Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ladrões, sim, mas os outros também são

Lembrando um antigo bordão do Fausto Silva, o leitor Rubens Salles diz que tem saudades do tempo em que atos secretos no Senado eram aqueles que podiam gerar filhos – que o diga certo senador, que até ficou bem mais famoso com uma história desse tipo. Este colunista é do tempo em que um político acusado de alguma coisa ou negava ou assumia, mas jamais se justificava dizendo que aquilo todo mundo fazia. E por que ele, então, era perseguido por isso?


Num tremendo duelo entre Adhemar de Barros e Jânio Quadros, Adhemar disse que Jânio não deveria se candidatar a governador de São Paulo, pois tinha nascido em Mato Grosso. Jânio devolveu com um slogan: ‘Mato-grossense, porém honesto’. Adhemar rebateu na hora: ‘Ladrão, mas paulista’. Nenhum se limitou a simplesmente devolver as acusações.


Carlos Lacerda, recebido numa faculdade aos gritos de ‘corvo’, referiu-se indiretamente às maledicências que circulavam a respeito de um ferrenho adversário, ídolo daquela platéia: ‘Corvo, mas com V’. E, com os dedos da mão direita, mostrou o símbolo, digamos, do V.


O clima de jogo de futebol hoje vigente é bem mais chato: alguém que sofra uma acusação qualquer alega como defesa, logo ecoada pela torcida, que os outros também fazem. Como diria o Tavares, do grande Chico Anysio, ‘sou, mas quem não é?’


E quem traz a público qualquer fato desabonador para um político de qualquer dos lados é imediatamente rotulado de partidário dos adversários (a propósito, Ricardo Kotscho escreveu no seu Balaio sobre problema parecido: veja em http://colunistas.ig.com.br/ricardokotscho/2009/07/13/leitores-discutem-futebol-e-politica-com-fervor-religioso/).


Tudo bem, cada um vê a política como quer – até mesmo como um jogo de futebol. O problema é que o eleitorado não merece ter delinqüentes em cargos públicos, mesmo quando adversários tenham cometido, ou cometam habitualmente, o mesmo delito. Se o ‘sou, mas quem não é’ for obedecido à risca, nem mesmo estupros, pedofilia ou homicídios poderão ser punidos: afinal de contas, há outros praticantes, frequentemente de outros partidos. Ou seja, é a lei da selva.


 


Futebol e política


O clima de torcida organizada na política ficou claro com a entrega da camisa da seleção brasileira, pelo presidente Lula, ao presidente americano Barack Obama. A acusação é que se trata de uma camisa falsa – e, de falsa, a camisa não tem nada. A camisa, isso sim, embora já seja da seleção dirigida por Dunga, não é a mais atual: tem assinaturas de Wagner Love, de Dudu Cearense, de Fred, de Edmilson, que não têm sido convocados mas que foram efetivamente da Seleção e autografaram efetivamente a camisa.


Dizer que a camisa é falsa é criar um factóide. E que factóide mais besta!


 


Coisa estranha


Lembra quando a palavra ‘Era’ se referia a grandes períodos? A Era Glacial, por exemplo; ou a Era dos Dinossauros. Com um pouco de boa vontade, falava-se na Era de Roma, referindo-se aos mil e poucos anos em que o Império Romano comandou o mundo; ou à Era das Navegações, marcada pela chegada da Europa à América e a descoberta do caminho marítimo para as Índias. Chamar os oito anos de governo de Fernando Henrique de ‘Era FHC’, ou os sete anos atuais de ‘Era Lula’ é até engraçado. Formalmente não está errado, mas é como chamar Cristiano Ronaldo de famigerado. É português castiço, mas há muitos e muitos anos a palavra trocou de significado.


 


Censura


O colunista José Simão, da Folha de S.Paulo, está proibido, por decisão judicial, de citar o nome da atriz Juliana Paes. Pena: R$ 10 mil por nota divulgada na imprensa. José Simão faz humor; com freqüência humor escrachado, às vezes pesado, mas sempre humor, e o humor só funciona se fizer rir. No caso de Juliana Paes, José Simão brinca com a palavra ‘casta’, que pode significar o estrato social da personagem da atriz na novela Caminho das Índias, da Rede Globo, ou identificar a pessoa que guarda a castidade. A personagem de Juliana Paes está envolvida, na novela, nos dois casos: violou as normas de sua casta e teve um filho fora do casamento.


A sentença é de primeira instância e pode haver recurso. Aliás, haverá: primeiro, porque a Constituição proíbe a censura prévia, e proibir um jornalista de sequer citar o nome de uma personalidade pública é censura; segundo, porque esta decisão vai simplesmente abolir o humor. Imagine uma piada sobre a beleza física do senador Demóstenes Torres; imagine o técnico corinthiano Mano Menezes proibido de dizer ‘que pique, hem, Gordo!’ para Ronaldo Fenômeno.


O juiz que nos desculpe, mas não existe humor a favor.


