Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

Estrondoso silêncio, mais um

Recordar é viver, principalmente para o jornalismo. Na edição desta semana, Carta Capital (nº 368, de 16/11/05) entrega a dois Maurícios a investigação do passado. O primeiro, o Stycer, assina a matéria de capa, cuja manchete é: ‘Por que o PT poupa Azeredo?’. O repórter lembra falcatruas antigas de Marcos Valério e afirma que tucanos e petistas armaram um acordo: em troca do esquecimento do caixa 2 de Eduardo Azeredo, a crise vai sendo engessada.


O outro Maurício, o Dias, está na coluna Destaque, com a pergunta: ‘Que tal relembrar o dia em que o enfático senador Arthur Virgílio assumiu ter feito caixa 2 na campanha eleitoral de 1986?’ No artigo ‘Mil faces de um tucano’, o veterano jornalista lembra reportagem de 2000 do Jornal do Brasil – na época, ainda um jornal, embora nos estertores –, intitulada ‘Ilegalidade é freqüente’.


‘Em 1986, fui obrigado a fazer caixa 2 na campanha para o governo do Amazonas’, conta o senador-ferrabrás. O texto lembra as doações superiores a 10 milhões de reais à campanha de reeleição de FHC, não registradas no TSE (veja abaixo a íntegra).


Além de jornalístico, recordar é também divertido.


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Mil faces de um tucano


Que tal relembrar o dia em que o enfático senador Arthur Virgílio assumiu ter feito caixa 2 na campanha eleitoral de 1986?


Maurício Dias


O senador Arthur Virgílio, líder do PSDB, tem se destacado nos últimos meses como um dos mais implacáveis adversários do governo do PT e, pessoalmente, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, por sinal, tem recebido dele insultos verbais e ameaças físicas, desferidas da tribuna do Senado brasileiro.


Virgílio, viripotente, soma à valentia de carateca praticante um discurso em defesa da ética absoluta no exercício da política. Tem dito com ênfase, por exemplo, que não admite o uso de ‘dinheiro não contabilizado’ em campanhas eleitorais. Por isso, acusa Lula de promover um ‘escandaloso esquema de corrupção no País’.


Rigoroso e inarredável na suposta defesa dos melhores princípios, ele assinou, há poucas semanas, a nota oficial do bloco PFL/PSDB, na qual Lula é acusado ter justificado ‘gravíssimo crime eleitoral’ e de ter criado uma ‘cínica versão’ – a do caixa 2 – para o dinheiro esparramado por Marcos Valério nas campanhas eleitorais do Partido dos Trabalhadores e aliados nas eleições de 2002 e 2004.


A nota tucano-pefelista referia-se à entrevista que Lula deu, em Paris, quando sustentou que ‘o PT fez, do ponto de vista eleitoral, o que é feito no Brasil sistematicamente’ e provocou uma chuva cínica de relâmpagos e trovoadas.


Não se sabe se a valentia do senador Arthur Virgílio já foi posta à prova por algum outro valentão. Mas o rigor ético que ele enverga agora não fica de pé um segundo diante das declarações que ele deu ao Jornal do Brasil. Publicadas na página 9, da edição do dia 19 de novembro de 2000, elas nocauteiam a ética que o senador ostenta agora.


‘Em 1986, fui obrigado a fazer caixa 2 na campanha para o governo do Amazonas. As empresas que fizeram doação não declararam as doações com medo de perseguição política’, disse ele, em matéria assinada por Valdeci Rodrigues. O repórter anotou, após essa afirmação, que o então deputado ‘ficou tranqüilo porque esse crime eleitoral que cometeu já está prescrito’.


A reportagem, que tem o título de ‘Ilegalidade é freqüente’, trata da denúncia de que houve doações de mais de R$ 10 milhões à campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso que não foram registradas no Tribunal Superior Eleitoral.


‘Vamos acabar com mocinhos pré-fabricados e bandidos pré-concebidos. Neste país, o caixa 1 é improvável. A maioria das campanhas tem caixa 2’, declarou Virgílio, em 2000, como se fosse o inspirador do que Lula diria cinco anos depois.


Quando se trata da existência de caixa 2 nas campanhas eleitorais no Brasil, parece que o filme a que se assiste é um velho clássico reprisado de quatro em quatro anos.


As declarações de Virgílio sugeriram o seguinte comentário do procurador da República Guilherme Schelb, também publicadas pelo Jornal do Brasil: ‘Quando buscam a defesa atacando os outros, estão reconhecendo que também adotam a mesma prática’.


Deve-se, no entanto, elogiar a coerência de Arthur Virgílio. Ele é sempre enfático. Tanto agora, como senador, quando critica a existência de caixa 2, quanto em 2000, como deputado, quando defendia a existência dela. Não será, no entanto, por ter usado caixa 2 (na era pré-delubiana) que se pode acusar o tucano de ser um corrupto. O político que não concordar com isso que atire a primeira pedra.