Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Esquecer é sofrer de novo

Quem esquece o passado está condenado a repeti-lo, como dizia o filósofo americano Georges Santayana, numa citação famosa e tantas vezes repetida. Famosa, repetidíssima e, apesar de tudo, ignorada: nossa imprensa esquece o passado com muita facilidade, esquece de cobrar e paga a conta de novo.

Em julho último, o radialista João Alckmin, de São José dos Campos (SP), que move campanha permanente contra a máfia dos caça-níqueis, sofreu um atentado a bala. Só que, por um acaso, no lugar em que ele deveria estar, estava outra pessoa, o advogado Rodrigo Duenhas, que levou dois tiros de Magnum e até hoje se recupera das conseqüências do atentado.

A imprensa noticiou fartamente o fato, com grande destaque e abundância de detalhes. Uma campanha anterior de Alckmin já havia levado ao fechamento dos desmanches clandestinos de São José dos Campos, onde os ladrões desovavam os carros roubados, e além disso ele é primo-irmão do ex-governador Geraldo Alckmin. A polícia prometeu rigorosa investigação. Só que rigorosa investigação, no Brasil, não significa investigação rigorosa: é exatamente o contrário. A polícia investigou um assalto (como se alguém assaltasse de Magnum em punho; como se alguém assaltasse sem pedir nada ao assaltado; como se alguém assaltasse para ir embora em seguida, sem nada levar). Investigou a vida privada da vítima. E o inquérito, ralentado, ralentado, desapareceu do noticiário. É como se atentado e vítima jamais tivessem existido.

De repente, de novo, o assunto explode: outro atentado contra João Alckmin, baleado duas vezes à luz do dia, numa rua movimentada de São José dos Campos. Mais uma vez nossa imprensa está cobrindo o assunto com grande competência. Mas não pode esquecer de cobrar: a polícia, que hoje promete rigorosa investigação, já demonstrou que funciona muito melhor quando é pressionada pela sociedade. E é preciso que assim seja: há suspeitas fortes de que, na máfia dos caça-níqueis, haja maus policiais, a chamada banda podre da polícia. Só é possível bloquear a ação desses bandidos que fingem estar ao lado da lei se os meios de comunicação permanecerem atentos, exigindo, investigando, cobrando.

Alckmin já escapou duas vezes. Se a imprensa esquecer de novo a guerra contra as máfias, ele, para sobreviver, precisará de muito mais sorte. Ou nós da imprensa enfrentamos os bandidos ou eles, fingindo tristeza, irão ao nosso enterro.



Sem explicação

Nos Estados Unidos, o diesel pode conter até 15 ppm (partes por milhão) de enxofre. No Japão, o máximo permitido é 10 ppm. No Brasil, o diesel usado nas grandes cidades carrega 500 partes por milhão de enxofre – 50 vezes o limite japonês. Nas cidades menores e nas áreas rurais, o limite é de 2 mil ppm – 200 vezes o limite japonês. Há quase seis anos, o Conselho Nacional do Meio-Ambiente (Conama) determinou que em 2009 o diesel poderia conter 50 ppm de enxofre: cinco vezes o limite japonês, mas muito menos do que o tolerado hoje no Brasil. A poluição do ar cairia dramaticamente, melhorando a saúde de todos.

Coisas da Rio + 10, a comemoração de décimo aniversário da Eco 92. A medida foi tomada, amplamente saudada pelos meios de comunicação, e esquecida. Ninguém cobrou investimentos, ninguém fez reportagens procurando saber como estava o cronograma de redução do enxofre no ar. Resultado: a Petrobras já sinaliza que não vai dar para cumprir aquilo que foi prometido em 2002.

Mais um caso de esquecimento da imprensa e de pouco-caso de uma grande empresa pelo meio-ambiente. Vai ficar por isso mesmo?



Nomes aos bois

Ruy Castro escreve como todos os jornalistas deveriam fazê-lo se o mundo fosse perfeito. Já demonstrou, com Garrincha, Carmen Miranda e Nélson Rodrigues, que é um excelente biógrafo. É notável contando histórias de tempos idos, mas que se refletem em nossa vida de hoje. Não bastasse tudo isso, demonstra a coragem de noticiar certos fatos que a maioria da imprensa prefere ocultar.

Ruy Castro acaba de informar o motivo pelo qual Adriano, Il Imperatore, centroavante da Seleção brasileira, deixou de fazer gols e de nos mostrar seu famoso futebol-força: alcoolismo. Adriano, como Garrincha, como tantos outros, sofre dessa doença, que exige tratamento e disciplina; e exige, sobretudo, que o doente reconheça que enfrenta um problema de saúde e precisa de ajuda.