 


Barrigaço


Na Grécia, uma campanha de arrecadação de fundos para a reconstrução ‘de um hospital cristão destruído pelos israelenses em Gaza’ teve de ser interrompida, após arrecadar US$ 1,67 milhão, depois de ter obtido a participação de artistas, sindicalistas e até mesmo do presidente da República, Carolus Papoulias: o pretexto era falso. O único hospital cristão em Gaza continua intacto. Até agora, ninguém sabe se a campanha foi um equívoco ou uma fraude. E ninguém leu essa notícia na imprensa brasileira, embora tenha sido publicada fora do Brasil.


Para a imprensa, a cobertura de uma guerra é sempre complicada (e a situação piorou ainda mais, com a possibilidade quase infinita de utilização de informática na montagem de fotos e filmes). Um senador americano, Hiram Johnson, disse no início do século passado que, em tempo de guerra, a primeira vítima é a verdade. Um jornalista australiano que construiu sua carreira na Inglaterra, Philip Knightley, publicou um livro essencial sobre jornalismo, ‘A Primeira Vítima’, mostrando as distorções da imprensa na cobertura de conflitos desde a Guerra da Criméia, em meados do século 19 (França, Inglaterra, Império Otomano e Áustria enfrentaram o Império Russo). Winston Churchill, primeiro-ministro da Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, costumava dizer que a verdade é tão preciosa que precisa ser protegida por uma muralha de mentiras.


E, quando a cobertura tem um componente ideológico, fica muito mais fácil não apenas acreditar na muralha de mentiras, mas acrescentar-lhe novos tijolos.


 


Voo sem lei


A ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil, autorizou a empresa aérea israelense El Al Israel Airlines Ltd. a operar no Brasil. A decisão da ANAC foi publicada no Diário Oficial da União em 15 de julho. Acontece que a El Al está voando direto do Brasil para Israel há dois meses e meio, desde o dia 1º de maio.


A existência de voos anteriores à inauguração foi ignorada pela imprensa (embora nove jornalistas brasileiros tenham sido levados a Israel nesses voos, a convite). E há uma questão lógica que deveria merecer esclarecimentos: se a autorização é necessária, por que se permitiu que os voos anteriores a ela fossem realizados? E, se a autorização é desnecessária, por que se dar ao trabalho de concedê-la e publicá-la no Diário Oficial da União?


 


Gastos sem lei


O Senado gasta muito? Os gastos com o cartão corporativo da Presidência da República duplicaram neste ano? Tudo bem, isto merece reportagens, merece o cuidado da imprensa.


Mas o aluguel do Hotel Hilton pela Justiça paulista também merece cobertura, e não vem recebendo as atenções dos meios de comunicação. O fato é o seguinte: o Tribunal de Justiça alugou o antigo Hotel Hilton, um dos símbolos da cidade (um prédio redondo, perto do centro), reformou-o para atender a uma parte de seus desembargadores, e a reforma se encerrou em outubro de 2007.


De lá para cá, o aluguel de R$ 600 mil mensais é pago regularmente, e o prédio continua vazio, ninguém sabe o motivo. Gasta-se, em um ano, pouco mais de R$ 7 milhões só de aluguel, fora limpeza, segurança, energia; e o edifício está sem uso. Nestes últimos dois anos, foram-se mais de R$ 14 milhões.


Por que, depois de concluída a reforma, o prédio não foi ocupado? Qual o destino que se pensa dar ao marcante edifício, que por muitos anos foi o melhor hotel de São Paulo? Por que os meios de comunicação não cobrem esse tema?


 


A culpa da imprensa


O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Franklin Martins, falando para o Ministério, ecoou uma idéia muito difundida: a de que a imprensa repercute apenas atos de oposição na crise do Senado. Franklin acha que a oposição aposta na crise como bandeira política e que se apóia na imprensa, que por sua vez se apóia na oposição.


Martins tem razão: a política no Brasil, hoje, não segue as normas americanas ou inglesas (onde a oposição se chama ‘Oposição de Sua Majestade’, indicando que, como a situação, faz parte da elite dirigente do país). A política se transformou num exercício sangrento, onde o importante é vencer, não chegar a soluções que sejam as mais convenientes para o Brasil.


A única objeção que se pode fazer a Franklin Martins, um jornalista competente que sabe observar os fatos, é que esse tipo de política foi exercitado pelos atuais governistas, quando eram de oposição (o próprio senador Aloízio Mercadante, líder do PT no Senado, admitiu que seu partido procurou não permitir que o governo de Fernando Henrique Cardoso tivesse espaço de governabilidade); e, na época, eles não achavam que isso fosse ruim.


