Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Me engana que eu gosto

Embora já se tenham passado quase dois anos, lembre daqueles parlamentares furiosos, aquela gentinha miúda, gritando com as testemunhas. Lembre daquele parlamentar metido a acusador, que até o sobrenome escreve errado, um Vishinsky que não deu certo, dando entrevistas a cada repórter bonitinha que passava por perto. A CPI custou caro, deu espaço na TV a muitos exibicionistas – mas até hoje não se sabe de onde saiu o dinheiro distribuído por Marcos Valério.

Um ótimo livro, O Operador, do repórter Lucas Figueiredo (Editora Record), mostra como Suas Excelências usaram a CPI para se projetar, ou prejudicar adversários, mas não para investigar a corrupção – até porque, se fossem investigar direito, o número de nobres parlamentares atingidos chegaria a cem. [Ver ‘Quem criou Marcos Valério?‘ e ‘Mídia omitiu a gênese do valerioduto‘] Mostra como se manteve fora do escândalo o político que inaugurou o valerioduto, o presidente nacional do PSDB, Eduardo Azeredo (e alguns de seus auxiliares próximos). Mostra como os generosos bancos que emprestavam e não cobravam do PT conseguiram livrar-se de investigações mais duras. E pergunta: onde foram parar os 4 milhões de reais que Roberto Jefferson recebeu em nome do PTB? A investigação demorou, mas não houve tempo de fazer essas perguntas inconvenientes.

Na verdade, caro leitor, repetiu-se o que houve no caso PC: o intermediário PC Farias foi preso e execrado, mas se transformou no único intermediário da História do mundo a não receber de ninguém e a não dar nada a ninguém. Foi, pelo menos, o que mostraram as investigações. Aquelas – e essa.



Lá sai o seu China…

Foi um belo furo de reportagem da Record – e, aquela coisa feia que às vezes acontece na imprensa, os outros meios de comunicação pouco acompanharam o assunto. Deveriam: além da libertação provisória de Law Kim Chong, apontado como o maior contrabandista do Brasil, há muitas outras coisas a explicar.

Por exemplo, se é ou não legal libertar um prisioneiro condenado por ordem apenas do diretor do presídio. Segundo, se era para visitar o pai doente, por que se utilizou uma ambulância no transporte – afinal de contas, o doente não era ele. E, se Law está preso, quem opera as centenas de lojinhas na região da Rua 25 de Março, em São Paulo, que, ao que se comentava, eram abastecidas por ele?

E, caro colega, lembremos um fato interessante: Law Kim Chong pode ter nome de chinês, pode ter cara de chinês, mas não é chinês. Por nascimento, é inglês – nasceu em Hong Kong, então parte integrante do Império Britânico. Por naturalização, é brasileiro.



…na ponta do pé

Se a permissão para que Law Kim Chong saísse da prisão fosse um fato absolutamente normal, por que tanto segredo? Por que não havia, na porta do presídio, aquele batalhão de repórteres, em cenas de jornalismo explícito?

A Record tem o grande Percival de Souza na investigação. Mas, mesmo assim, seria ótimo se os demais meios de comunicação se despissem um pouco da dor de cotovelo e mergulhassem no caso, como se fosse deles.



O preço da fama

Um dos funcionários da Escola de Samba Tom Maior foi prensado por um carro alegórico da própria agremiação. O carro era aquele que levava, entre outros, o senador Eduardo Suplicy. Bastou para que o título fosse algo como ‘prensado pelo carro de Suplicy’. O texto, embora menos agressivo, também identificava o carro como aquele ‘em que estava o senador Eduardo Suplicy’.

Provavelmente não houve má-fé. Mas houve mau jornalismo: Suplicy não tinha nada com isso, provavelmente nem soube do acidente, limitava-se ali ao papel de folião. Do jeito que a notícia saiu, parece atribuir a responsabilidade ao senador. É injusto, e errado [ver ‘O carro do senador e a pimenta no título‘].

Se era para falar de Suplicy, nada melhor que aquele inacreditável sapato vermelho de plataforma. Imagine o senador, com aquela sua ginga natural, montado em sapatos de plataforma: é um milagre que esteja com as pernas inteiras.



Terra quente

O leitor Paulo Blikstein, que faz seu PhD na NorthWestern University, de Chicago, escreve para rebater a mensagem de Marcelo Cukierman, da Universidade do Texas, sobre o aquecimento da Terra. Na opinião de Cukierman, que cita em seu apoio pesquisas do Cato Institute, há uma boa probabilidade de que o aquecimento terrestre seja provocado não pelo ser humano, mas pela Natureza.

