. Os meios de comunicação aceitaram (e até, permitam-me notar, com certa satisfação) que uma pessoa com endereço fixo, modo de vida conhecido, sem antecedentes criminais, fosse levada à masmorra por um crime que nem reclusão prevê: se o cavalheiro for condenado, a pena será de detenção, com provável transformação em serviços à comunidade.

Se uma pessoa condenada em definitivo, com processo transitado em julgado, não vai para a cadeia, por que levá-la antes do julgamento? Não ocorreu a nenhum meio de comunicação que talvez o objetivo das autoridades que determinam o encarceramento não seja o do estrito cumprimento da lei, mas o de busca dos holofotes? Perguntemo-nos: se Duda Mendonça não fosse famoso, iria para a cadeia por briga de galo? Iriam tentar enquadrá-lo em formação de quadrilha para apostar no galo mais violento?

Este jogo, de busca de holofotes a qualquer preço, é tão bárbaro e brutal como a briga de galos. E esconde um agravante: é feito com gente.



Primeiro…

Semana de Grande Prêmio do Brasil, semana em que toda a imprensa se diverte com Rubinho Barriquebra (ou Rubinho Pé-de-Chinelo). Escrevo antes da corrida, sem saber o resultado – e, a propósito, sem entender nada, rigorosamente nada, de automobilismo. Mas sei ler uma tabela – e vejo que Rubinho é, há algum tempo, o segundo melhor piloto da Fórmula 1; neste ano, ele é o vice-campeão mundial, superado apenas por Schumacher.E ser superado por Schumacher, caros companheiros jornalistas, é mais ou menos a mesma coisa que ser superado por Pelé.

Falemos de futebol: Roberto Rivelino não foi Pelé, mas gostei muito de vê-lo jogar no Corinthians. Alguém faria piada com Rivelino por marcar menos gols do que Pelé? Alguém desdenharia Ademir da Guia por não jogar tanto quanto Pelé? Então, por que ridicularizar um piloto cujo maior problema é ter tido a má sorte de disputar com um gênio das pistas?



… dos últimos

No Brasil, o vice não é o segundo melhor: é o primeiro dos últimos. Mas não há motivo para desdenhar Barrichello – afinal, que outro país, exceto a Alemanha de Schumacher, tem um piloto tão bom quanto ele?



Cabeça ou corpo?

No título, Lula manda omitir os fatos desagradáveis. No texto, Lula manda citar os fatos desagradáveis, tratando-os de maneira adequada. Mas o título fica bem melhor inventando as coisas, não é verdade?



Como dizer os fatos

O fato é que, nessa questão de turismo, Lula tem toda a razão: o brasileiro não pode omitir os fatos, mas deve tratá-los de maneira adequada. A França atrai turistas anunciando as belezas de Paris, a gastronomia de Lyon, os vinhos da Borgonha. O mau humor com que os turistas são tratados na França simplesmente não aparece na propaganda. O Brasil deve mostrar ao estrangeiro por que deve nos visitar; cabe aos concorrentes mostrar por que não deve fazê-lo. Como diz o esplêndido slogan da McCann Ericksson, ‘a verdade, bem dita’.



O papel do jornal

É claro que o governo deveria liberar todos os arquivos da ditadura militar, e não se compreende por que não o faz. Mas, copiando o título do livro clássico de Alberto Dines, qual o papel do jornal nesses fatos? Se a Comissão dos Direitos Humanos da Câmara tem documentos que não analisou (as fotos agora publicadas, e que se pensava que fossem de Vladimir Herzog, estavam lá há mais de sete anos), por que nenhum veículo de comunicação foi buscá-los e analisá-los? Gente, deveríamos fazer isso até por corporativismo: muitos colegas foram presos, torturados e mortos pela ditadura. Vamos ficar quietos até que todos os documentos tenham desaparecido?



Cadê o dinheiro?

Já faz algum tempo que o Washington Post publicou documentos segundo os quais o Iraque de Saddam Hussein pagou subornos de 11 bilhões de dólares a aliados que o ajudaram a driblar o embargo comercial imposto pela ONU. No Brasil, quem recebeu uma boa bolada, diz o jornal americano, foi o grupo MR-8 – que começou fazendo revolução e hoje é o braço briguento do ex-governador Orestes Quércia. O jornal denunciou, mostrou os documentos, e ficou tudo por isso mesmo: quando é que alguém vai procurar os dirigentes do MR-8 e levantar a história inteira?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados Comunicação, e-mail (carlos@brickmann.com.br)