O fato é que, seja nos governos anteriores, seja no atual, esse tipo de postura é nocivo ao país. E cria, de um lado, o efeito-manada (os meios de comunicação, munidos por oposicionistas ou por dissidentes governistas de informações e provas sobre irregularidades, comem em suas mãos, abdicando de buscar outros temas e pautas); e, de outro, a tentativa de desmoralizar a imprensa, apontando-a como braço político da oposição. Os dois fenômenos são igualmente nocivos. Ambos conduzem o eleitorado a não acreditar no regime democrático. No caso da tentativa de minar a credibilidade da imprensa, o ataque é direto; no caso do efeito-manada, é indireto, porque conduz a uma enxurrada de escândalos que não se sustentam e não resultam em qualquer tipo de punição.


É engraçado que isso esteja acontecendo no Brasil. Afinal, muitos dos que denunciam hoje o comportamento da oposição fizeram parte de seus quadros, na época em que a oposição era governo. Nelson Jobim, Renan Calheiros, José Sarney, Jader Barbalho, Romero Jucá, Roseana Sarney, tantos outros estão no governo desde Fernando Henrique (e Fernando Collor, o mais recente lulista-desde-criancinha, vem de um governo ainda anterior). Ou talvez seja por isso mesmo que a luta seja tão feroz: eles sabem que, qualquer que seja o resultado, continuarão no poder. Eles são coerentes, estão sempre com o governo. E não têm culpa de que o eleitorado seja tão volúvel e eleja ora um, ora outro.


 


Segure no rato


Ver que as lojas chamam ‘liquidação’ de sales é irritante (especialmente para quem conhece um monte de gente chamada Sales). Uma empresa ter de contratar Ivete Sangalo para explicar o que quer dizer seu slogan sense and simplicity é puro non-sense e não tem nada de simplicity. O Volkswagen velho de guerra, o bom senso em automóvel, a marca que conhece o nosso chão, que você conhece, você confia, virou um tal de ‘Das Auto’, seja lá isso o que for.


Mas é problema de quem vende: se eles pretendem gastar fortunas para criar slogans e depois torná-los ininteligíveis, problema deles. Sorte de quem amplia as vendas falando a língua do comprador. Transformar a tradução em lei já é coisa diferente – e é esta a proposta do governador paranaense Roberto Requião (PMDB). Requião quer que toda palavra em língua estrangeira nos anúncios divulgados no Paraná seja traduzida para o português.


Pode ser engraçado. Aquele instrumento que comanda o cursor do computador será ‘rato’ ou ‘camundongo’? E aquela cerveja que se pode abrir com os dedos, terá o nome de ‘pescoçuda’? A Kombi terá de trocar de nome: é uma abreviatura do alemão Kombiniert, uma espécie de múltiplo, com várias utilidades. Hambúrguer, nem pensar: será ‘bolinho de carne frita ou grelhada’. E como chamaremos o pitot, o grande vilão do desastre da Air France?


Não, não dá. Anúncios com futebol, uma palavra tipicamente britânica, terão de trocá-lo por ludopédio? As quadrilhas de festas juninas, cheias de expressões em francês, terão de mudar. A Volkswagen, nome alemão, precisará ser chamada de ‘carro do povo’. E a General Motors, vai virar ‘Motores em Geral’?


 


Como…


De um grande jornal esportivo:


Troca-troca de gigantes agita o mercado europeu!


Essa nem os romanos conheciam: nas orgias, preferiam anões, às vezes besuntados com mel.


 


…é…


Da edição online de um grande jornal:


Astronautas da Estação Espacial Internacional ficam sem roupas íntimas


E, vestidos daquele jeito, como é que tiraram?


 


…mesmo?


De um grande portal noticioso:


Homem vê ‘vaca’, mas se depara com crocodilo gigante em estrada


Este colunista vai dar uma de parlamentar: tenho um parente que é ótimo oculista.


 


E eu com isso?


O caro colega pode não acreditar, mas há notícias ainda mais estranhas do que aquelas de que a gente tem ouvido falar.


1. Site lista as celebridades que não se depilaram


2. Mulher vai ao banheiro e leva tiro acidental após colega derrubar a arma


3. Neozelandês de 18 anos tenta leiloar fotos sensuais da mãe na web


4. Jovem é demitida de prisão por ser ‘sexy demais’


5. Juliana Paes não vai pular Carnaval porque quer ter filho


Se pular Carnaval evitasse filhos, o governo não distribuiria camisinhas no sambódromo.


E há aquelas notícias sem as quais não dá para dormir de noite:


6. Britney Spears engorda 7 kg em duas semanas de férias e chora


7.  Chico Buarque caminha na praia e toma água de coco


8. Empresa alemã cria lentes de contato para animais


9. Grazi faz tratamento para desintoxicar o couro cabeludo


Que será que esta moça anda passando na cabeça?


 


O grande título


Lembre-se dos antigos filmes americanos de faroeste, quando aparecia um índio. E veja esse título:


Senado prevê reduzir em R$ 5 milhões contrato


Mas nesta semana é covardia: o melhor título é esportivo.


Dunga solta ‘bombas’ em conversa descontraída com Milton Neves


Em que restaurante terão almoçado?

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados