Monday, 18 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1279

Grande mídia sucateou as Forças Armadas

O Estado de S.Paulo, em dois recentes editoriais, lembra que as Forças Armadas brasileiras estão em pandarecos. Depois de perorar sobre as escassas verbas destinadas a elas, prega a necessidade de rearmamento – pois, no espaço da Amazônia, segundo o jornal, o perigo ronda graças a ações armamentistas empreendidas pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez. A recomendação do Estadão é a de que se deve gastar mais recursos para proteger o território nacional, ameaçado pelo que considera ‘ditador latino-americano’ rearmado pelo petróleo venezuelano, embalado por 100 dólares o barril. Se a União Soviética ainda existisse, diria que seria o ouro de Moscou.

Agora, vem O Globo no domingo (11/11) e revela o relatório das Forças Armadas encaminhado ao Congresso Nacional dando conta do sucateamento das três armas. Os armamentos das três forças estão obsoletos, no momento em que a tecnologia da informação permeia todos os produtos bélicos e espaciais (as não-mercadorias que dinamizam a economia de guerra para evitar que o capitalismo entre em crise de realização, quando a produção de mercadorias, graças à superconcentração de renda, tem dificuldade de se materializar no consumo).

Alertam os dois jornais que chegou a hora de mudar o foco para permitir que haja rearmamento e modernização dos militares brasileiros, que se transformaram em burocratas durante os governos neorepublicanos-neoliberais, teleguiados pelo Consenso de Washington. Estão em situação vexatória desde a grande crise monetária dos anos de 1980, desencadeada pelos Estados Unidos, como forma de evitar a inflação mundial em dólar, por meio do aumento dos juros de 5% para 17%, em 1979.

Origem da contenção

De lá para cá, as economias capitalistas periféricas na América Latina seguiram a orientação dos credores, pregada e apoiada, subservientemente, pela grande mídia em nome do ajuste macroeconômico destinado a manter a economia em banho-maria, enquanto se assegurava a formação de elevados superávits primários para o pagamento dos juros da dívida pública interna. Esta, impulsionada pelas pirotecnias econômicas neoliberais, cujos resultados foram sobrevalorização cambial em nome do combate à inflação, está na base do sucateamento industrial periférico produzido pelos governos neoliberais neorepublicanos que desmontaram a indústria armamentista desenvolvida pelos militares em seu sonho de Brasil Potência, desarticulado a partir do governo collorido.

Por que a surpresa da mídia-capacho de Washington se o resultado que se apresenta nas págias de O Globo é a pregação que ela mesma se empenhou em realizar ao longo dos 21 anos de maioridade da Nova República neoliberal?

Todos correm a alertar contra Hugo Chávez, que decidiu, bombado pelas finanças favoráveis decorrentes do excesso de petrodólares, reformar as forças armadas venezuelas. O senador José Sarney, que semana retrasada recebeu em seu gabinete a visita do embaixador dos Estados Unidos, Clinfford M. Sobel, debaixo de silêncio da grande mídia, tornou-se o porta-voz da Casa Branca no Brasil, no sentido de alardear que Chávez promove corrida armamentista na América do Sul gastando 6% do PIB venezuelano, enquanto o governo brasileiro gasta somente 2%.

Claro, tal percentual baixo guarda relação com os interesses da Casa Branca, defensora dos contingenciamentos de recursos orçamentários, para sobrar dinheiro para o pagamento dos serviços da dívida. Somente não pode ser contigenciada a grana canalizada aos bancos, como assegura a Constituição em seu artigo 166, parágrafo terceiro, inciso II, letra b, cujo autor intelectual, segundo os professores Adriano Benayon e Pedro Resende, da UnB, é o atual ministro da Defesa, Nelson Jobim.

Vale dizer, Lula colocou para comandar as três forças quem teria urdido contenção de gastos em nome do modelo neoliberal ditado dos Estados Unidos, que sucateou as Forças Armadas nacionais. Jobim seria o homem talhado para comandar o rearmamento se atuou, antes, para desarmar?

Crise global

Em nome dos interesses dos credores, a grande mídia – assim como importantes jornalistas – pregaram a necessidade de supressão das forças armadas nacionais, juntando-as todas no espaço do continente sul-americano, devidamente desarmadas, para trabalhar conjuntamente sob orientação, quem sabe, das forças armadas americanas. Tal pregação ganhou popularidade por certo tempo até se desmanchar em seu próprio absurdo irrealista fantástico.

Mas não é isso que já está acontecendo no Paraguai, onde base militar dos Estados Unidos está sendo implementada talvez para que os americanos fiquem mais perto da grande reserva do Aqüífero Guarani, já que a oferta de água se transforma, a cada dia, em poder geopolítico estratégico?

O tiro pode sair pela culatra, do ponto de vista dos interesses da grande mídia. Afinal, as Forças Armadas brasileiras, se forem fortemente rearmadas no espaço sul-americano-amazônico para fazer frente ao armamentismo alavancado por Chávez, representariam, na prática, oposição ao governo da Venezuela ou uma aliança com este em defesa da Amazônia?

Sarney, com seu udenismo-neolacerdista fora de moda, vociferador dos interesses americanos, cuida de demonizar Chávez mas não diz, com satisfação por parte da mídia, uma palavra sobre o armamentismo que rola na Colômbia, sob Álvaro Uribe. Por quê?

Patrocinado pelos Estados Unidos, o presidente da Colômbia (que, ambiguamente, atua como adversário e amigo de Chávez na medida em que solicita ao titular do poder venezuelano apoio para negociar com as Farcs), seria, na sua corrida armamentista no espaço da Amazônia mais pernicioso ou mais amigo do Brasil que Chávez?

Ou os três, contraditoriamente, buscando modernizar-se no plano da defesa armamentista acabariam chegando a um consenso sobre a necessidade de integrar economicamente a América do Sul mais rapidamente, no momento em que o dólar entra em crise global, jogando a economia americana no imponderável?

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Jornalista, Brasília (DF)