O alcoolismo, como tantas outras doenças, carrega consigo um estigma (e por isso, certamente, tantos jornalistas preferem não dar o nome à moléstia do jogador). Mas esse estigma tem de ser enfrentado e vencido, não escondido; pois, se for escondido, o próprio doente se convencerá de que não tem problema algum, e, afinal de contas, que mal pode fazer uma dosezinha? Se o problema for escondido, que impedirá amigos de boa-fé de oferecer-lhe um copo por conta da casa?

No dia em que Adriano se recuperar e seus gols voltarem a encher a vista da torcida brasileira, espera este colunista que dedique o retorno a Ruy Castro – que, mesmo enfrentando alguma incompreensão, o ajudou a enfrentar seu problema.



O futebol e as entradas

O leitor Renato Lainer Schwartz escreve para falar de ingressos para o futebol – mais especificamente do jogo entre Brasil e Uruguai, cujos ingressos ‘se esgotaram’ em menos de duas horas. A venda de ingressos, diz Schwartz, ‘foi uma enorme farsa’. Segundo foi informado, além dos cambistas, há empresas que dedicam ingressos ao marketing institucional, retirando-os assim do mercado. E que sobra para o torcedor? Ou é convidado pelas empresas ou paga o preço pedido pelos cambistas. E ainda tem de ver o futebol mambembe da Seleção.

O tema principal do bilhete de Schwartz, entretanto, é outro: ‘Onde está nossa imprensa que, medrosa, se calou?’. E onde está nossa imprensa que, há muito tempo, vê cadeiras cativas ocupadas irregularmente sem que a administração do estádio se mexa, vê que as cadeiras numeradas não têm número (este colunista jura que é verdade) e não faz reportagens sobre isso?

Boas perguntas. Alguém terá boas respostas?



Sem holofotes

Rodrigo Haidar, um dos comandantes do excelente portal Consultor Jurídico protesta contra a nota desta coluna que lamenta a falta de matérias sobre a nova postura da Polícia Federal, que mantém as grandes operações mas abandona a parte pirotécnica. Haidar salienta que o Conjur já havia divulgado ampla matéria sobre esse tema.

Tem toda a razão: quem errou foi este colunista. O Consultor Jurídico havia dado a nota ‘Sem Holofotes – PF vai à luta, mas deixa o espetáculo de lado’, que pode ser lida aqui.



Números, números

Tudo bem, o dólar baixou muito, mas a paridade com o real ainda está longe – a não ser nas páginas de alguns veículos de comunicação. Jornalista, como já se notou, é meio inimigo de números, principalmente quando são números grandes, daqueles que a gente nunca lida no dia-a-dia.

Outro dia, saiu na internet: ‘Estudo prevê esgotamento da web e pede investimento de US$ 242 bilhões’. Não era bem isso: o investimento equivale a 242 bilhões de reais. Em dólares, sai mais em conta: US$ 137 bilhões.



Excesso de força

Exploração da prostituição é crime. Mas o combate ao crime não pode cair no ridículo. Em São Paulo, o Grupo de Operações Especiais, a tropa de elite da polícia civil, fechou o Moulin Rouge, suspeito de funcionar como casa de prostituição. Tudo OK quanto ao fechamento; mas por que tamanho aparato policial, com armas longas e policiais treinadíssimos? Estaria alguém temendo que as prostitutas reagissem com golpes de pompoir e jogando camisinhas e perfumes paraguaios nos encarregados de fechar a casa, exigindo armamento pesado para submeter-se? No momento em que a Polícia Federal abandona os exageros de força, irá a polícia estadual usar seus melhores homens em casos tão pequenos?



E eu com isso?

Confesse, caro leitor: há algumas notícias sem as quais nossas noites não seriam as mesmas. Depois de tomar conhecimento desses fatos, aí é possível dormir. Quem sabe até sonhar?

1. ‘De biquíni fio dental, Deborah Secco vai à praia com amiga’

2. ‘Dira Paes descobre o sexo do bebê’

3. ‘Jennifer Aniston vai a reunião do colégio em Nova York’



Os grandes títulos

Esta semana tem alguns exemplares interessantes. Por exemplo, um referente a Mônica Veloso (que, a propósito, lança um livro sobre os bastidores do poder na quarta-feira, 28, em São Paulo):

** ‘Mônica Veloso teria dívidas com ex-funcionários’

Um primor: a reportagem não diz se ela tem dívidas, ou não tem. Como no título do velho programa, Você Decide.

Ou esta delícia:

** ‘Justiça decreta prisão de 9 presos’

Se fosse uma questão idiomática, haveria um pleonasmo. Haverá, entretanto, a figura do pleonasmo jurídico?

Mas o grande título, na opinião deste colunista, traz aquele toque de malícia no estranho nome do personagem de Guerra nas Estrelas:

**Loja virtual vende mochila de pelúcia do Chewbacca’

O Renato Pompeu, mestre do título de duplo sentido, vai adorar o Chewbacca.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados