Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Exigências audaciosas

O governo da presidente Dilma Rousseff, aparentemente, precisa ler melhor o noticiário e articular as informações. Segundo a Folha de S. Paulo de quinta-feira (27/9), Brasília está disposta a continuar negociando com a empresa chinesa Foxconn a instalação de mais uma fábrica no país, embora a empresa exija gozar de reserva de mercado. O argumento a favor de continuar a negociação é que se trata de “investimento de altíssima tecnologia dominado por poucos países no mundo.”

Mas não se sabe ao certo se a Foxconn está interessada em transferir para o Brasil só tecnologia de produção de telas de cristal líquido ou também vigilância militarizada do operariado. Na mesma quinta-feira, o Valor publicou reportagem do The Wall Street Journal que aborda um tumulto grave num dos conjuntos de fábricas da empresa, na província de Schanxi – onde trabalham tantos empregados quantos tem a GM em todo o território dos Estados Unidos, 79.000. A matéria dá uma volta no parafuso e questiona o próprio futuro do capitalismo (de partido único) “chão de fábrica do mundo” da China (assinantes podem ler em “Briga na Hon Hai põe em dúvida futuro fabril da China”).

Regime cruel não pára migração

Como se sabe, a China tira todo o proveito que pode da acelerada migração em curso do campo para a cidade (2,3% ao ano). O país ainda tem um estoque potencial de 710 milhões de camponeses. Os migrantes recentes trabalham em regime próximo da escravidão – em algumas fábricas os contratos de trabalho estabelecem que, se o trabalhador se suicidar, a família não recebe nenhum dos (parcos) benefícios previstos em caso de morte. Embora essa condição seja menos miserável do que suas vidas no campo, os operários chineses começam a levantar a cabeça.

A política laboral da Foxconn é comentada em “O preço da redução de custos”. Um material bem recente, assinado por Márcio Juliboni, está no site da revista Exame: “6 encrencas em que a Foxconn se envolveu neste ano”.

O Brasil não tem mais um estoque grande de camponeses: o Censo de 2010 encontrou 29 milhões de pessoas em áreas consideradas rurais. Mas tem um exército de desempregados e de subempregados. A redução da taxa de desemprego nos últimos anos é um fenômeno muito positivo. Os números, entretanto, ocultam alguns problemas: 1) o IBGE mede o desemprego aberto em seis regiões metropolitanas do país e especialistas imaginam que ele seja maior fora dos grandes centros; 2) os empregos formais criados estão numa faixa de até dois salários mínimos, abaixo, portanto, do salário médio do brasileiro empregado.

Não há a menor dúvida de que existe população em idade ativa disposta a se empregar em fábricas da Foxconn e congêneres. Que o digam as empreiteiras construtoras de Jirau, Belo Monte, Santo Antônio, da refinaria de Abreu e Lima, dos estádios da Copa de 2014 e por aí afora.

O rebanho de Terry Gou

Resta saber se um governo comandado pelo Partido dos Trabalhadores está disposto a se ver diante de novas rebeliões operárias, agora em regiões bem próximas de um grande centro. A Foxconn já tem oito fábricas no Brasil, em cidades polarizadas pela capital paulista e por Campinas, e em Manaus. Tem havido denúncias de más condições de trabalho. A nova fábrica seria erguida em Itu, a menos de cem quilômetros de São Paulo, ou em Santa Rita do Sapucaí, sul de Minas.

O PT de antanho estaria à frente das denúncias contra exploração do operariado e maus tratos. Mas isso foi no tempo em que os bichos falavam. Por falar em bichos, Terry Gou, dono da Foxconn, teria afirmado que “gerenciar um milhão de animais” (os 900 mil empregados da empresa) lhe dá dor de cabeça (veja o link da Exame, acima).

Insista-se: o pessoal de Brasília precisa ler o material jornalístico com cuidado, não necessariamente para rejeitar a ampliação da Foxconn no país, mas para impor certas condições, das quais a mais elementar é o cumprimento da legislação trabalhista. E a imprensa também precisa ligar os pontos e mostrar aos leitores o contexto em que se inserem as oportunidades e ameaças de crescimento dos negócios de uma companhia como a Foxconn no Brasil.