‘Faltou dizer’, diz Blikstein, ‘que o Instituto Cato é conhecido por ser um adversário histórico da idéia do aquecimento global e, por uma dessas coincidências inexplicáveis, é também um dos mais famosos think tanks de direita nos Estados Unidos: quer também abolir o salário mínimo, desregulamentar a indústria de cigarros, privatizar a previdência, etc., etc.

‘Alguns autores nos EUA chamam o discurso de institutos como o Cato de ‘racionalidade simulada’: os argumentos precisam fazer um pouquinho de sentido para o ouvinte médio, e só uma pequena parcela vai entender que está sendo enganada por uma mistura de agressividade retórica, ataques pessoais aos cientistas contrários e dados convenientemente selecionados.

‘Nada contra a seriedade de vários outros estudos do Cato, mas é preciso saber que não se trata de um instituto imparcial’.

Beleza: é um debate, não a repetição de posições únicas. E até agora ninguém defendeu a tese de que, para evitar o aquecimento global, a Humanidade deve desistir da eletricidade e da água encanada e passar a comer só frutas e raízes.



Os donos do samba

Tudo muito bom, tudo muito bem, as TVs se esbaldaram na cobertura do carnaval. Mas este colunista, ignorante das coisas do samba no pé, que adora o carnaval só por causa dos feriados, lembra que há alguns anos a maior parte das grandes escolas de samba era comandada por contraventores, os marechais do jogo do bicho. E hoje, quem comanda as escolas? É o bicho? Serão, para usar o jargão carnavalesco, líderes escolhidos pela comunidade? Pode pesquisar: nenhum meio de comunicação tratou deste assunto.



A grande Ana Amélia

Ana Amélia Lemos, jornalista de primeira, uma das comandantes da RBS em Brasília, reclama de uma nota a respeito do livro de Aureliano Biancarelli sobre a violência contra a mulher em Pernambuco. ‘Por melhor que seja o texto do autor, o que facilita a leitura e a informação sobre essa tragédia pernambucana, isso jamais será agradável, porque, convenhamos, o conteúdo é mesmo pesado’.

Tem razão, Ana Amélia. O tema do livro faz com que não se possa considerá-lo agradável. Mas o texto do Biancarelli, um belo repórter, é excelente. Se, além do tema, houvesse um texto daqueles de discurso no Parlamento, já pensou?



Tropa, frota, manada

Fantástico: segundo um grande portal de internet, após a retirada de 1.600 soldados do Iraque, a Inglaterra ainda terá ‘5,5 mil tropas no país’.

Quantos soldados terá cada tropa? Na verdade, só um: é que o pessoal não sabe traduzir. Em inglês, ‘troops’ pode significar ‘soldados’. Em português, tropa é coletivo. Traduzir por semelhança é sempre perigoso: experimente traduzir para o francês, por semelhança, ‘a gravata aperta o pescoço’.



E eu com isso?

Quanto mais se vive, diziam as mamães de antigamente, mais se aprende. Veja só:

1. ‘Britânica alega ser mãe de filhos de Michael Jackson’

Até agora, este colunista acreditava que, biologicamente falando, os filhos não podem ser gerados por um casal de mães.

2. ‘Madonna proibiu sua filha de namorar até os 18’

Madonna nem precisaria se dar a esse trabalho. Se a filha puxou o temperamento dócil, pacato e caseiro da mãe, vai demorar até mais.

3. ‘Claudia Leite garante: ‘Eu sou virgem’’

Este colunista garante: eu acredito.

4. ‘Victoria Beckham curte horas de diversão na Disney’

Uma dúvida: que mais se pode fazer na Disney?



Como é mesmo?

O texto abaixo é de um grande portal da internet. É completo: do título à notícia, é notável. Comecemos pelo título:

** ‘se otimista em relação ao impacto de uma planejada reforma fiscal.’

Agora, a notícia:

‘Mas o FT fez suas ressalvas, enfatizando que o governo ‘parece estar perdendo a disciplina fiscal que manteve durante o primeiro mandato’ de Lula, ao decretar ‘generosos aumentos salariais aos empregados públicos’ e dando luz verde paco, mas manifestou claramente que o crescimento em si não vale a pena’, afirmou o jornal.’

Quem conseguir explicar direitinho o que se tentou dizer entra na rifa de um meiguíssimo sapato vermelho de plataforma, masculino, igualzinho ao que o senador Eduardo Suplicy usou no desfile das escolas de samba.



Os grandes títulos

O título ‘obra aberta’, que cada um conduz como quer, continua na moda:

** ‘Quase 200 imigrantes ilegais detidos nos EUA em operação contra empresa de’

O título acima é excelente. Mas o melhor título da semana, também ‘obra aberta’, não admite competição:

** ‘Erros no plano de Lula atrasaram o desenvolvimena submersa do que a uma potência’

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados