Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Foi sem querer, desculpe o aborrecimento…

Dizem que os doutores Manuel e Joaquim, famosos médicos dinamarqueses, enviaram um telegrama nos seguintes termos: “Caro sr. Antônio: temos uma boa notícia a dar-lhe. A marca vermelha em seu pênis era mesmo proveniente do desbotar das cuecas. Concluímos, agora, que a amputação foi desnecessária”.


É mais ou menos como a imprensa se comporta agora, quando o Supremo Tribunal Federal extinguiu a ação penal contra o juiz Ali Mazloum, que o Ministério Público havia proposto após a deflagração da Operação Anaconda. De acordo com o Supremo, não deveria sequer ter sido aberto processo.


Perseguição, incompetência, ímpeto de quem se acha destinado a salvar a Humanidade? Não importa: os denunciantes, com pleno apoio da imprensa, que os saudou triunfalmente, prejudicaram de maneira irreparável a vida de um homem que nem deveria ter sido processado. Ele foi afastado do cargo, viu sua reputação dissolver-se no noticiário da imprensa, sofreu e viu a família sofrer. E agora? A imprensa e os denunciantes vão pedir desculpas, dizer que não foi por mal, que não era nada pessoal, just business, e a vida continua?


Não pode ser assim: se houve irresponsabilidade, Ali Mazloum merece amplas reparações – inclusive, mas não apenas, em dinheiro. E esse dinheiro não deve sair da sociedade como um todo, dos pagadores de impostos: deve sair do bolso dos denunciantes irresponsáveis, de quem publicou sem investigar, de quem não ouviu o outro lado, a não ser burocraticamente, para cumprir tabela. Este talvez seja o único jeito de colocar responsabilidade nos acusadores e de no mínimo reduzir a frenética e até hoje impune farra das denúncias.




Gol da Band


Excelente a entrevista do presidente Lula ao Jornal da Band, na quinta-feira (14/9). Primeiro, pela iniciativa: Lula quase não deu entrevistas durante seu mandato. Segundo, por uma coisa que disse e passou meio despercebida: que o atual sistema político exige que o governo cuide, em cada projeto, “das maiorias eventuais”. Que o sistema está errado, está; cada projeto tem de ser negociado separadamente, com partidos, líderes, blocos, parlamentares isolados. O que não foi dito é que há negociações e negociações. Um caminho é partilhar o poder e as responsabilidades com vários setores da sociedade; outro é pagar pelo apoio – como no mensalão.


No primeiro mandato, Lula fez sua opção. Irá mantê-la caso se reeleja?




Onde estamos?


Clodovil Hernandes se tornou famoso como estilista, depois como apresentador de TV, sempre como pessoa inteligente, ágil e ácida. Sua campanha na TV beira o mau gosto, pelas constantes referências irônicas ao homossexualismo (tipo “o final é 11, que é um atrás do outro”), mas tem sua justificativa: abordar o tema antes de seus adversários. O que não é admissível, e que passou batido pela imprensa, foi uma frase claramente racista, antibrasileira, horrível: “Eu nasci aqui e não na Alemanha, onde tudo é melhor, a começar pela raça. Nós viemos de índios bobos, antropófagos, você não pode pretender que as coisas sejam iguais”.


Defender desta maneira a superioridade de um grupo humano sobre outro – respondam os juristas – será uma posição defensável perante a lei?




Racistas na cadeia


A agência Afropress, especializada em notícias sobre a comunidade negra, continua sendo atacada por hackers, que por várias vezes conseguiram retirá-la do ar. Os hackers se declaram nazistas, adeptos de algo chamado Poder Branco, e inimigos de negros, judeus, nordestinos e homossexuais.


Perguntar não ofende: num país de imigrantes, é admissível a passividade das autoridades diante do racismo? Num país como o Brasil, onde, na frase imortal do jornalista Saul Galvão, quem tem 400 anos de São Paulo tem 800 de Angola, como se explica que haja adeptos do Poder Branco? E como se explica que a imprensa dedique tão pouco espaço à guerra movida pelos nazistas contra a Afropress – uma guerra suja, nojenta, covarde e ilegal?




Indignação conveniente


Em Darfur, no Sudão, já houve 200 mil mortos. Uma milícia muçulmana, árabe e branca, a Janjaweed, apoiada pelo governo sudanês, promove a limpeza étnica da cidade, matando não-muçulmanos (cristãos e animistas) e negros. Uma força de paz pan-africana está na região e não consegue impedir a matança.


Este colunista certamente falhou na leitura dos jornais. Não encontrou algo que certamente estará noticiado, os protestos dos partidos de extrema esquerda e dos intelectuais engajados contra a matança de civis desarmados pelo crime de professar determinada religião ou de ter nascido com determinada cor de pele.




História interrompida


Pelo que contam, foi a maior ação da Polícia Federal nos últimos tempos: a Operação Dilúvio, que apanhou importadoras acusadas de subfaturar produtos e realizar operações para clientes como se fossem para si próprias, e envolveu empresas conhecidas, como uma grande joalheria, uma das principais butiques de artigos de luxo do país e uma grande rede de lojas de moda masculina.


A Operação Dilúvio explodiu na imprensa e desapareceu em 24 horas: ninguém mais ouviu falar nela. Alô, chefias de reportagem! Terá sido a Operação Dilúvio um furo n’água? Dá uma belíssima matéria. Estarão os empresários envolvidos na Operação Dilúvio enfrentando autuações e processos? Dá uma belíssima matéria. Estará tudo parado, por dificuldades burocráticas, empecilhos legais, sabe-se lá o quê? Dá uma belíssima matéria.


O que não pode é ver o nome de empresas e empresários envolvido em irregularidades e depois não se falar mais no assunto.




Questão de lei


“Funcionários que bebem ganham mais, diz pesquisa.” Este é o título de uma notícia de internet. E que nada mais faz do que refletir o que acontece no Brasil: por força de lei, há um funcionário que ganha o salário-teto do funcionalismo.




Entendendo as palavras


Entrevista ao vivo é algo complicado. E, quando a entrevista é publicada ipsis litteris, pode ficar ainda pior. Outro dia, um delegado, falando de um crime de grande repercussão, garantiu que a vítima estava sozinha em casa no momento em que foi baleada. Se a vítima estava sozinha em casa, quem a baleou?




E eu com isso?


Em 1683, o exército turco que cercava Viena cavou túneis de madrugada sob as muralhas da cidade. Dizem que os padeiros austríacos, já de pé preparando a primeira fornada, deram o alarme. Os turcos foram encurralados nos túneis e o restante do exército se pôs em fuga. Para dificultar a perseguição, puseram fogo nos suprimentos, inclusive nos grãos crus de café que haviam aprendido a preparar com seus súditos árabes. O cheiro do café torrado conquistou os vienenses.


O imperador da Áustria, para homenagear os padeiros, mandou que fizessem um pão especial, de massa folhada, no formato da lua crescente – o símbolo do exército turco. Nascia o croissant. Quando Maria Antonieta, filha da imperatriz Maria Teresa, se mudou para a França, onde se casaria com Luís 16, levou na comitiva cozinheiros e suas receitas. O croissant ganhou o mundo.


Pense bem: até 1683, quando o exército turco foi derrotado em Viena, não conhecíamos o café nem o croissant. Vivemos alguns milhares de anos de civilização com o café da manhã sem café; e os croissants bem que fizeram falta.


Em 1867, Alexander Graham Bell patenteou sua “Máquina da Fala Elétrica”, hoje conhecida mais simplesmente como telefone. Pense bem: até 1867, não havia telefones (nem grampos). Recados, só pessoalmente. E, caso o caro colega tenha uma filha adolescente, imagine como seria a vida da jovem sem o aparelho que parece grudado em seu ouvido.


Mas, enfim, sobrevivemos – sem café, sem croissant, sem telefone (e sem sorvete, que só foi aparecer no Império Romano!). Só essa incrível capacidade de adaptação do ser humano pode explicar como é que vivemos até hoje sem saber que, conforme informou um jornal eletrônico, “Ana Hickmann causa frisson com pernas à mostra em estréia”.


Fundamental! É claro que as pernas de Ana Hickmann causam frisson mesmo se ela estiver vestida de monja afegã; é claro, também, que o vestido nem era tão curto, alguns dedos acima do joelho.




Adivinhe se puder


O forte, nesta semana, foram os títulos enigmáticos. Por exemplo:


1. Lua minguante: e agora?


2. Yeda apresenta programa sem chuviscos e recebe apoio de Serra


Este vale a pena explicar: Yeda é Yeda Crusius, candidata do PSDB gaúcho ao governo do estado. E o programa sem chuviscos? Não: não falou aquele doce típico de Campos, que o ex-governador Garotinho tanto aprecia. Eram chuviscos de TV, mesmo. E por que tanta surpresa diante da falta de chuviscos? É que a equipe técnica de Yeda estava desfalcadíssima: a maior parte do pessoal foi embora, já que o pagamento não tinha jeito de sair.


O grande título, entretanto, é mais difícil de explicar. Quem conseguir decifrá-lo merece um disco do senador Suplicy cantando Blowin’ in the wind, tendo como backing vocal o ex-deputado Roberto Jefferson e como dançarina, naturalmente, a deputada Ângela Guadagnin, aquela da Dança da Pizza. Vamos à obra-prima:


** Cláudia Raia ‘treina’ com filha para viver prostituta 


Não é notável?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados